Educação básica, corresponsabilidade de todas as esferas de governo

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Em entrevista a Abrelivros em Pauta, a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Kátia Schweickardt, destaca que o ministro Camilo Santana enxerga no regime estratégico de colaboração entre União, Estados e Municípios, o caminho para construir uma política de educação “básica, consistente e que enfrente as desigualdades abissais que nos afligem”. Ela explica que lidar com educação básica na Amazônia é diferente do litoral nordestino ou das regiões rurais do sul do País. E, a partir desta visão estratégica, “o papel da Secretaria de Educação Básica é liderar a proposição, articulação e implementação de políticas públicas de educação capazes de enfrentar os desafios que o país enxerga nesse campo”, completa.

Como a senhora avalia o momento da educação básica no país?

Penso que é preciso estabelecer duas perspectivas para responder a essa questão: uma perspectiva que está baseada na longa duração da história e outra que está baseada na conjuntura mais recente. Em termos da longa duração histórica precisamos reconhecer que, a partir dos anos 1990, nós fomos capazes, como país, de construir elementos estruturantes de fortalecimento e melhoria da qualidade da educação básica. Posso citar como exemplos o Fundef, depois convertido em Fundeb; o Sistema de Avaliação da Educação Básica; as novas configurações do Programa Nacional do Livro Didático e do Programa Nacional de Alimentação Escolar; a expansão significativa da Educação Infantil e do Ensino Médio e os investimentos na recomposição do salário e das condições de trabalho e formação dos professores e professoras da educação básica. Esses elementos só foram construídos porque encaramos com seriedade a ideia de que a educação básica é um direito humano inalienável e é, também, o principal investimento que um país pode fazer na sua própria soberania e autonomia. A continuidade que fomos capazes de estabelecer em termos de propósito e de consensos estratégicos até 2016 foram muito importantes para que tudo isso fosse possível.

Entretanto, quando analisamos a conjuntura mais recente, sobretudo a partir de 2019, enxergamos que as políticas de educação básica sofreram os impactos da turbulência e das crises de gestão sucessivas no Ministério da Educação. O Ministério, mesmo com iniciativas localizadas em certas áreas, não exerceu como deveria ter exercido sua liderança sistêmica nem trabalhou na força máxima de sua assistência técnica e financeira aos sistemas de ensino. Gastou muito tempo com disputas ideológicas que nada contribuíram para nos fazer avançar e desperdiçou tempo e recursos preciosos sem uma estratégia coesa. Houve, nitidamente, um desprezo pelas metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e uma dificuldade em garantir uma resposta nacional à Pandemia para a educação básica.

Por isso, vivemos um momento que combina desafios históricos e estruturais com desafios urgentes e emergenciais: enfrentar as consequências da pandemia e, ao mesmo tempo, resolver os problemas de acesso à creche, à pré-escola e ao ensino médio que ainda persistem, garantir o direito humano à alfabetização na idade adequada, construir um modelo mais consistente para os anos finais do ensino fundamental, reorientar a reforma do ensino médio, construir o Sistema Nacional de Educação, enfrentar os graves problemas de infraestrutura física e pedagógica das nossas escolas e o atraso dessa infraestrutura no contexto da sociedade digital são agendas prioritárias e que dependem da nossa capacidade técnica e política de retomar o papel indutor, coordenador e articulador do Ministério da Educação na Educação Básica. A matrícula da educação básica vinculada ao governo federal é muito pequena, mas a responsabilidade do governo federal em garantir que estados e municípios possam ter uma escola pública de qualidade em seus sistemas de ensino é enorme.

Também enxergo um desafio importante na construção de um pacto nacional em torno da profissionalização, valorização e da centralidade da docência. Não há escola pública de qualidade se não formos capazes de construir políticas públicas que melhorem a formação inicial e continuada, as condições de trabalho e a posição e reconhecimento social dos professores e professoras, gestores e gestoras que atuam no dia a dia das escolas. Nessa agenda, novamente, há um campo de colaboração e cooperação que envolve o Ministério da Educação e os sistemas estaduais e municipais, com suas políticas para o magistério.

O que poderia comentar de seu plano de trabalho à frente da SEB?

A liderança do Ministro Camilo Santana enxerga no regime de colaboração entre a União, os Estados e os Municípios o caminho estratégico para construir uma política de educação básica sólida, consistente e que enfrente as desigualdades abissais que nos afligem. Ao mesmo tempo, essa aposta permite que os diferentes territórios possam ser respeitados em suas singularidades e necessidades. Lidar com educação básica na Amazônia é diferente de lidar com a Educação Básica no litoral nordestino ou nas regiões rurais do Sul do país.

Então, a partir dessa visão estratégica que coloca a educação básica como uma corresponsabilidade de todas as esferas de governo, o papel da Secretaria de Educação Básica é liderar a proposição, articulação e implementação de políticas públicas de educação capazes de enfrentar os desafios que o país enxerga nesse campo.

