Escola é base para apoio à ciência e combate à desinformação

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No município de Paulista, em Recife (PE), existe uma escola chamada Educandário Municipal Cônego Costa Carvalho. Um colégio que atende estudantes da educação infantil até o fim do ensino fundamental. Nele, existe um professor de língua portuguesa chamado Glaucio Ramos, que já atua na educação há 16 anos.

Todas essas informações são verdadeiras e facilmente verificáveis. Diferente, por exemplo, de muitas outras que aparecem pela internet, como aquelas que afirmam que a Terra não é redonda ou as que dizem que vacinas, diferente do que é propagado, colocam a saúde da população em risco.

O professor Glaucio, do Educandário Municipal Cônego Costa Carvalho, que fica em Pernambuco, que existe, preocupado em como poderia ensinar seus alunos a entender esse fenômeno da desinformação, criou o “Fuja da Fake, foque no Fato”. O projeto realizado com estudantes do oitavo ano utiliza de notícias como base para reflexão e aprendizado a respeito das ditas fake news. Como elas surgem? Como isso impacta a vida dos alunos?

Vacinas, ciência, pesquisa. Esses temas passaram a ser comuns no noticiário e são motivos de debates constantes nas redes sociais. Seja para defender, seja para atacar. E as redes, por outro lado, são parte constante do cotidiano dos alunos, onde a maioria deles fica por bastante tempo.

No ano em que o mundo enfrenta uma pandemia que parece ser difícil de prever o fim, torna-se cada vez mais urgente e necessário que a educação midiática conste nos currículos escolares. “As habilidades midiáticas são absolutamente fundamentais”, quem diz é Mariana Ochs, coordenadora do EducaMídia. Tanto dentro como fora da escola, esse tipo de habilidade é necessária para avaliar os fatos, saber se expressar e como aprender no século 21, com olhar para autonomia e criatividade.

“Hoje em dia o aluno já chega na sala de aula com muita bagagem, com muito acesso à informação e com canais próprios que ele pode explorar pelo celular, como o YouTube, por exemplo”, aponta Ochs.

Uma das 10 Competências Gerais previstas na BNCC, a Base Nacional Comum Curricular, mira em exercitar o pensamento crítico, científico e criativo. Projetos como o do professor Glaucio, por exemplo, vão nesta direção, pois trabalham a partir de algo que é do conhecimento da turma, para enfim dar aos alunos a chance de verificar a veracidade e origem da informação.

Em fevereiro de 2021, Ramos iniciou os trabalhos com a turma fazendo uma pergunta: “Vocês acham que as fake news têm interferido na campanha de vacinação contra a Covid-19?”. Nisto, a turma trouxe respostas afirmativas, negativas e indecisas.

O segundo passo pensado pelo professor foi a elaboração de um formulário online a ser respondido pelos alunos e por amigos e familiares deles. Entre as perguntas estavam “Você acredita já ter compartilhado algum tipo de fake news sem saber?” e “Alguém de sua família decidiu não se vacinar?”.

A gente viu que boa parte das pessoas do convívio dos alunos, não vai se vacinar, devido às falsas notícias e ao negacionismo da vacina

“A gente viu que boa parte das pessoas do convívio dos alunos, não vai se vacinar, devido às falsas notícias e ao negacionismo da vacina”, disse Ramos. Os argumentos das respostas que recebeu variam entre não acreditar na vacina ou até mesmo relatar que “se o presidente não vai se vacinar, então não há necessidade de vacinação”.

E essa negação tem um lastro antigo. Lá em 1885, durante uma epidemia de varíola em Montreal, no Canadá, o Dr. Alexander M. Ross espalhou um panfleto questionando a vacinação. Ele fez isso como forma de se promover, ficou sabido depois, mas o fato é que a postura teve fortes implicações sociais. Mais recentemente, um exemplo dos impactos do pensamento antivacina é a volta de doenças que já estavam erradicadas, como é o caso do sarampo. Muitos desses resultados são fruto de uma negação da realidade.

“A desinformação não é só sobre uma matéria, é assunto para todas as disciplinas“, aponta Alexandre Sayad, jornalista e educador brasileiro copresidente do conselho da Unesco MIL Alliance (Aliança promovida pela Organização das Nações Unidas para alfabetização midiática e informacional). De fato, tratar sobre desinformação não precisa necessariamente estar associado apenas às aulas de língua portuguesa ou interpretação de texto. Em atividades relacionadas à história, por exemplo, abre-se espaço para refletir sobre fatos que podem ter sido negados por teorias da conspiração.

A questão da desinformação está ligada intimamente à questão do pensamento crítico. E o pensamento crítico é assunto da escola, não de uma disciplina

A desinformação é um grande guarda-chuva que contempla desde notícias falsas até informações equivocadas ou incorretas. “As minhas pesquisas apontam que a questão da desinformação está ligada intimamente à questão do pensamento crítico. E o pensamento crítico é assunto da escola, não de uma disciplina”, aponta Sayad. O jornalista afirma, porém, que o pensamento crítico está esvaziado de sentido, pela forma como muitas escolas têm usado. “Muitas escolas adotam o termo sem refletir sobre práticas ou o que significa desenvolver pensamento crítico nos dias de hoje”, aponta.

