Falta de acesso à internet e formação dos professores travam a democratização digital nas escolas

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O Abrelivros em Pauta entrevistou o professor Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretário de Educação do município de Sud Mennucci/SP. Ele destacou a necessidade de inclusão digital de todas as regiões do país, a capacitação dos professores para atuar num mundo educacional de multirrecursos e a importância dos livros escolares e materiais didáticos para a educação dos brasileiros, inclusive durante a pandemia. Confira a entrevista do mês:

 

Abrelivros em Pauta – De que forma a Undime atua para ajudar a implementar políticas públicas em prol da democratização da educação no Brasil?  

Luiz MiguelA Undime articula e mobiliza dirigentes escolares na defesa da educação pública de qualidade. Fazemos a interlocução com o Parlamento, com a Câmara dos Deputados e o Senado, com os órgãos em geral; discutimos políticas públicas que são orientadas pelo Ministério da Educação; propomos questões relevantes a serem consideradas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); promovemos debates sobre propostas de políticas públicas e, também, identificamos problemas. No caso do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), por exemplo, discutimos as normas, regras e a importância para atender as diferenças e as diversidades encontradas em nosso país.  Nem sempre a Undime é ouvida, mas, de qualquer forma, cumprimos o papel de apontar as necessidades de todas as regiões.

 

Abrelivros em Pauta – Houve uma aceleração da adoção do ensino híbrido nos últimos dois anos de pandemia? Quais foram as principais dificuldades enfrentadas pela rede pública no período?

Luiz Miguel – No momento de pandemia não havia outro recurso para manter alguma forma de ensino na rede pública a não ser pelas atividades síncronas via internet. Naquele momento identificamos que as aulas ocorriam com o uso do material impresso, acompanhadas por orientações on-line dos professores, na maioria das vezes pelo aparelho celular.  O uso de plataformas digitais educacionais – ferramentas que possibilitam um ambiente de ensino on-line com todas as particularidades de uma sala de aula presencial – foi muito limitado, em virtude, principalmente, da ausência da infraestrutura tecnológica nas residências dos estudantes e, também, nas próprias escolas públicas, já que um grande número tem acesso restrito à internet. 

Outra dificuldade encontrada foi a da barreira cultural. Essa ressalva não vale somente para o Brasil. Em muitos países da Europa, altamente conectados, também, ocorreu algo semelhante, justamente, por não haver uma cultura de uso de plataformas digitais.

 

Abrelivros em Pauta – Qual é a tendência de implementação do ensino híbrido e uso de multirrecursos digitais em larga escala?

Luiz Miguel – Passado o período mais crítico da pandemia, observamos uma retomada das atividades presenciais e um distanciamento do uso das ferramentas tecnológicas. 

Temos observado um alto índice de alunos e professores mentalmente abalados, por conta do processo de estresse e ansiedade vivido nos últimos dois anos. O momento agora é de recuperação do tempo perdido. A pesquisa Sétima Onda, que realizamos com apoio do Unicef e Itaú Social, apontou, em abril deste ano, que diante dos impactos da pandemia na educação, a maioria das redes municipais está investindo em medidas para recomposição e recuperação de aprendizagens.

O uso de multiplataformas em larga escala na rede pública está distante e vai exigir uma preparação muito grande, tanto por conta da pouca infraestrutura como pela falta de preparo dos usuários. A implementação não será factível sem a adoção de políticas públicas pensadas para preparar professores, alunos e seus familiares. 

E, por isso, a Undime tem insistido muito na importância da implementação do Programa Inovação e Educação Conectada do Ministério da Educação, que visa a apoiar a universalização do acesso à internet de alta velocidade. A disparidade da infraestrutura no país é enorme e precisa ser, minimante, nivelada. Existem escolas, em especial nas regiões Norte e Nordeste do país, em que não chega energia elétrica, por exemplo, e há projetos em estudo para geração por placas fotovoltaicas. 

 

Abrelivros em Pauta – O edital do PNLD 2024 estabelece a compra de obras digitais com materiais enriquecidos. Como a Undime enxerga essa iniciativa?

Luiz MiguelO processo de escolarização tem diferentes fases e ritmos de aprendizado, principalmente, na alfabetização. O ensino da escrita manual e discursiva, por exemplo, é importante para o desenvolvimento cognitivo da criança. Por isso, acreditamos em processos de transição e não de exclusão. Enxergamos que as soluções digitais, que abrem um leque de possibilidades, serão complementares e não substitutas. A conectividade não é uma opção das famílias, e sim de uma condição social.  As novas tecnologias devem ser incorporadas, mas sempre visando a promover a redução da distância que separa os conectados dos não conectados, e não alargando ainda mais esse fosso. 

