A melhor forma de prever o futuro é criá-lo. Esta foi a reflexão que conduziu os trabalhos do encontro “Os 15 desafios do milênio – Um diálogo sobre o futuro do Brasil e do mundo”, realizado na quarta-feira (17/3), em São Paulo.
O evento, promovido pelo Núcleo de Estudos do Futuro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pela Universidade das Nações Unidas, reuniu futuristas do Projeto Millenium, organização criada em 1996 que conta com cerca de 1,5 mil pesquisadores, executivos e políticos de mais de 50 países.
Foi a primeira vez que uma reunião do projeto foi realizada fora dos Estados Unidos, onde ocorrem duas vezes ao ano. Além de abordar os principais desafios globais, o evento mostrou os resultados do Índice do Estado do Futuro, criado para quantificar o progresso relacionado a 15 desafios globais, além de avaliar se as perspectivas para o futuro do mundo estão melhores ou piores do que em outros momentos.
De acordo com o índice, a perspectiva para o futuro, de modo geral, está melhorando. Os ganhos estão no desenvolvimento, em países de baixa renda, em itens como o acesso à água potável, alfabetização, alimentação e serviços básicos de saúde, além da diminuição da taxa de mortalidade infantil.
Entre os pontos negativos, estão as pioras em indicadores como o aumento da emissão de carbono, a perda de áreas florestais, a dívida dos países em desenvolvimento e o aumento da população desempregada. As conclusões do relatório foram apresentadas pelo norte-americano Jerome Glenn, diretor global do Projeto Millenium e representante da Universidade das Nações Unidas.
Em relação ao futuro da ciência e tecnologia, alguns cenários foram traçados para os próximos 25 anos. Os futuristas acreditam que, entre outras coisas, as organizações que cumprem papel regulador não terão mais competência para acompanhar o ritmo acelerado dos avanços do setor.
Outro desafio, segundo os palestrantes, segue o princípio da melhoria da condição humana por meio da inovação tecnológica. Glenn citou como exemplo os avanços da inclusão digital ao redor do mundo. “Em 1995, para cada pessoa conectada à internet no terceiro mundo havia 40 ligadas à rede no primeiro mundo. Hoje, a diferença digital está em 1 para 4. Considerando que a internet é uma ferramenta de inteligência global, podemos dizer que as diferenças em tecnologia da informação entre o primeiro e o terceiro mundo tendem a desaparecer”, disse.
O fundador do Projeto Millenium, o também norte-americano Theodore Gordon, alertou que os cientistas devem explicitar, no início de suas pesquisas, possíveis conseqüências não intencionadas, de modo que sejam desenvolvidas estratégias para enfrentar esses riscos.
Os 15 desafios globais do Projeto Millenium:
1. Desenvolvimento sustentável: como podemos alcançá-lo?
A interdependência do crescimento econômico e da tecnologia tem sido a mais importante força de mudança nos últimos 200 anos, mas, a menos que haja uma evolução em nosso comportamento, poderemos ter dois séculos ainda piores à frente.
2. Água: como todos podem ter acesso a ela sem conflitos?
Mais de 1 bilhão de pessoas não têm água para beber e 80% de todas as enfermidades que aparecem nos países subdesenvolvidos são causadas pela água.
3. População e recursos: como podem estar em equilíbrio?
Apesar das taxas de crescimento populacional começarem a cair, os atuais 6 bilhoes de habitantes poderão chegar a 9 bilhões por volta do ano 2050 e 98% desse crescimento vai acontecer nas regiões mais pobres.
4. Democratização: como a verdadeira democracia poderá emergir do autoritarismo?
Pela primeira vez na história, temos mais pessoas vivendo em regimes democráticos do que em regimes autoritários, o que indica uma grande evolução do planeta e fortalece os caminhos de paz. Mas o caminho para a transição democrática ainda pode ser muito longo e, nesse percurso, muitas pessoas podem sofrer grandes danos.
5. Perspectivas globais de longo prazo: como elas podem passar a nortear a criação de políticas mundiais?
A complexidade, mudanças aceleradas e a globalização estão estimulando a atenção para as possibilidades do futuro. Infelizmente, ainda são muitas as lideranças políticas que não ultrapassam os interesses imediatos por questões de poder.
6. A globalização da tecnologia da informação: como a globalização e as convergentes tecnologias da informação e da comunicação poderão trabalhar para o bem comum?
A internet cresceu mais rápido que qualquer outro fenômeno da história. Aproximadamente 2 trilhões de dólares são movimentados ao redor do mundo a cada dia. Dentro de 6 anos, um bilhão de pessoas poderão estar conectadas no sistema planetário, fazendo do ciberespaço um meio civilizatório sem precedentes.
7. A distância entre ricos e pobres: como as economias de mercado norteadas por uma ética social poderão ser encorajadas a reduzir as diferenças entre ricos e pobres?
