A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) escolheu os 160 livros de referência e literatura que vão compor as bibliotecas das escolas públicas de ensino médio do País. A entidade fez o trabalho a pedido do Ministério da Educação (MEC), que pela primeira vez vai comprar exemplares para os alunos adolescentes. Serão 5 milhões de livros, que chegarão às escolas em 2008. Até 2006, eram adquiridas apenas obras para crianças da educação infantil e fundamental. O orçamento previsto para a aquisição dos livros – que poderão ser lidos por 7,9 milhões de alunos – era de R$ 17 milhões, mas o programa foi ampliado e governo ainda vai definir o aumento.
A lista tem clássicos da literatura, como Macunaíma, de Mario de Andrade, e Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Mas também contemporâneos, como Capão Pecado, de Ferréz. Em biologia, há uma obra do cientista que descobriu a estrutura do DNA, James Watson. Uma apresentação de O Capital em quadrinhos faz parte da relação de história. Há livros ainda das áreas de português, química, física, matemática, educação física, arte, filosofia, sociologia e geografia. As escolhas foram criticadas por alguns especialistas (leia ao lado).
Segundo a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar, a SBPC foi chamada para selecionar os livros porque “reúne todo o mundo acadêmico”. Os processos, até então, para compras para bibliotecas eram feitos por comissões internas do MEC. Apesar de elogiar a lista da SBPC, a secretária diz acreditar que a experiência não deve ser repetir no ano que vem.
Inicialmente, os professores escolheriam 80 dos 160 títulos. O MEC decidiu ontem comprar todos os indicados pela SBPC. O governo não negociou preços com editoras; apenas informou quanto pagaria por obra.
“Não houve transparência na escolha”, diz o presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), João Arinos. A principal reclamação das editoras é a de que elas não puderam inscrever suas obras para a seleção. Os especialistas reunidos pela SBPC buscaram os títulos no mercado. “Será que eles conhecem todos os lançamentos, tudo que está à venda?”, questiona a vice-presidente de operações da Editora Record, Sonia Jardim. A empresa teve oito livros entre os escolhidos para o ensino médio.
Segundo a Abrelivros, a venda de livros de literatura e de referência feita ao governo representa 30% da receita das editoras. O mercado é diferente do de obras didáticas, em que o MEC é o grande comprador.
PACOTES
A responsável pelo trabalho na SBPC, Lisbeth Cordani, conta que editoras enviaram pacotes de livros para a entidade durante o período de escolha. “Até entendo, porque elas querem mostrar o que têm, mas devolvemos todos”, diz. Segundo ela, os grupos de cada área que fizeram as escolhas tinham experiência no ensino básico.
Foi proibida a participação de professores que são autores e a indicação de livros publicados por institutos ligados à SBPC ou ao PT (como a Fundação Perseu Abramo). Os grupos analisaram cerca de 2 mil títulos desde o início de 2007. A lista foi finalizada no mês passado e a relação, publicada no Diário Oficial da União segunda-feira.
O Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) existe desde 1997 e já teve vários formatos. Entre 2001 e 2003 eram comprados livros que deveriam ser levados para casa e lidos pelos alunos e suas famílias. Em 2005, o programa redirecionou o foco para ampliar o acervos das bibliotecas das escolas públicas.
Especialistas criticam obras
Alguns professores e pesquisadores ouvidos pelo Estado questionaram parte dos livros escolhidos para as bibliotecas do ensino médio. Para a diretora da Sociedade Brasileira de Sociologia e professora da Universidade de São Paulo (USP), Heloisa Martins, não estão claros os objetivos didáticos que orientaram a indicação da obras. “Parece-me mais um ajuntamento de títulos, alguns de qualidade, outros menos”, diz.
Na lista de literatura, o professor da USP João Adolfo Hansen diz que faltaram autores dos séculos 17, 18 e 19. “Ficaram de fora também modernos básicos, como Oswald de Andrade, José Lins do Rego.” Um conhecido historiador, que pediu para não ter seu nome revelado, classificou a lista como “péssima”. Há obras que ele considera mais adequadas para crianças e outras com perfil acadêmico. “É uma salada.”
O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcelo Knobel, apóia a iniciativa do MEC e acredita que a lista de física tem obras instigantes e interessantes. O diretor da Faculdade de Educação Física da USP, Go Tani, também considerou os livros escolhidos para a área pertinentes.
O ex-diretor do Instituto de Matemática Pública e Aplicada, Elon Lages Lima afirmou que muitos dos livros da área são avançados demais para o ensino médio. Ele elogiou apenas um dos escolhidos.