Formuladores de políticas públicas precisam levar em conta as competências socioemocionais dos alunos

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Durante a Bett Brasil, maior evento de inovação e tecnologia para educação na América Latina, realizado em maio, em São Paulo, Karen Teixeira, doutora em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, chamou a atenção pela apresentação dos resultados de um ramo de pesquisa promissor, porém ainda pouco conhecido por educadores e sistema de ensino no país: as competências socioemocionais e seus impactos na vida dos estudantes. Em meio a tantas exigências de desempenho e de uma extensa base curricular a ser aprendida, a lição que fica do estudo “Social and Emotional Skills for Better Lives” (Competências socioemocionais para uma vida melhor, em tradução livre) é a de que, paralelamente ao material didático das disciplinas escolares, o aluno deveria, e precisa, ser alvo de um trabalho de regulação emocional. Entrevistada do mês, Karen Teixeira relata os principais achados do estudo, conduzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em colaboração com o Instituto Ayrton Senna, onde ela é gerente de pesquisa e membro do eduLab21 – Laboratório de Ciências para Educação. Pela primeira vez, a pesquisa, que abrangeu um total de 17 países, foi realizada com estudantes do Brasil, no interior cearense, na cidade de Sobral. Karen revela as disparidades do desenvolvimento de um conjunto de 15 competências socioemocionais, em recortes de idade, gênero e diferença socioeconômica, e mostra como a atuação sobre as emoções dos alunos pode melhorar o desempenho, além de reduzir evasão, falta, atraso escolar e até casos de violência como bullying e envolvimento com gangues. “Que se considerem essas evidências na formulação de políticas públicas. Isso está bastante adiantado em alguns países”, afirma Karen.

Quais os principais recortes e achados do relatório?
Em relação à idade, grupos de 10 anos relataram níveis de desenvolvimento em quase todas as competências socioemocionais, exceto empatia e tolerância. Os estudantes de 15 anos têm uma queda no desenvolvimento de competências socioemocionais sendo que isso já é um pouco esperado por estarem entrando no período da adolescência. Há mais demandas escolares, do próprio processo de construção de identidade. Ter consciência dessas diferenças é também poder apoiar esses estudantes para que eles possam se desenvolver adequadamente e promover políticas públicas que os ajudem.

Que competências são mais abaladas na entrada para a adolescência?
Todas elas acabam sofrendo uma diminuição, sobretudo as competências mais sociais, mas também a autogestão, que trata da organização, responsabilidade, resiliência emocional.

Não é contraintuitivo um aluno de 10 anos ser mais responsável do que um de 15?
Temos que lembrar que essa pesquisa e muitas outras são feitas com base em autorrelato. É a percepção do estudante sobre a sua competência. Como um estudante mais jovem se percebe mais responsável do que um mais velho? Temos que lembrar que as demandas dele também são menos complexas. Para aquelas demandas ele se sente responsável.

Como esse ramo de pesquisa pode ajudar a formulação de política pública?
Ao priorizar quais competências seriam interessantes de serem trabalhadas, estimuladas, em determinada faixa etária. Há um exemplo em Sobral, onde foi aplicada a pesquisa. Ali, eles tiveram um desafio muito grande em relação à violência nos últimos anos. Partiu deles a ideia de mapear quais competências socioemocionais estavam mais relacionadas a indicadores de violência na região, que no caso eram as de amabilidade (empatia, confiança e respeito). O que eles verificaram, ao avaliar os resultados, foi que os níveis de desenvolvimento das competências de amabilidade aumentaram e os indicadores de violência tiveram uma queda, em relação a gangues, bullying, tanto dentro quanto fora da escola.

E os resultados por gênero?
As meninas de 15 anos de idade relatam maior nível de desenvolvimento de empatia, determinação e tolerância em relação aos meninos. Em todas as demais 12 competências os meninos se veem mais desenvolvidos. Outros estudos já apontaram que as meninas tendem a ter um nível de desenvolvimento das competências de resiliência emocional mais baixo que o dos meninos. Com relação à tolerância à frustração, tolerância ao estresse e à autoconfiança, elas se veem menos desenvolvidas que os meninos. A pressão sobre a imagem corporal nas meninas, por exemplo, é muito grande e essas cobranças e comparações são trazidas ainda mais para perto com as redes sociais.

O terceiro grande recorte é a diferença socioeconômica. Qual foi o resultado?
Estudantes de 15 anos de idade em desvantagem socioeconômica relataram menores níveis de desenvolvimento em competências de abertura ao novo (curiosidade, criatividade e tolerância) e de engajamento com os outros, que é assertividade e iniciativa social. Já os estudantes de 10 anos, em desvantagem socioeconômica, relataram menores níveis em quase todas as competências, em relação aos que não têm desvantagem.

Os formuladores de políticas, diretores de escolas, professores e pedagogos, tanto no Brasil quanto no exterior, priorizam essas competências ou ainda há um campo significativo para reformas e sugestões de políticas públicas?
Esse estudo vem muito como uma ferramenta de advocacy, de podermos advogar pelo tema, e mostrar aos formuladores de política pública. Para além dos recortes que a gente falou e da saúde mental, temos também as questões que relacionam as competências tanto ao desempenho escolar – em matemática, leitura e arte, por exemplo – quanto à prevenção ao absenteísmo, às faltas e aos atrasos escolares, problemas que são muito importantes para as redes de ensino. Que os formuladores considerem essas evidências na formulação de políticas públicas. Isso está bastante adiantado em alguns países.

Como o conteúdo dos livros escolares poderia contribuir para aprimorar essas habilidades?
Os livros didáticos podem auxiliar tanto o processo de letramento, quanto de autorreflexão sobre como os estudantes vêm mobilizando suas competências socioemocionais, de forma articulada ao conteúdo curricular, muitas vezes se valendo de exemplos, eventos históricos, entre outros, para realizar essa articulação. Além disso, os livros paradidáticos podem ser escolhidos de forma a propiciar discussões e debates sobre as competências socioemocionais em sala de aula, servindo muitas vezes como “ganchos” para que a temática seja trabalhada de forma intencional.

Como catástrofes naturais, como a que está acontecendo no Rio Grande do Sul, e outras crises impactam as competências socioemocionais dos estudantes? Que medidas podem ser tomadas para mitigar esses efeitos?
Situações de crise como essa geram um grande sentimento de insegurança, instabilidade e receio em relação ao futuro – tudo isso em meio ao luto, perdas de diferentes naturezas e incertezas. Resultados de uma pesquisa feita pelo Instituto Ayrton Senna com dados anteriores e posteriores à pandemia de COVID-19 mostraram quedas acentuadas nas competências de engajamento com os outros e abertura ao novo para todos os estudantes, independentemente de suas características socioeconômicas, ressalta-se. Nesses momentos os estudantes precisam de muito acolhimento, espaços de discussão e escuta, para que possam dar vazão aos seus sentimentos, dúvidas, anseios e encontrar apoio. A proximidade entre família e escola também é indispensável para que os estudantes possam ir aos poucos se readaptando, sendo cuidados e apoiados.

 

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