Estudo derruba mito de que o jovem é folgado

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A maioria dos jovens brasileiros (80%) estuda, trabalha ou se ocupa de ambas atividades. Esta é uma das principais surpresas do inédito Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ), que a Unesco divulga hoje. O estudo derruba o preconceito de que jovem não quer trabalhar e não gosta de estudar, informa o coordenador do novo relatório da Unesco, Julio Jacobo Waiselfisz. O IDJ também contesta outro mito, o de que violência é produto da pobreza. Ela é resultado da desigualdade. Estados onde acesso à escola é garantido e renda familiar é elevada registram altas taxas de mortalidade por acidente de carro, crime e suicídio. São Paulo, por exemplo, tem a segunda menor taxa de analfabetismo e a renda familiar per capita dos jovens é a segunda maior do País. O Estado, porém, aparece em 23.º lugar em mortes violentas. O Distrito Federal, com o maior número de alunos cursando a série adequada à idade e melhor renda, está em 22.ª colocação em homicídio e mortes em acidentes.  

O Rio é o campeão em mortes violentas. O narcotráfico, que domina o Estado, explica em parte o resultado de 128,5 mortes em cada grupo de 100 mil jovens. Mas São Paulo e Distrito Federal, que não têm problemas tão sérios com o tráfico de drogas, aparecem, respectivamente, com uma proporção de 111,6 e de 108,4 em cada grupo de 100 mil jovens. Na maioria, mortes por motivos banais que envolvem parentes, amigos ou conhecidos.

Renda e violência – O pesquisador recomenda aos políticos que revisem discurso de que eliminar a pobreza automaticamente acabará com a violência. Se fosse simplesmente pela pobreza em si, continua, os africanos seriam os mais violentos do planeta. Na opinião do pesquisador, a origem da violência está na concentração de renda. “O problema é a pobreza dentro da riqueza.“ As diferenças são visíveis e a falta de acesso aos mesmos recursos gera violência. O Brasil é um dos cinco países com maior concentração de renda no mundo, conforme o último Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas.

Para Waiselfisz, a educação é fundamental para melhorar a distribuição de renda. Em média, um jovem com 15 anos de estudo tem renda cinco vezes maior do que outro que só fez a 1.ª série. A pesquisa da Unesco constatou também que enquanto 46% dos analfabetos estão empregados, o porcentual sobe para 81,3% entre aqueles com curso superior.

O número de matrículas na escola é praticamente universal entre 7 e 14 anos. Porém, cai bastante entre a população de 15 a 24 anos. De cada 100 jovens nesta faixa etária, apenas 48,6 freqüentam salas de aula. O índice é considerado bom por Waiselfisz, mas quando se observa detidamente os números o resultado é preocupante. Existem 1,5 milhão de jovens analfabetos e são enormes os desequilíbrios educacionais entre os Estados. Entre os jovens matriculados, apenas 29,2% estão em série adequada à idade. Mas quanto mais pobre o Estado, maior é a defasagem escolar. E a cor da pele também faz diferença: 36,6% dos brancos estão cursando a série compatível com a idade; entre negros e pardos, o porcentual cai para 21,3%.  

Em Alagoas, onde a qualidade de vida do jovem é a mais baixa de todo o Brasil, 15,4% dos jovens são analfabetos e apenas 16,2% , matriculados em série adequada à idade. Já Santa Catarina, que oferece a melhor qualidade de vida aos jovens, tem taxa de analfabetismo de 1% e escolarização adequada atinge 36,3% dos alunos. Para exemplificar a diferença da qualidade do ensino no Brasil, pesquisadores da Unesco consideraram resultados do Sistema Nacional de Educação Básica (Saeb) de 2001. Com base nesses dados, incluíram no relatório do IDJ a informação de que “jovens da 3.ª série do ensino médio do Tocantins, de Roraima e do Amazonas apresentam menor domínio do idioma do que os jovens do Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul ou Minas“. O atraso educacional compromete o acesso ao mercado de trabalho, a uma renda digna e à saúde. “São os jovens pobres, negros, que não têm acesso ao estudo e por isso não têm condição de trabalhar. Ao ser negado o acesso legítimo, é muito provável que descambem para o lado ilegítimo“, alerta Waiselfisz. Ele está convencido de que a educação é o melhor investimento para melhorar as condições sociais da população e eliminar as desigualdades. “É um dos poucos bens que não se destrói com o consumo e não é transmissível.“ 
 
