Esqueceram-se dos livros

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Estudo do MEC mostra que apenas 26% das instituições de ensino fundamental no país mantêm acervo com obras literárias à disposição dos alunos. Na maioria das escolas, biblioteca é artigo de luxo  
 
 
As estantes que abrigam os livros foram compradas com dinheiro do bolso de uma professora. As seis mesas com 36 cadeiras que os estudantes usam para ler foram adquiridas graças à venda de pipoca e sorvete. Quase todos os livros que compõem o acervo foram doação. Foi nessas condições que o Centro de Ensino Médio 1, em Sobradinho, conseguiu montar uma biblioteca ampla para atender 3,3 mil alunos do ensino médio. A escola do Distrito Federal é exceção na realidade brasileira. Na maioria dos estabelecimentos de ensino do país, biblioteca é artigo de luxo. O mais recente levantamento do Ministério da Educação (MEC) mostra que apenas 26% das escolas de ensino fundamental de todo o Brasil têm espaço físico com acervo de livros de literatura à disposição dos alunos. O universo de escolas sem biblioteca chega a 134 mil em todo o país. A carência se dá exatamente numa etapa em que estão nada menos do que 35,3 milhões de alunos matriculados.  
 
Há 46,9 mil escolas com biblioteca no Brasil, mas em quase todas o acervo é mal aproveitado. Seis auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no ano passado encontraram centenas de escolas com bibliotecas. ‘‘Mas é como se não tivesse’’, descreveram os técnicos do TCU. Na Escola de Ensino Fundamental Carlos Aguiar, em Humaitá (AM), por exemplo, o acesso dos alunos aos livros é raro. Ocorre eventualmente quando o professor passa trabalho de pesquisa. Na Escola Oliveira Belo, em Ribeirão Preto (SP), há centenas de livros didáticos e paradidáticos, mas não existe espaço físico adequado para guardá-los. Há casos em que os livros para consulta ficam trancados na sala da diretora para os alunos não estragá-los.  
 
Didática ultrapassada  
 
Os auditores do TCU fiscalizaram o Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE), do governo federal. Em dois anos, foram investidos R$ 50 milhões na aquisição de livros destinados a 130 mil escolas para atender 16,6 milhões de alunos da primeira a quarta série do ensino fundamental. O programa distribuiu 123 títulos na primeira etapa, somando um total de 4,2 milhões de livros. Na segunda fase, foram entregues 109 títulos de obras literárias para todos os estudantes.  
 
Os técnicos do TCU descobriram que em muitas escolas a utilização dos livros pelos alunos ocorre de forma equivocada. No interior do Rio de Janeiro, há escolas onde os alunos são obrigados a ler textos em voz alta. O estudante escolhido pela professora inicia a leitura e pára, de repente. O colega continua até que a professora escolha o próximo. Essa prática era comum em sala de aula nos anos 80 e todas as correntes de pedagogos condenam. ‘‘Isso faz com que as crianças acompanhem a leitura sem se concentrarem no significado do texto por receio de não saberem onde começar caso sejam chamados para ler’’, descreveram os auditores. Na Escola de Ensino Fundamental Juscelino Kubitschek, em Planaltina (DF), biblioteca é local de castigo. Os estudantes Douglas Hiago, 11 anos, e Paulo Ricardo Santos, 12, ambos da segunda série, cumpriam uma maratona de leitura na quinta-feira passada por terem brigado na sala de aula. A professora deles havia chamado os pais dos dois alunos para uma conversa. Como não compareceram, os estudantes foram retirados da sala de aula e mandados para a biblioteca como punição. ‘‘Estou pesquisando sobre a abolição da escravatura’’, disse Paulo. Já Douglas, estudava a construção de Brasília.  
 
Sobradinho dá exemplo  
 
Sem funcionário fixo, a biblioteca da Juscelino Kubitschek só abre às terças e às quintas. Tem cerca de 800 livros no acervo, mas a maioria é obra didática. ‘‘O ideal é abrir todos os dias. Mas não tem funcionário disponível. A gente faz um rodízio com os professores’’, conta o coordenadora Glauciane Rocha. ‘‘No ano passado, a gente abria todos os dias e em todos os turnos’’, conta. No Centro de Ensino Médio 1, em Sobradinho, onde a biblioteca foi montada praticamente com esforço dos funcionários, a história é outra. Com dinheiro de venda de pipocas, foram adquiridos várias obras e dicionários. Há livros de literatura que são disputados pelos alunos por conta do Programa de Avaliação Seriada (PAS), processo seletivo que leva estudantes à universidade sem passar pelo crivo do vestibular. A biblioteca empresta obras por dez dias. ‘‘Aqui a gente tem assinatura de jornais e revistas. Os alunos pesquisam e o espaço vive cheio’’, diz a professora responsável pelo espaço, Gislene Barreto Alberton. De fevereiro até a semana passada, a biblioteca recebeu 3,2 mil estudantes.  
 
74% das 180 mil escolas de ensino fundamental do país não têm biblioteca para os alunos    
24 milhões de estudantes não têm acesso a livros de literatura. Lêem apenas livros didáticos    
44 milhões é a previsão de investimentos do MEC na compra de livros para bibliotecas neste ano   
Leitura é fundamental  
 
Na escola Centro de Ensino Fundamental Condomínio Estância 3, em Planaltina (DP), os 2,2 mil alunos têm que marcar hora caso queiram visitar a biblioteca, chamada Menino Maluquinho. O espaço fica fechado quase todos os dias porque não há funcionário em tempo integral trabalhando no local. O acervo é modesto: 200 livros de literatura. Os alunos de 5ªa 6ªséries podem levá-los para ler em casa. ‘‘Mas é difícil a gente encontrá-la com as portas abertas’’, queixa-se a estudante Leila Aline Pereira, 11 anos, da 6ªsérie. De acordo com o horário afixado na porta, o espaço fica aberto duas vezes na semana pela manhã, duas à tarde e uma à noite. Mas nem sempre esse horário é respeitado. ‘‘O ideal é que houvesse um funcionário todos os dias na biblioteca’’, reconhece Nice Albuquerque, professora e coordenadora da escola. O pedagogo Leonardo Bauer, da Universidade de São Paulo, ressalta que a literatura é fundamental para dar ao aluno a capacidade de entender um comando de questão. ‘‘Livros são os melhores instrumentos disponíveis para combater o analfabetismo funcional’’, destaca. ‘‘Há uma infinidade de estudantes que lêem, mas não compreendem o que está escrito.’’  

Apesar da falta de estrutura das escolas, o Ministério da Educação vai continuar investindo em aquisição de livros. A diretora do Departamento de Política de Educação Fundamental do MEC, Lúcia Helena Lodi, anuncia que serão distribuídos livros de literatura para todos os alunos da 4ª e 8ª séries.  

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