Desde os anos 60, a expectativa de vida nos países em desenvolvimento cresceu de 46 para 64 anos, o índice de mortalidade infantil foi reduzido pela metade, a proporção de crianças nas escolas primárias cresceu 80% e o acesso à água potável e à sanitização dobrou. Entretanto, 2 bilhões de pessoas vivem apenas com um a dois dólares por dia. Embora tenha ocorido algum progresso em algumas regiões da China e da Índia, a renda per capita tem caído vertiginosamente nos últimos 30 anos na maioria dos países pobres. O abismo social entre ricos e pobres tem se ampliado mesmo em países tidos como ricos.
8. Doenças: como reduzir a ameaça de novas doenças e de microorganismos infecciosos?
Doenças infecciosas são a causa de 30% das mortes no mundo. Grande progresso tem sido observado na luta contra essa condição, mas esse progresso tem levado as pessoas a visualizarem um falso estado de segurança. Nos últimos 20 anos, mais de 30 novas doenças, altamente infecciosas, foram identificadas, como febres hemorrágicas causadas pelo vírus ebola e a aids. Para muitas delas ainda não existe tratamento, cura ou vacina.
9. Capacidade de decisão: como pode ser aprimorada à medida em que mudam as instituições e a natureza do trabalho?
Muitas pessoas acreditam que é possível traçar o futuro antes de se planejar para ele. O futuro é uma simples extrapolação linear do presente ou produto do destino e do acaso. A complexidade crescente que tem norteado o planeta requer muita informação para uma boa tomada de decisões, de ações efetivas e resultados rápidos.
10. Paz e conflito: como novos valores e estratégias de segurança podem reduzir os conflitos étnicos, o terrorismo e o uso de armamentos com poder de destruição massiva?
O poder destrutivo do terrorismo está crescendo e se espalhando, sendo difícil preveni-lo. A severidade dos conflitos religiosos, étnicos e raciais também estão aumentando, assim como o numero de países poderosamente armados. Armas químicas, biológicas são baratas e fáceis de usar. Ao mesmo tempo, estratégias para a paz mundial e pela segurança do planeta têm florescido, através de esforços globais, que têm se multiplicado, estimulado o respeito pela diversidade e pelos valores éticos.
11. Mulheres: como a mudança no status social da mulher pode ajudar a melhorar a condição humana?
Alfabetização crescente, diminuição da mortalidade infantil, contraceptivos mais eficazes e acessíveis, programas eficazes de planejamento familiar, movimentos de mulheres e o uso da internet tem possibilitado cada vez mais a participação da mulher na economia e na sociedade. Quando o status da mulher se fortalece, as taxas de natalidade caem e se assistem avanços sociais. Mulheres educadas tendem a criar filhos mais saudáveis e contribuem melhor para a força do trabalho. Nos últimos 20 anos, as mulheres dos países em desenvolvimento avançaram duas vezes à frente dos homens nos programas de alfabetização e na participação escolar. Melhorar a condição de vida da mulher pode ser a melhor estratégia para solucionar os maiores problemas do mundo nesse terceiro milênio.
12. Crime transnacional: como evitar que o crime organizado se torne o mais poderoso e sofisticado empreendimento global?
É a industria que tem crescido mais rapidamente no mundo, com um lucro estimado de 500 bilhões de dólares por ano. Uma rede internacional de cartéis de narcotráfico e agentes criminais de diversos países têm reunido imensas somas de dinheiro através da comercialização ilegal das drogas e de outros atos ilícitos, favorecendo a aquisição de conhecimento e tecnologia que geram ainda mais lucros, criando uma poderosa força global.
13. Energia: como a demanda crescente de energia pode ser atendida de forma segura e eficiente?
O consumo da energia no mundo irá crescer mais de 50% nos próximos 20 anos. Mais de 300 usinas nucleares deverão ser desativadas nos próximos 15 anos. Como resultado, serão necessários mais recursos, não somente para atender à demanda crescente como também para compensar a produção paralisada pelo fechamento das usinas nucleares. Combustíveis fósseis poderiam suprir essa deficiência, mas a um custo ambiental inaceitável. Recursos alternativos como células fotovoltaicas, energia solar, entre outros, não estão progredindo o suficiente para atender à demanda.
14. Ciência e Tecnologia: como as inovações científicas e tecnológicas podem ser aceleradas para melhorar a condição humana?
A velocidade dos avanços científicos e das aplicações tecnológicas estão mudando rapidamente a condição humana, alcançando novas fronteiras como a nanotecnologia, a biotecnologia, a ciência cognitiva, a inteligência artificial e as ciências espaciais.
15. Ética global: como as considerações globais podem ser incorporadas no cotidiano das decisões globais?
Os países terão permissão para poluir em nome do desenvolvimento econômico? Como os direitos à água de um país equilibram-se com as necessidades do outro? Essas questões tão complexas envolvem conflitos de interesse, norteiam-se por metas políticas e desafiam o mundo. Diálogos inter-religiosos, grupos de pensadores, comissões multilaterais estão propondo uma ética global. Um conjunto de valores universais ou morais de todas as religiões pode não ser suficiente para deter esse tipo de comportamento.