Usando as palavras de Mariana Ochs, é possível ver a educação midiática inserida como camadas em diferentes disciplinas. Durante a grande peste, na Idade Media, judeus eram acusados por teorias da conspiração de estarem envenenando a água. Recentemente, os chineses foram acusados de produzir o novo coronavírus em laboratório. Em ambos os casos aconteceram diversos episódios de xenofobia.

A coordenadora do EducaMídia aponta que ao usar comparativos de dois momentos históricos, desmentindo as afirmações, além de trabalhar a questão da desinformação, também é possível ensinar a combater discurso de ódio, xenofobia e preconceito.

Essa transdisciplinaridade aparece no projeto do professor Glaucio Ramos, que existe mesmo. Professores de história e ciências trabalham de maneira conjunta com ele na missão de desmascarar informações falsas. Ele também conseguiu um outro feito, que foi a possibilidade de gerar engajamento dos estudantes usando apenas o celular. Em cada etapa do projeto, a turma investiga um aspecto diferente da notícia e é guiada a verificar a autenticidade dos sites, quais foram as fontes usadas, se é possível encontrar relatos parecidos em mais de um endereço da web, entre outros.

Por onde começar

Para Sayad, um dos grandes desafios da inserção da educação midiática na grade curricular passa pela formação de professores, tanto na questão digital, quanto na questão de uma abordagem que não se resuma a uma aula expositiva. “90% dos cursos estão pouco preparados para lidar com os desafios do contemporâneo. Tem muita pesquisa, história, teoria da educação, mas pouca conteporaneidade”. Para ele, falta inovação nesta área.

Acho que também faltam práticas difundidas, metodologias abertas, recursos de educação mais abertos. Existem, mas muito em nicho, nada muito evidente para todo mundo

Ele explica que o professor que não conseguir usar de metodologias ativas, não conseguirá nem mesmo tocar no assunto, que é uma realidade tanto para ele quanto para o aluno. “Acho que também faltam práticas difundidas, metodologias abertas, recursos de educação mais abertos. Existem, mas muito em nicho, nada muito evidente para todo mundo.” E isso também passa por questões estruturais, que é ter uma banda larga nas escolas que funcione, por exemplo.

No caso do “Fuja da Fake, Foque no Fato”, a sequência de atuação do projeto vai de estágios desde a identificação do gênero notícia, até a última etapa, ainda não iniciada, onde os alunos deverão gravar um vídeo fazendo uma campanha educativa contra a desinformação.

Diversas entidades e instituições voltadas na defesa da informação de qualidade e verificada trabalham para impedir que mais desinformação percorra o caminho dos estudantes e de toda a sociedade. Recentemente, a Rede Nacional de Ciência para Educação (CeP) publicou manifesto reforçando a importância de discutir educação e pandemia atualmente, levando em consideração o aumento no número de casos de Covid-19 e a possível reabertura das escolas.

Rochelle Paz Fonseca, pesquisadora da Rede CpE e coordenadora pedagógica da Especialização em Neuropsicologia Clínica do IPTC (Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva), foi uma das proponentes do manifesto. Neste momento de ataques à ciência, Fonseca justifica que uma das maiores preocupações do grupo está nos impactos a longo prazo de um ausência escolar que beira os 14 meses.

“A Rede CpE, por meio de seu Conselho Técnico-Científico, deseja manifestar seu compromisso com a ciência e sua adesão a políticas públicas de caráter ético, estratégico e democrático, orientadas por evidências obtidas com as metodologias rigorosas que caracterizam a pesquisa científica em todas as disciplinas. Estimulamos ainda que a sociedade reconheça e valorize o papel essencial da escola e dos professores na formação humana em todas as suas dimensões. A educação deve ser o principal pilar na reconstrução da cidadania e na proteção da vida de cada cidadão.”, escreveu a rede em seu manifesto.

E conversar sobre desinformação pode ser algo feito desde cedo. A pesquisadora aponta que é possível plantar uma semente já na educação infantil. “Quanto mais jovem, melhor”.

Mariana Ochs concorda neste quesito. “Não precisa esperar eles chegarem no noticiário, no consumo de notícias. A gente entende por informação tudo o que circula no universo deles e que é pertinente [de ser explicado]”. Ela cita como exemplo possíveis boatos que possam circular na escola e como ajudar as crianças a entender de onde surgiram, quem contou pela primeira vez e coisas do gênero.

É esse mecanismo usado pelo professor Glaucio Ramos, do Educandário Municipal Cônego Costa Carvalho, que fica em Paulista, no Pernambuco, e que existe. Ele conseguiu, por meio de doações, comprar o livro “Esquadrão Curioso: Caçadores de Fake News”, de Marcelo Duarte, e até agendar uma entrevista com o escritor e sua turma como estratégia complementar de ensinar sobre desinformação.

Seja na ciência, na história ou em qualquer outra disciplina, educar para a mídia já é uma realidade com impactos sociais, inclusive. O combate à desinformação passa também por um aspecto de conscientização e formação de cidadania.

 

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