Expansão do ensino técnico não resolverá desafios do ensino médio

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A expansão do ensino técnico – demanda antiga dos estudantes brasileiros – se tornou promessa de governo da presidenta Dilma Rousseff e aposta de solução para aumentar a qualidade da pior etapa da educação, o ensino médio.


 

Para os especialistas, no entanto, o projeto apresentado nesta quinta-feira, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), não resolverá as demandas dos jovens brasileiros matriculados nessa fase. Eles lembram que os anseios dos adolescentes são múltiplos e temem que a ampliação da rede profissional anunciada pela presidenta reduza essa visão.

 

“A educação básica tem um problema crônico que precisa ser resolvido. Integrar o ensino técnico ao médio não vai solucioná-lo”, ressalta o professor aposentado da Universidade Federal Fluminense Gaudêncio Frigotto.

 

Estudioso dos temas que envolvem a educação profissional há mais de 20 anos, ele defende que os anseios da sociedade devem fazer parte dos projetos educacionais. Isso significa, segundo ele, diversificar as atividades oferecidas na escola. “Escola não é só laboratório. É cultura, sociabilidade, arte, música”, diz.

 

Francisco Cordão, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de educação (CNE), afirma que os investimentos na educação profissional não podem ser feitos de forma “isolada”. Para ele, o Pronatec, que  dará bolsas e financiamento a estudantes do ensino médio de escolas públicas e trabalhadores que buscam formação profissional, é uma boa iniciativa. Porém, os projetos pedagógicos dos cursos deverão estar integrados ao do ensino regular para ter eficácia.

 

O programa anunciado por Dilma pretende beneficiar 8 milhões de brasileiros em quatro anos. Além dos estudantes, trabalhadores e participantes de projetos de inclusão social, como o Bolsa Família, terão direito a bolsas de estudo ou financiamento de cursos, nos moldes do programa de financiamento estudantil para o ensino superior.

 

As vagas serão oferecidas na rede pública (federal e estaduais), em escolas privadas e pelo Sistema S – conjunto de entidades como o Senac, Sesc, Senai, SESI.

 

Assim como ocorreu com o Programa Universidade para Todos (Prouni) – que distribui bolsas de estudos em instituições privadas de ensino –, pesquisadores se preocupam com a parceria entre o governo e as instituições privadas. Para Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, há um risco de oferecer formação de má qualidade aos jovens em nome do aumento de vagas.

 

“Não se justifica comemorar só a expansão. A demanda dos jovens é a entrada no mundo do trabalho. Mas ela não é garantida só com o diploma. Depende da qualidade da formação”, ressalta.

 

Cara reconhece que o Sistema S, principal parceiro do governo no projeto, oferece cursos de qualidade, mas lembra que eles não serão os únicos parceiros.

“E não há um controle social sobre a oferta de bolsas de estudo da entidade, que já recebe muitos recursos públicos”, critica. Frigotto teme também que o governo financie vagas que terminem não sendo preenchidas por estudantes.

 

“Se os empresários não valorizarem as carreiras, com bons salários, por exemplo, os jovens vão continuar querendo seguir outros caminhos”, ressalta.

 

Reinserção social – Uma das frentes previstas no projeto de lei que cria o Pronatec e que será avaliado pelo Congresso Nacional é a concessão de bolsas de estudo a participantes de programas de inclusão. É o caso, por exemplo, dos pais dos estudantes beneficiados pelo Bolsa Família.

 

Os critérios de distribuição não são claros, mas a proposta é qualificar esses trabalhadores. Com isso, além de reinseri-los no mercado de trabalho, haveria um ganho educacional. Estudos mostram que a influência de pais escolarizados contribui para o aprendizado das crianças.

 

“A ampliação da rede técnica é um esforço positivo, mas há desafios enormes a cumprir ainda, como aumentar os investimentos em educação. Com a interiorização das escolas técnicas, por exemplo, muitas unidades ainda não possuem professores”, diz.

 

 

Educação profissional precisa acompanhar o dinamismo do mercado, diz diretor do Sistema Indústria
Portal UOL Educação – Amanda Cieglinski

 

A formação dos jovens que serão atendidos pelo Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) precisará atender às demandas do mercado, que são dinâmicas.Essa é a avaliação do diretor de Educação e Tecnologia do Sistema Indústria e diretor de Operações da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Rafael Lucchesi.

 

O Pronatec foi lançado nessa semana pela presidenta Dilma Rousseff com a meta de capacitar jovens do ensino médio e trabalhadores para atender às demandas do mercado. Novas escolas técnicas nas redes federal e estadual e bolsas de estudo em instituições privadas são algumas das estratégias para alcançar 8 milhões de vagas até 2014.

 

O Sistema S (Sesi, Senai, Sesc e Senac) será um dos parceiros do programa. Hoje responsável por boa parte da oferta de cursos técnicos e profissionalizantes do país, o sistema deverá ampliar a sua rede e aumentar o número de vagas gratuitas. Também deverá receber boa parte dos alunos do ensino médio beneficiados com a bolsa formação.

 

“A atuação dos Senais é absolutamente focada na demanda. O Senai tem um histórico de atendimento e inclusive vem fazendo esse trabalho de observatório e perspectivas de mercado. É necessário atender às mudanças tecnológicas de cada área pensando previamente quais os novos requisitos formativos da força de trabalho”, aponta Lucchesi. Alguns setores têm maior carência de mão de obra, como a construção civil.

 

“Cada setor tem problemas específicos. No caso da construção civil, o número de funcionários praticamente dobrou nos últimos anos, foi uma enorme expansão e o ritmo deve continuar crescendo com as obras do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], do Minha Casa, Minha Vida, da Copa e das Olimpíadas”, observa.