 

Abrelivros em Pauta – Qual o papel dos materiais didáticos, do livro escolar, no processo de ensino-aprendizagem?

Luiz MiguelOs materiais didáticos são fundamentais para a democratização ao direto de aprendizagem. O conteúdo oferecido para uma escola pública em um bairro de classe média/alta, por exemplo, pode ser o mesmo adotado por outras localizadas em áreas menos favorecidas e cidades mais pobres. A oferta de material-base ajuda a democratizar o ensino ao dar a mesma oportunidade de desenvolvimento. Contudo, o professor, também, precisa estar qualificado para usar o material. Caso contrário, não funciona. 

Enquanto política pública, o PNLD é essencial porque garante o direito do aluno, independentemente de qualquer ação das prefeituras ou rede estadual. Com isso, se tiver alguma gestão que não priorize a educação, o acesso ao livro didático mantido por um programa nacional é a certeza de que o aluno não ficará desassistido.

O programa deveria avançar, para além do livro didático, e garantir também o processo de formação continuada dos professores e a implementação de ferramentas de monitoramento de desenvolvimento por meio de avaliações. 

 

Abrelivros em Pauta – Quais são os principais desafios da formação dos professores?

Luiz MiguelA formação inicial oferecida pelas universidades e faculdades está aquém da necessidade e distante da prática. Eu, pessoalmente, defendo a ideia de que professor deveria ser formado em um curso integral, no qual ele tivesse um período dedicado para as discussões teóricas e outro para atuar na escola pública e recebesse uma bolsa-auxílio. Seria o projeto ideal de formação. Contudo, o que temos visto é a ampliação da oferta dos cursos de ensino a distância, com carga de prática e interação muito baixas. O problema não é o ensino a distância em si, mas a falta de vivência e de troca. 

É preciso ter um olhar muito sério para a formação inicial de professores. Estamos passando por um momento muito crítico. Grande parte dos docentes que compõem os quadros das escolas públicas é formada por pequenas instituições, que são engolidas por grandes estruturas empresariais concentradas em poucas mãos. Nesse contexto, a formação se transforma em uma venda por atacado.

Em relação à formação continuada, é muito importante que as redes municipais e estaduais, efetivamente, a executem. Hoje, a legislação já permite que a remuneração do professor seja composta por dois terços do tempo dedicado para práticas com alunos e o restante para reuniões pedagógicas e atividades de formação, que estejam alinhadas com material didático em uso, seja o livro ou sistema de ensino. Mais de 70% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes e suas estruturas são tão pequenas que não há como formar equipes. A ajuda das editoras, dos parceiros, do PNLD é fundamental.

 

Abrelivros em Pauta -Quais são as ações de fomento que a Undime realiza com objetivo de equalizar o acesso à internet nas escolas?

Luiz Miguel Realizamos um trabalho intenso para buscar conectividade, principalmente, no auge da pandemia. A iniciativa pautou a proposta do Projeto de Lei 3.477/2020, ou o PL de Conectividade. O PL previa um aporte financeiro vindo do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Hoje a luta é para que esse recurso tenha um tempo maior de utilização e que seja usado para equipar as escolas. A Undime tem negociado para que seja apresentado um novo projeto com esses ajustes. Também tentamos conversar com empresas privadas de telefonia celular para propor parceria, mas infelizmente não tivemos retorno.

 

Abrelivros em Pauta – Mas, afinal, quais são as perspectivas para ampliação do ensino híbrido e uso de novos recursos no Brasil?

Luiz MiguelO avanço depende primeiro da construção de uma política nacional forte e de incentivo, com recursos destinados para ela. Dentro dos programas deverão ser previstas ações com foco em infraestrutura para garantir que as escolas sejam equipadas e, também, para que os alunos recebam materiais com conectividade embutida. Além disso, é condicionante a preparação dos professores para o uso dos multirrecursos digitais. 

 

Abrelivros em Pauta – Nos últimos anos, houve uma migração de alunos das escolas particulares para as públicas. Como avalia o impacto dessa migração?

Luiz MiguelO impacto inicial é a necessidade de ter mais vagas para atender essa demanda. O segundo é de ordem de financiamento. A rede pública recebe agora pelos alunos matriculados no ano passado. Quando o censo escolar é fechado, é definido o valor do próximo ano. Em 2021, além do montante oriundo da rede privada, muitas matrículas ficaram represadas, seja de alunos que não tinham idade regulamentar para entrar ou daqueles que a família postergou a entrada por conta da pandemia. Isso significa que as redes municipais não receberam os recursos do Fundeb para os alunos entrantes e terão que financiá-los neste ano. Há que se considerar, ainda, questões relacionadas à adaptação dos estudantes no dia a dia da sala de aula. 

 

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