Há uma priorização nítida em torno da garantia do direito humano à alfabetização, porque entendemos que este é um direito que estrutura outros direitos de aprendizagem. Também há uma preocupação quase obsessiva em descentralizar e cuidar, com responsabilidade, do orçamento público de educação para que os Estados e Municípios possam ser apoiados no enfrentamento dos problemas de infraestrutura física e pedagógica das escolas, com a retomada e aperfeiçoamento do Plano de Ações Articuladas – PAR. Além disso, temos o compromisso de produzir uma resposta consistente e qualificada para a crise de aprendizagem nos anos finais do ensino fundamental e para os problemas existentes na implementação do novo ensino médio. Acrescentaria, por fim, a construção de uma visão compartilhada de Educação Integral para toda a educação básica e, associada a ela, uma política de expansão e fortalecimento da educação em tempo integral, respeitando as singularidades e necessidades de cada território e de cada comunidade.

São muitos desafios e estamos cientes de que precisamos colocar isso em uma visão de tempos e movimentos. Algumas dessas prioridades poderão ser aceleradas, outras exigirão mais tempo para avançar. Mas essa seria uma boa síntese do nosso compromisso de trabalho.

O que tem de ser feito, na sua opinião, para recuperar as perdas da Educação Básica por conta da pandemia?

Esta é uma pergunta bem abrangente. Entretanto, vou elencar três pilares dessa resposta às consequências da pandemia. O primeiro pilar tem a ver com a combinação entre currículo, práticas pedagógicas e avaliação. Neste pilar, há experiências interessantes desenvolvidas por estados e municípios que, num movimento dialógico e democrático, construíram com suas escolas processos de planejamento e priorização curricular capazes de cuidar do que os estudantes aprenderam, do que eles deixaram de aprender e do que eles necessitam aprender agora para seguirem boas trajetórias escolares. O Ministério da Educação tem a responsabilidade de fortalecer e ampliar o alcance dessas experiências.

O segundo pilar tem a ver com as condições objetivas de infraestrutura física e pedagógica e com a condição de trabalho dos educadores e educadoras nas escolas. Se essa questão já era um desafio urgente para a qualidade da educação básica e para a garantia do direito de aprender, após a pandemia, temos que ser ainda mais assertivos e consistentes no enfrentamento desse nosso dilema histórico. Não há como responder à altura a demanda de recomposição e recuperação das aprendizagens se as escolas não possuem condições mínimas de atender os estudantes e de gerar um ambiente adequado para o trabalho docente. O Ministro Camilo já sinalizou que essa é uma prioridade.

Finalmente, o terceiro pilar tem a ver com a formação inicial e continuada dos professores e gestores. Há elementos dramáticos nesse cenário e que foram agravados com a pandemia. Os professores precisam experimentar, durante a licenciatura, um processo formativo que esteja em sintonia com as exigências do início da profissão e precisam experimentar, ao longo da carreira, políticas de formação continuada que sejam contextualizadas nos desafios que se apresentam no dia a dia.

Como a sra. avalia a implantação da BNCC e a reforma do Ensino Médio?

O processo de construção da Base Nacional Comum Curricular e da Reforma do Ensino Médio experimentou tensões e contradições e foi finalizado num contexto institucional muito difícil. Vivíamos uma espécie de trauma democrático, com cisões e polarizações muito severas na sociedade. Isso comprometeu, em parte, a legitimidade e também afastou da construção final dos dois instrumentos parte importante dos pesquisadores, professores e até mesmo dos próprios estudantes.

Esses elementos já sinalizavam para um processo de implementação bastante desafiador. A partir de 2019, outras dificuldades se apresentaram, num contexto muito difícil dentro do próprio ministério da educação e a partir da restrição orçamentária do teto de gastos. Para completar o cenário, a pandemia de covid-19 impôs novas restrições. Com tudo isso, elementos interessantes da reforma ficaram comprometidos e aqueles que já eram elementos arriscados (como a flexibilização curricular e a oferta de itinerários) produziram efeitos indesejados bastante sérios.
Avaliamos que é urgente uma profunda avaliação desse cenário e um compromisso sério de revisão e reorientação daquilo que está equivocado. E esse é um compromisso já assumido pelo Ministro Camilo Santana. Estamos finalizando a proposta de estratégia de avaliação, monitoramento e revisão do novo ensino médio, que contará com ampla participação dos estudantes, dos professores e gestores, dos pesquisadores da área da educação e da sociedade civil organizada.

Como a senhora vê a introdução dos recursos digitais nas obras didáticas para os alunos da rede pública?

Trazer os recursos digitais para as obras didáticas é uma necessidade premente. A elaboração desses recursos deve passar por uma análise criteriosa sobre a arquitetura conceitual destas obras, para definir e refinar suas características, de modo que possam atender objetivamente à proposta da avaliação pedagógica do PNLD.

Já está em elaboração, junto ao FNDE, uma plataforma para os Recursos Educacionais Digitais avaliados e distribuídos, ferramenta que será um importante indicador do alcance e da receptividade destes materiais nas redes de ensino.

Há data prevista para a publicação do Edital PNLD 2025?

A publicação está prevista para o início do segundo semestre de 2023, entre julho e agosto. O primeiro semestre tem sido dedicado a pesquisa, estudo e diálogo com as redes, a fim de entender as necessidades dos estados brasileiros quanto aos desafios enfrentados perante à reforma do Ensino Médio, e o que é desejado em termos de material que possa efetivamente ajudá-los a materializar o Novo Ensino Médio.

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