É urgente trazer os alunos pobres de volta à escola

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Estudo do Unicef indica que 17% dos estudantes das classes D/E abandonaram a escola durante a pandemia, metade deles para trabalhar. A divulgação recente do Saeb, exame nacional de proficiência em língua portuguesa e matemática dos estudantes brasileiros, mostrou, como o esperado, uma queda no desempenho dos alunos, mais acentuada entre os estudantes do segundo ano do ensino fundamental.

Embora os dados por aluno ainda não estejam disponíveis, é possível inferir que os mesmos seriam ainda mais baixos em caso de maior participação dos alunos em situação mais vulnerável.

Levantamento realizado pelo pesquisador Daniel Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), demonstra que não só o número de escolas participantes do exame em 2021 foi inferior ao registrado antes da pandemia, como foi ainda menor em escolas de nível socioeconômico baixo.

Antes da pandemia (2019), cerca de 15 mil escolas de nível socioeconômico baixo tiveram resultados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC). No primeiro exame pós pandemia —realizado no final do ano passado— o número de escolas nessa condição caiu para 9.605, uma taxa de 63% de participação.

Para efeito de comparação, nas escolas com nível socioeconômico mais alto a taxa de participação foi de 82,3%. Os números são ainda piores no ensino médio, onde menos da metade das escolas de nível socioeconômico baixo teve sua participação registrada.

Como os alunos mais vulneráveis em média tendem a obter resultados mais baixos em língua portuguesa e matemática, é muito provável inferir que o desempenho das redes públicas teria sido pior do que o registrado caso todos os estudantes houvessem realizado os exames. Além da necessidade de relativizar os resultados oficiais obtidos, a baixa participação dos estudantes de escolas mais vulneráveis indica outro dado preocupante: um grande contingente dos alunos mais pobres estava fora da escola.

Também é essa a conclusão de um estudo recente do Unicef, que indica que 17% dos estudantes das classes D/E abandonaram a escola durante a pandemia e não retornaram, metade deles para trabalhar fora. Dos que voltaram, 46% se sentiram despreparados para acompanhar as atividades escolares, 35% tiveram dificuldade para controlar suas emoções e 30% tiveram pensamentos negativos, se sentiram tristes e deprimidos.

Esses dados nos mostram que é preciso trazer e manter os estudantes mais pobres na escola, aprendendo, e que as políticas tradicionais não serão suficientes para isso. As crianças e jovens precisam de outra escola, que seja capaz de acolhê-los e às suas necessidades individuais, e de uma política social integrada à educação.

A construção dessa “nova escola” passa por mais autonomia para que as unidades escolares tenham condição de melhor compreender as necessidades de seus estudantes e agir sobre elas, pelo enfrentamento das questões de saúde mental dos estudantes e dos profissionais e a adoção de um programa que una a busca ativa dos estudantes que deixaram a escola, o monitoramento dos casos passíveis de evasão e a integração de um programa de renda que seja capaz de manter os estudantes mais vulneráveis na escola, e não em trabalhos precários fora dela.

Uma escola autônoma não é uma escola “livre para fazer o que deseja”. Ao contrário, é uma escola que responde às necessidades da comunidade que atende às instâncias superiores a partir de um planejamento desenhado e articulado coletivamente, o que só será possível com professores e gestores capazes de organizar a aprendizagem dos estudantes a partir da compreensão de seu contexto e necessidades específicas, da combinação dos resultados das avaliações próprias e de larga escala e de devolutivas construtivas aos seus estudantes.

Enfrentar as questões de saúde mental dos estudantes —um legado da pandemia ainda presente nas escolas— requer a articulação de programas da área da saúde com a preparação dos profissionais da escola para a identificação de problemas e a criação de projetos em que os alunos também se organizem para apoiar os colegas que apresentem fragilidades, criando uma rede de apoio que ligue a escola, a família e os profissionais de saúde.

Por fim, os governos devem organizar a busca ativa dos estudantes, criar mecanismos de controle em cada escola para que alertem a possibilidade de evasão antes que ela ocorra, articular programas sociais de apoio às famílias e implementar um programa de renda que evite que o estudante em situação vulnerável troque a escola por um emprego precário.

É preciso trazer de volta os alunos mais pobres para a escola, engajá-los no processo de aprendizagem e garantir sua segurança e a de suas famílias para que sua trajetória escolar tenha sucesso. Uma tarefa complexa que só seria cumprida se os sistemas educacionais fossem capazes de se organizar a partir das necessidades dos estudantes, e não o contrário.

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