Efeito didático

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Houve de tudo na reação provocada por meus dois artigos sobre livros didáticos. Tão logo saiu minha crítica ao “Nova História Crítica“, o MEC se apressou a dizer duas coisas: o livro foi incluído na relação do MEC ao tempo de FH e excluído dela no Governo Lula. Quando publiquei o artigo sobre o Projeto Araribá, acusando-o, entre outras coisas, de fazer propaganda político-eleitoral do PT, o ministro da Educação, Fernando Haddad, disse o seguinte: “O MEC só compra livros escolhidos pelos professores. Então, só tem três soluções: manter a liberdade, censurar os livros ou trocar os professores. Eu fico com a primeira.“ É, então, o caso de perguntar: a reprovação do “Nova História Crítica“ se enquadra em qual das três categorias? Ou seja, retirar o livro que faz propaganda eleitoral do PT é censura; banir o “Nova História Crítica“ não é. Um método de avaliação que não comporta uma reavaliação extraordinária é falho.  
 
O curioso é que, antes de escrever o artigo, apurei junto ao MEC se o livro constava da lista dos recomendados e obtive um “sim“ como resposta. Não sei por que agiram assim, mas, mesmo que tivessem me informado corretamente, o artigo seria publicado, naturalmente com a explicação do ministério: o fundamental era que o livro ficará em sala de aula até o fim do ano e permaneceu nela durante anos.  
 
Disseram também que eu omiti críticas que o autor de “Nova História Crítica“ faz ao socialismo real. Também não é verdade. Logo na abertura, eu escrevi que, para o autor, o socialismo só “fracassou até aqui por culpa de burocratas autoritários“. Os trechos que reproduzi falam por si. Este é o ponto: o que pretendi mostrar, e mostrei, é que o livro tem o propósito de doutrinar as crianças para que acreditem que o socialismo é a melhor forma de organizar a sociedade, que o capitalismo é mau e que o que existiu até aqui não é o socialismo verdadeiro (embora o autor diga que as experiências socialistas foram melhores do que as das sociedades capitalistas de hoje). Vale reproduzir o trecho que fecha o livro. Depois de descrever o Fórum Econômico Mundial, o livro afirma: “Mas havia gente de fora que queria dizer não. Muita gente. A maioria das pessoas do planeta. Gente que não é proprietária de ações, que não viaja de avião na primeira classe, que não aceita que o mercado e os lucros capitalistas sejam colocados num altar como figuras divinas. Na cidade de Porto Alegre, o século XXI se abriu com duas grandes conferências (2001 e 2002) do Fórum Social Mundial. Percebeu a diferença no nome? O que deve ficar em destaque não é a economia (os lucros das grandes empresas), mas o social (o bem-estar da humanidade). (…) A idéia fundamental era a mesma: organizar a luta mundial contra o domínio absoluto do grande capital. O planeta deve pertencer à humanidade inteira. (…) Será essa a nova forma de fazer política no século XXI? Em vez de um partido político centralizado que se considera dono da verdade, múltiplas associações que se encontram, livres, autônomas, mas com o sentimento de um projeto comum, o de que é possível construir um outro mundo? A resposta, amigo leitor, caberá à sua geração.“ Mais doutrinação do que isso?  
 
Mas meus artigos produziram outras reações bizarras. Dois deputados do PT, Fernando Ferro e Rui Falcão, acusaram-me de estar a favor do capital estrangeiro, ao criticar o livro, de enorme sucesso, editado por uma editora brasileira, a Nova Geração. Meu objetivo escuso seria o de ajudar a espanhola Santillana, dona da Editora Moderna, que, hoje, detém a maior fatia dos livros didáticos comprados pelo MEC. A infelicidade dos deputados é que Ferro fez o seu discurso exatamente no mesmo dia em que O GLOBO publicou o meu artigo “Livro didático e propaganda política“, em que ataco duramente o “Projeto Araribá, Ensino fundamental, História 8“, afirmando que o livro tem todas as falhas do “Nova História Crítica“ e mais uma: faz propaganda político-eleitoral do PT. Rui Falcão publicou o artigo dele um dia depois, o que torna a coisa mais ridícula. Por que ridícula? Porque o livro que critiquei pertence à Editora Moderna, do grupo Santillana, a quem me acusaram de proteger.  
 
A discussão não teve apenas bizarrices; houve também má-fé. Luis Nassif escreveu artigo, publicado em seu blog e no “Diário do Grande ABC“, insinuando que eu fizera mesmo lobby para a empresa espanhola. Dava como “prova“ uma sociedade entre a Editora Globo e a Santillana, numa terceira empresa, a Editora Uno. Uma mentira deslavada. A revista “Época“, da Editora Globo, apenas encomendou, como cliente, à Uno, dois projetos – o “Guia Vestibular 2008“ e o “Guia Época Enem 2007“, ambos para serem encartados exclusivamente como fascículos. Confundir cliente com sócio não é erro, é má-fé. Com um detalhe sórdido: para dar mais credibilidade à sua denúncia, Nassif omitiu que eu escrevera um artigo atacando o livro da editora espanhola.  
 
Escrevi uma resposta ao “Diário do Grande ABC“, denunciando que Nassif mentira. Como resposta, Nassif publicou em seu blog a minha carta ao jornal paulista. Ao final dela, admitiu que fora “induzido ao erro“, sem, porém, dizer por que ou por quem. Não pediu desculpas, nem a mim nem aos leitores dele, por fazer denúncia sem apuração. E em vez de dizer que a Editora Globo foi apenas cliente da Uno, preferiu usar o termo “parceira“, no caso, de todo inadequado. Pior, não explicou aos leitores dele a omissão quanto ao meu artigo criticando o livro da Moderna e acrescentou alguns impropérios a mais contra mim. Imediatamente, escrevi uma tréplica, desmontando peça por peça o que Nassif dissera. À toa. Alegando falta de espaço, ele nada publicou, ignorando que o espaço na internet é infinito. Preferiu manter comigo uma longa troca de e-mails, em que ficou claro, para mim, que ele prefere conjecturas fantasiosas (e caluniosas) a fatos.  
 
Eu não chamo isso de jornalismo.  
 

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