Educação Integral: mais do que tempo ampliado

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A extensão da jornada escolar, permitindo que os alunos, especialmente os mais vulneráveis, ampliem o tempo de exposição às situações de ensino é apontada por especialistas como uma estratégia eficaz para fomentar a equidade e a qualidade na Educação.

Mas não basta ampliar o tempo de permanência escolar. Esse é o principal alerta do documento “Educação Integral: Um Caminho para a Qualidade e a Equidade na Educação Pública”, que acaba de ser lançado pelo movimento Todos Pela Educação (TPE) e pela Fundação Itaú Social, fruto de um grupo de assessoramento que reuniu, ao longo de 2014, diversos representantes de organizações sociais, fundações, institutos, órgãos governamentais e academia* para debater o tema.

Na Escola Estadual Professor Geraldo Tristão de Lima, em Batatais, interior de São Paulo, os estudantes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental chegam às 7h e só se despedem dos colegas às 16h. A mudança para o regime integral refletiu no desempenho dos alunos, é o que garante Eurico Marcos Magno, diretor da instituição há 12 anos. “A aprendizagem melhorou muito, porque as crianças ficam na escola nove horas por dia. Conseguimos bons resultados no Saresp [Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo]”, explica.

Comparando os resultados do Saresp ao longo do tempo, a unidade de ensino revela uma considerável melhora tanto em português quanto em matemática. Em 2007, os estudantes da 4ª série do Ensino Fundamental com proficiência adequada ou avançada em matemática eram 22,9%; em 2013, esse patamar foi alcançado por 40,4% dos alunos do 5º ano (antiga 4ª série).

A evolução do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da instituição também corrobora o otimismo do diretor. Em 2013, o indicador da escola ultrapassou a meta projetada, de 5,6 pontos, atingindo 5,7. Em 2007, a pontuação foi 4,8.

“Os desafios e possibilidades de ampliação de oferta de Educação Integral dependem de vários fatores complexos que vão desde o financiamento para estrutura física e de pessoal, até questões mais técnicas como formação inicial e continuada do professor, todos eles assinalados no documento”, explica Patrícia Mota Guedes, gerente de Educação da Fundação Itaú Social.

O documento lançado contribui com a articulação de saberes e políticas públicas em sintonia com o Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê, na meta 6, a oferta de Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas da Educação Básica até 2024. Percentual que hoje está em 34,4%, segundo dados compilados no Observatório do PNE.

Para Patrícia, cumprir o que propõe o PNE passa pelo esforço intersetorial. “O cumprimento da meta 6 não é somente um desafio das redes de Educação, mas dos municípios e estados. Uma Educação Integral de qualidade deve ser entendida como aquela que potencializa os diferentes setores públicos”, avalia.

Desafios do Ensino Integral

A escola Professor Geraldo tem 100% de alunos, cerca de 300 estudantes do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental, em regime integral desde 2006. “Ficamos cerca de um ano em reformas”, revela o diretor. “O maior desafio é transformar uma escola regular em uma escola onde os alunos possam passar o dia todo. Não tínhamos computadores, refeitório. Temos uma escola vizinha que gostaria de aderir ao regime integral, mas não há espaço”, diz.

Em um rastreamento de unidades aptas a integrar o Projeto Escola em Tempo Integral (ETI), em 2005, durante a gestão do então secretário estadual da Educação Gabriel Chalita, a instituição foi escolhida dado o “baixo número de alunos e ao espaço ocioso” da escola, revela Marcos. Em 2006, a instituição venceu o Prêmio “Escola de Tempo Integral em São Paulo: Referências de Gestão e Liderança”, e se destacou como uma das sete melhores do Estado.

Amplamente debatido por especialistas, o fomento de uma política pública para a Educação Integral terá de enfrentar dois grandes desafios: infraestrutura e articulação com o projeto político pedagógico. “Deve haver política ampla, mas deve haver também certa flexibilidade para que as escolas adequem seu modelo à comunidade”, afirma Patrícia.

Desde 2006, conta Magno, a gestão tem se engajado em aprimorar o trabalho realizado na escola para garantir um currículo mais adequado às necessidades da comunidade. Além da verba recebida pela secretaria estadual de Educação, a instituição também participa dos programas Mais Educação e Mais Cultura, o que amplia os recursos e permite aumentar a oferta de atividades. Os alunos participam, por exemplo, do Momento de Leitura e de aulas de Cultura Étnico Racial, onde os alunos trabalham culturas diversas e a própria questão do racismo.

As atividades vespertinas refletem as preferências da comunidade. “Nós tínhamos aulas de música erudita e poucos alunos gostavam. Mantivemos, porque é importante trabalhar a diversidade cultural, mas o que eles mais gostam é do trabalho com a música afro”, explica Marcos.

Uma escola de pessoas

Além das dimensões pedagógicas, econômicas e infraestruturais, o diretor Marcos salienta que a articulação entre os professores e a gestão é parte fundamental do sucesso do novo regime.

Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral do TPE, reforça essa ideia. Ela afirma que, para garantir a qualidade da Educação Integral, e não apenas a ampliação do tempo na escola, todas as atividades devem estabelecer uma conexão com as disciplinas regulares. “Quem ensinará música não será um professor regular, mas o conteúdo ensinado deve ser retomado nas disciplinas regulares. As matérias não podem ficar soltas”, explica.

Semanalmente, os professores dos períodos diurno (regular) e vespertino (oficinas) da escola Professor Geraldo Tristão discutem as dificuldades dos estudantes e, juntos, formulam soluções. “Apesar de lúdicas, as oficinas não deixam de ser aulas. Muitas coisas que elas trabalham retomam dificuldades dos alunos em outras disciplinas”, afirma.

Para ser selecionado, o docentes da oficina precisa apresentar uma proposta e passar por uma entrevista. “Esses professores vão sendo trabalhados ao longo do ano, entendendo como trabalhar em regime integral. Uns se adaptam, outros não”, pondera.

Após nove anos operando em regime integral, o saldo, avalia o gestor, é positivo. “A escola é muito valorizada. O lado humano é o primeiro lugar aqui”, orgulha-se. “Os alunos adoram a escola. Quando se formam, voltam para visitar”.

Entretanto, há aspectos a ser melhorados. Marcos acredita que, dado o caráter assistencial que uma escola em tempo integral assume em uma região carente como a do bairro Riachuelo, faltam psicólogos e maior articulação de profissionais da saúde com a escola. “Aqui eu recebo alunos que só têm a mãe, que trabalha o dia todo. Quando a criança se machuca é a gente que corre com ela”, explica.

Sobre o GA de Educação Integral

Cada Grupo de Assessoramento organizado pelo TPE tem um tema diferente e é coordenado em parceria com uma organização especializada no assunto. Os grupos são formados por pesquisadores e especialistas de entidades, organizações e institutos, além de acadêmicos e representantes do governo. Os membros do GA de Educação Integral encontraram-se no decorrer de 2014.

O texto foi formulado para que gestores escolares e de políticas públicas encontrem subsídios para pensar a construção de um modelo de Educação Integral adequado à realidade de cada comunidade escolar, tendo em vista valores universais como a qualidade e a equidade. Pesquisas e experiências de redes educacionais que já trabalham em tempo integral embasaram as discussões.

*Lista completa de participantes do GA de Educação Integral: Adriana Sperandio (Secretaria Municipal de Educação Vitória); Ana Moser (Instituto Esporte e Educação); André Sobrinho e Mirela Carvalho Pereira Silva (Instituto Unibanco); Anna Penido (Instituto Inspirare), Claudia Frazão (representou o Instituto Inspirare); Antonio Ibañez Ruiz (Conselho Nacional de Educação – CNE); Beatriz Goulart (Universidade Federal do Rio de Janeiro); Bianca Miguel (Instituto Natura); Daniel Ximenes (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS); Daniela Castro (Atletas pelo Brasil); Dorinha Seabra Rezende (Câmara dos Deputados e Comissão Especial PNE); Eduardo Deschamps (Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina); Eliana Almeida e Marcelo Mazzoli (Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef); Flávia Roberta Costa, Iã Paulo Ribeiro e Lucy Franco (Serviço Social do Comércio – Sesc); Heloísa Mesquita (representou a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e atualmente representa o Instituto Inspirare); João Roberto Costa de Souza (Secretaria Municipal de Educação de Jacareí); Leandro da Costa Fialho, MEC/SEB/Coordenação de Educação Integral); Maria de Salete Almeida Silva (consultora educacional); Manuelina Martins da Silva Arantes Cabral (Secretaria Municipal de Educação de Costa Rica/MS, Undime Região Centro-Oeste e Undime/MS); Maria Amabile Mansutti (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – Cenpec); Maria do Pilar Lacerda e Mariana Franco (Fundação SM); Maria Helena Sanches de Toledo, Renata Rossi Fiorim Siqueira e Valéria Souza (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo); Maria Rebeca Gomes (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco); Mônica Melo (Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro); Natacha Costa (Cidade Escola Aprendiz); Raquel Teixeira (atual secretária de Educação do estado de Goiás e representou o Instituto Jaime Câmara); Rita Coelho (MEC/SEB/Coordenação Geral de Educação Infantil); Suzana Lima dos Satos (Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre); Tereza Perez (Comunidade Educativa Cedac); Valdiosmar Vieira (representou o Congemas até a segunda reunião); Vandré Brilhante (Cieds); Viviane Pereira da Silva Melo (Secretaria de Estado da Educação de Goiás); Camila Feldberg M. Pinto, Tatiana Bello Djrdjrjan, Isabel Santana, Patrícia Mota Guedes (Fundação Itaú Social); Alejandra Meraz Velasco, Andrea Bergamaschi, Camilla Salmazi, Carolina Fernandes, Maria Lucia Meirelles Reis, Priscila Cruz, Ricardo Falzetta e Vanessa Souto (Todos Pela Educação) .

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