Em carta, Cristovam critica o descompasso do governo Lula

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Falta de diálogo, descompasso entre as áreas econômica e social, entraves burocráticos e necessidade de mudança em 2004. As duras críticas ao primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva não são de um oposicionista, mas norteiam uma carta de oito páginas enviada em 1º de janeiro, 22 dias antes de ser demitido, pelo então ministro da Educação Cristovam Buarque ao colega Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica). 
 
Na sexta, Cristovam, que estava em Portugal, foi demitido por telefone pelo presidente. O substituto do ex-ministro é o ex-prefeito de Porto Alegre Tarso Genro. 

“Você [Gushiken] foi o único dos companheiros ministros com os quais tive a chance de, ao longo de 2003, falar sobre o longo prazo e a estratégia [dentro do ministério]“, diz logo no início da carta, para mostrar seu “isolamento“. 
 
Escrita antes da reforma ministerial, a carta alerta para a necessidade de mudança do enfoque econômico para o social. Sob o risco de o governo marcar a história “para o mal, se não soubermos agir para atendermos as expectativas que nós próprios criamos“. 

Cristovam escreveu: “2004 vai exigir sairmos da confiança para a mudança. Os passos históricos de 2002 e 2003 não se sustentarão se não formos capazes de avançar além deles“, lembrando que o atual governo acusou FHC de ser “conservador na política econômica“ e “insensível“ para enfrentar as diferenças sociais. 

Na primeira página, o ex-ministro resume o tom do que viria: “É preciso estarmos alertas, com autocrítica acirrada, de maneira a não ficarmos presos no dia-a-dia […], não cairmos nas malhas da burocracia que tende a dominar todo governo, não perdermos a capacidade de nos indignarmos diante do que está errado […] nem nos deslumbrarmos com os cargos que duram muito pouco“. 

Conhecido por defender mais verbas para a pasta, Cristovam era avaliado no Planalto como “acadêmico“ e “mau gestor“, o que o magoa, segundo assessores. 

A carta indica que o ex-ministro queria fazer chegar a Lula suas avaliações e projetos para 2004. Cristovam disse, após a demissão, que era “ministro do segundo time“, por não ter acesso ao núcleo de assessores e ministros mais próximos ao presidente. Nesse grupo, está José Dirceu (Casa Civil), com quem Cristovam não conversava havia seis meses. 
 
Também anexado à carta está um documento de nove páginas com as principais ações do ministério, mostrando, inclusive, projetos parados desde o primeiro semestre de 2003 na Casa Civil. 
 
No anexo, Cristovam diz que Dirceu tem sido um “grande defensor“ da reforma universitária, mas “é preciso que Lula também assuma a reforma como um projeto dele e de seu governo“. 
 
Na carta, Cristovam faz uma avaliação diferente daquela que o governo divulga ao tratar da integração das equipes da área econômica e social. “Até aqui, agimos como se o social e o econômico disputassem. Ministros da área social reclamando de recursos, como se não tivessem responsabilidade com a estabilidade, e ministros da área econômica controlando os recursos, como se nada tivessem a ver com o social.“ 

Apesar disso, ele faz elogios às políticas econômica e externa adotadas pelo governo, avaliando que “Lula mostrou ser muito melhor do que seu antecessor“. 
 
Lulismo 
Cristovam afirma ainda que a estabilidade monetária é necessária, mas não suficiente para a retomada do crescimento. E que, no social, a erradicação da pobreza virá de medidas dirigidas ao atendimento de necessidades essenciais, não do crescimento. Sugere que essa combinação da economia com o social possa se transformar no “Lulismo“, “uma espécie de “new deal“ ou “keynesianismo“ comprometido com o social e responsável financeiramente“. 
 
Nessa discussão da marca do governo, é que Cristovam reclama da falta de diálogo. “[…] É preciso que todos os ministros de Lula assumam o compromisso com suas marcas, metas e o desafio de um novo tipo de desenvolvimento que tenha compromisso social. Lamentavelmente não temos tido esse debate dentro do governo.“ 
 
O ex-ministro não chegou a receber uma resposta de Gushiken. Hoje, Cristovam se reúne com secretários do MEC, que entregarão os cargos. Até o final da semana, reassume o mandato no Senado. 
 
 
 

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