ECA não responde a uma parcela da juventude

“Hoje nós temos muitas preocupações. Como nos sustentaremos? Como será o futuro dos nossos filhos? Para conseguir um bom emprego, é preciso ter dinheiro para estudar e competir no mercado. Todos os lugares exigem experiência, mas, se temos que nos concentrar em estudar, como vamos ter experiência de trabalho?“ As inúmeras dúvidas colocadas por Jessica Gonçalves, 16, não são particulares dela, mas um retrato da juventude brasileira. Segundo o estudo Perfil da Juventude Brasileira de 2003, 52% de mais de três mil jovens entrevistados responderam, em pelo menos uma de três questões, que emprego e trabalho são suas maiores preocupações. No dia em que completa o 17º aniversário, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é questionado pela sua visão de juventude. “O Estatuto só atinge jovens com até 18 anos, e hoje compreendemos a juventude como algo que vai além da faixa etária. É um segmento populacional com preocupações muito singulares“, indica Judith Terreiro, membro do Conselho Nacional de Juventude (Conjuv). “No Brasil, falamos ainda de múltiplas juventudes, pois cada uma delas têm suas particularidades“, completa. Criada no segundo semestre de 2005, a Secretaria Nacional da Juventude organizou o Conjuv para reunir e administrar todas as políticas públicas para a juventude, dos diversos ministérios. Composto por dois terços da sociedade civil e 20 membros do governo, o conselho criou duas propostas de estatuto. Uma delas compreenderia a juventude dos 15 aos 29 anos, e outra, a juventude dos 15 aos 24 anos.

“Essa juventude precisa e quer trabalhar. O ECA não cobre essa especificidade, salvo na condição de aprendiz“, conta Terreiro. Bruno Souza, de 16 anos, confirma. “Hoje não temos mais a intenção de só fazer o que gostamos. Nós queremos isso, mas desde que dê dinheiro“, explica o adolescente, que sente que os profissionais do ensino pouco ou nada fazem para diminuir essa angústia. O relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2005 aponta que o desemprego juvenil no mundo aumentou de 11,7% em 1993 para 14,4% (88 milhões) em 2003 e chegou a 40% no Brasil. O Relatório Mundial sobre a Juventude 2005 verificou que mais de 200 milhões de jovens no mundo vivem em situação de pobreza, 10 milhões estão contaminados com o vírus do HIV e 130 milhões são analfabetos. “É preciso que as políticas ministeriais conversem entre si.

Por exemplo, o Ministério do Trabalho (MT) e o Ministério da Educação (MEC) não conversam. As políticas públicas são muito fragmentadas“, pontua Terreiro. Fome de cultura – Para Terreiro, há outro grande problema que diz respeito aos espaços de trabalho para o jovem. “Socialmente, algumas profissões são estigmatizadas e menos valorizadas que outras. A juventude atual é intensa produtora de arte e, mesmo assim, músicos, artistas plásticos e grafiteiros não são vistos como profissionais. Ainda há a idéia de que pobre batuca, não trabalha“, verifica. Murilo Viana Valle, 17, que toca variados instrumentos de corda, conta que sonha em trabalhar com música, mas sua escolha não é respeitada em casa. “Meus pais têm medo que eu não consiga ganhar dinheiro fazendo música“, explica. Para Terreiro, a educação tem que se ampliar para as atividades culturais, incorporar essas experiências, e dessa forma, se adequar a essas novas expectativas e novos sonhos da juventude atual.  
Para Souza, as escolas precisam ouvir mais os jovens, concordando com o artigo do ECA que garante que toda criança e adolescente tem direito a expressar suas opiniões e desejos.

“Eles até perguntam o que queremos, mas nunca as nossas respostas são levadas em consideração. Nada mudaMesmo com todas essas preocupações, a pesquisa revelou que 74% dos entrevistados acredita que há mais coisas boas do que ruins em ser jovem. Valle acredita que ser jovem hoje é melhor do que no passado, pois o acesso à informação é maior. “Hoje há mais projetos dos quais o jovem pode participar e temos mais acesso ao conhecimento e à cultura. Além disso, nossos pais não tiveram a oportunidade de estudar, pois tiveram que trabalhar muito cedo, enquanto nós queremos trabalho, mas que valorize aquilo que aprendemos“, conclui.

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