Quem pára de estudar, logo se arrepende  

Quem, por um motivo ou por outro, teve de parar de estudar não demora muito a se arrepender. No Rio, Edílson da Silva Carvalho, de 19 anos, jura que largou os estudos por influência dos amigos, há três anos, quando estava no 2.º ano do ensino médio. “Você sabe como é quando a gente é novo. Todo mundo chama para sair, matar aula, e você vai. Acaba se acostumando a faltar. A galera foi parando de estudar, e eu parei também“, diz ele. Após deixar a escola, Edílson trabalhou em vários empregos, o último como motoboy. Hoje, aos 22 anos, desempregado, se arrepende. “Parei porque estava na fase de zoar um pouco. Dei mole. Agora, quero voltar a estudar e entrar na faculdade“, afirma o rapaz, que pretende ser fisioterapeuta. “Foi burrice minha. Já era para eu ter acabado (o ensino médio) há muito tempo e estar em um trabalho bom“, reconhece. Mas, para quem conclui o ensino médio, o grande problema não é entrar na faculdade, mas arrumar um emprego que permita pagar as mensalidades.

Tiago Sanches Lima, de 19 anos, cursa o 3.º ano do nível médio em uma escola pública, no período noturno, e trabalha em uma loja de um shopping center de São Paulo durante o dia. O estudante conta que nunca conheceu o pai, mora com o avô, um tio e a mãe. “Ela tem apenas o nível fundamental, trabalha em uma confecção e vive falando que a pessoa sem estudo não é nada.“ Ele pretende cursar Administração de Empresas ou Computação Gráfica e conta com a promessa da mãe e do tio de ajudá-lo a bancar as despesas do curso superior.  

Sustento – Camila Rodrigues dos Santos, de 22 anos, também trabalha no comércio, numa indicação que esse segmento continua sendo uma das portas de entrada dos jovens no mercado de trabalho. Mas, para conseguir o emprego, ela teve de parar de estudar porque não foi possível compatibilizar o horário das duas obrigações. Assim, largou o curso técnico de informática no terceiro ano. Camila conta que está cada vez mais difícil voltar a estudar, pois o pai sofreu um acidente, está afastado do trabalho, e há três meses é ela quem banca as despesas da casa. Mas não perde a esperança de, no futuro, passar no vestibular para estudar fisioterapia.  

Adriano Brasílio Leite, de 18 anos, também estudou até o nível médio em escola pública e agora cursa o primeiro ano de Jornalismo em uma faculdade particular, no período noturno. Ele trabalha em uma loja, mas, como ganha pouco, precisa da ajuda dos pais para pagar a faculdade. “Meus pais estudaram até o nível médio, mas querem que eu chegue mais longe.“ Júnior Martins Vilela, de 20 anos, estudou em uma escola particular na cidade de São José dos Campos até a conclusão do nível médio, há quatro anos. E parou por aí. Logo em seguida, a família veio morar em São Paulo. Júnior diz que não trabalha nem estuda atualmente porque está “prestando o serviço militar“. Essa obrigação termina em maio e, se quiser estudar, diz, “primeiro terei de arranjar um emprego“. O que não vai ser fácil. Vitor Rodrigues Sala, de 18 anos, concluiu o ensino médio há um ano em uma escola pública. Tem procurado emprego, mas não encontra. “Sem emprego não tenho como pagar uma faculdade.“ A mãe é professora particular de português e massagista, o pai trabalha em uma empresa de telemarketing, mas o que os dois ganham não é suficiente para bancar as despesas da casa, que é alugada, e ainda pagar a faculdade dos dois filhos. Sala tem um irmão que está desempregado e também parou de estudar quando concluiu o nível médio. (Cássia Carolinda e Rodrigo Morais) 
 
Brasil é o primeiro país a ter índice desenvolvido pela Unesco 

BRASÍLIA – O Brasil é o primeiro País a ter um Índice de Desenvolvimento da Juventude (IDJ) para medir especificamente a qualidade de vida dos jovens de 15 a 24 anos. O IDJ foi criado pelo escritório brasileiro da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), inspirado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que as Nações Unidas calculam para um conjunto de países. O idealizador do novo índice, Julio Jacobo Waiselfisz, diz que o IDJ  pretende identificar os problemas enfrentados pelos jovens. Por isso, não se restringiu ao número de matrículas de jovens nos ensinos fundamental, médio e superior, mas considerou também se os alunos cursam a série adequada à idade.  

O IDJ é resultado de três índices parciais (saúde, educação e renda). A Unesco cruzou seis indicadores oficiais do governo brasileiro: taxa de analfabetismo, escolarização adequada, qualidade do ensino, mortes por doença, mortes por   causas violentas e renda familiar per capita, levantados pela Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad), pelo Sistema Nacional de Educação Básica (Saeb) e pelo Ministério da Saúde. A princípio, o IDJ será calculado a cada dois anos no Brasil. O IDJ classifica de 0 a 1 – da pior para a melhor situação – os Estados e o Distrito Federal. Mesmo sendo o campeão em qualidade de vida, Santa Catarina ganhou o índice 0,673. Alagoas, o pior lugar para os jovens, teve 0,337. 
 

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