 

De acordo com Lucchesi, o ideal seria que toda a rede de formação envolvida no Pronatec, e não apenas o Sistema S, tivesse a capacidade de acompanhar as necessidades que o mercado aponta. “As escolas técnicas [federais e estaduais] têm baixa capacidade de mudança no tempo. Se as estruturas formativas dos institutos federais fossem mais flexíveis, seriam melhores”, avalia.

 

Outra ação prevista no programa é a extensão do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para cursos técnicos, com a possibilidade de que os empresários possam custear a qualificação de seus funcionários. Lucchesi avalia que essa medida terá forte aceitação pelo setor já que, hoje, muitas empresas bancam cursos de aperfeiçoamento para seus empregados, inclusive no Sistema S. A vantagem do Fies é oferecer uma condição melhor de financiamento com juros de 3,4% ao ano.

 

“As condições são vantajosas e as empresas já gastam parte do seu faturamento com formação, com o Fies Técnico elas podem deslocar uma parcela do seu gasto próprio para um custo de oportunidade”, avalia Lucchesi.

 

 
Defasagem idade-série atinge metade dos alunos e provoca abandono; situação no ensino médio é pior
O Globo – Demétrio Weber e Carolina Benevides
 
O vendedor Yohann Moura parou de estudar no ano passado, ainda na 1 série do ensino médio. Aos 19 anos, ele é o retrato de um dos desafios da educação brasileira: reduzir a repetência e a evasão, garantindo que mais jovens concluam o ciclo básico.

 

Num país onde quase todas as crianças têm acesso à escola, menos da metade consegue, na idade prevista, terminar os ensinos fundamental e médio. A última Pnad (2009), do IBGE, revela o abismo que se cria nas salas de aulas.

 

De cada cem crianças na faixa de 7 anos, 98 frequentavam a escola. Mas, quando se olha para os jovens de 15 anos – idade em que todos já poderiam ter concluído o ensino fundamental – só 47% chegaram lá. Ou seja, a maioria que consegue terminar o ciclo, o faz acima da idade prevista. No caso do ensino médio, é ainda pior: apenas 37% da população de 18 anos tinha o certificado de conclusão.

 

O matemático e consultor em educação Ruben Klein tabulou os microdados da Pnad. Aos 16 anos, 63% dos brasileiros haviam completado a 8.ª série; aos 18 anos, 75%. Mesmo aos 20 anos, só 79,2% tinham terminado o ensino fundamental. Ou seja, um quinto dos jovens nessa faixa etária (20,8%) não havia concluído o fundamental. – É por isso que eu digo que o ensino fundamental não está universalizado – afirma Klein.

 

Desde 1999, mais de 95% das crianças de 7 anos estão matriculadas na escola. Esse índice chegou a 97%, em 2004, e, desde 2008, está em 98%. O afunilamento à medida que os anos passam é resultado da repetência e da evasão, que já foi maior.

 

Em 2009, 14,8% dos alunos de ensino fundamental não passaram à série seguinte, por causa de reprovação e abandono – nada menos do que 4,6 milhões de estudantes. A realidade foi pior no ensino médio: 24,1% dos jovens (1,9 milhão).

O desafio dos educadores é tornar a escola atrativa – Não é à toa que, mesmo entre os jovens de 19 anos, somente 50,2% tinham concluído o nível médio, em 2009. Na faixa dos 20 anos, só 55%.

 

O levantamento de Ruben Klein mostra que esse índice estava em 35%, em 2001. O vendedor Yohann trabalha numa loja de móveis, em Nova Iguaçu. Ele conta que repetiu a 6 e a 7 séries. E reclama que os conteúdos não tinham relação com o seu dia a dia:

 

– Sei que estudar é importante, às vezes penso em voltar, mas a verdade é que não tenho mais ânimo. Depois que comecei a trabalhar, passei a depender do dinheiro. Nunca tive muito interesse em fazer faculdade, não consigo focar nisso e a escola não me ensinava o que eu queria.

 

A presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Maria Nilene Badeca da Costa, diz que o déficit de aprendizagem nas séries iniciais leva ao abandono. Para ela, que é secretária de Educação de Mato Grosso do Sul, a prioridade é manter os alunos na escola:

 

– Nosso desafio, como educadores, é tornar a escola atrativa – afirma. O professor da Faculdade de Educação da Universidade de São  Paulo (USP) Romualdo Portela de Oliveira diz que o atraso escolar está ligado à cultura da repetência  problema que já foi mais grave. Além do gargalo no fluxo escolar, ele diz que é preciso melhorar a qualidade do ensino e o nível de aprendizagem dos alunos. – Está melhorando, mas não está bom – diz Romualdo.

 

A secretária municipal de Educação do Rio, Claudia Costin, diz que a defasagem idade-série contribui muito para que os estudantes decidam sair da escola. Para ela, fazer parte de uma turma com o qual não se identifica e aprender conteúdos sem a linguagem apropriada à respectiva faixa etária deixa qualquer estudante infeliz:

– Quando o aluno sente que não está aprendendo, quando não percebe aquele conhecimento como útil para a sua vida, ele sai – diz.

 

A secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar, admite que a distorção idade-série é um problema. Mas afirma que a situação está melhorando. Ela observa que, para o MEC, a idade de referência para a conclusão do ensino médio é 19 anos – faixa em que 50,2% dos jovens tinham terminado essa etapa, em 2009. Em 2010, teve início um projeto do MEC, em parceria com a iniciativa privada, para capacitar professores em quase mil municípios.

 

O foco é combater o atraso escolar. – Está melhorando. O Brasil é considerado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) um dos três países que mais melhoraram, junto com Luxemburgo e Chile – afirma Maria do Pilar.

 

 

 

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