É tempo de ler

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“É surpreendente, porém inegável. Da época clássica aos dias de hoje, o livro, como objeto, mudou muito pouco.“ Embora a afirmação feita na obra “O Livro Depois do Livro“, pela professora e pesquisadora Giselle Beiguelman, da PUC de São Paulo, esteja correta quando se discute o suporte usado para publicação de obras escritas desde os tempos da invenção da prensa com tipos móveis por Gutenberg, em meados do século XV, o mesmo não se pode afirmar sobre o mercado editorial e necessidade de se desenvolver uma política cultural de incentivo à leitura, principalmente quando o foco da questão é o Brasil.  
 
A abertura da “18 Bienal do Livro de São Paulo“, no Centro de Convenções Imigrantes, no próximo dia 15 – veja matéria nas páginas 4 e 5 deste caderno – marca o início de uma convergência entre o governo, os editores e livreiros do País. O objetivo comum é ampliar o número de leitores por meio de uma ação de longo prazo para assim também ampliar o mercado brasileiro de obras não-didáticas. Os obstáculos são muitos e envolvem questões complexas como a má distribuição de renda do País e o fato de apenas 25% dos brasileiros dominarem plenamente as habilidades de leitura e escrita, conforme dados recentes divulgados pelo Instituto Paulo Montenegro, do grupo Ibope, no Índice de Alfabetismo Funcional (INAF), divulgado no final de março.  
 
Só que em vez de ficar esperando pelos futuros leitores, entidades privadas e particulares resolveram partir em sua conquista. “Temos que ser parceiros do governo para que o hábito de leitura cresça“, defende o presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), entidade responsável pela organização da Bienal do Livro, Oswaldo Siciliano. Com mais de meio século dedicados ao setor, o livreiro frisa que o Brasil voltou sua atenção para a questão há uma década e, desde então, tem desprendido esforços para estimular cada vez mais a leitura no País. A própria Lei n10.753, sancionada pela Presidência da República em outubro passado, é confirmação disto.  
 
Os motivos são óbvios. Não há nação desenvolvida no mundo em que a leitura não tenha ocupado um papel primordial em seu aprimoramento educacional e social. “O governo brasileiro tem plena consciência que o desenvolvimento do País passa pelo crescimento do hábito da leitura“, comenta Siciliano. O novo “Programa Nacional de Biblioteca Pública e Leitura“ confirma a afirmação do presidente da CBL. “Este plano é muito importante para o Brasil“, observa o presidente da Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago, órgão responsável pela implantação de ações na área por parte do Ministério da Cultura (Minc). Seguindo o direcionamento da pasta para outras áreas culturais, a nova política do governo é receptiva e espera contar com o apoio do setor privado e ONGs para sua realização.  
 
“Mais de 1,2 mil municípios no Brasil não possuem biblioteca“, comenta Lago para justificar porque o novo plano, denominado “Fome de Livro“, começa justamente pelo lado mais ambicioso e caro: a instalação de bibliotecas públicas em todos os municípios brasileiros que não a possuem até o término do mandato do governo Lula, em 2006. A previsão é que a ação consuma aproximadamente R$ 75 milhões que virão em parte do Fundo Nacional de Cultura, do Minc e da captação de patrocínio das empresas privadas via Lei Rouanet.  
 
Para a coordenação e implantação do novo programa foi escolhido Galeno Amorim. Ex-secretário da Cultura de Ribeirão Preto, o jornalista desenvolveu na cidade o programa “Ribeirão das Letras“ que em três anos implantou na cidade 60 bibliotecas, devendo chegar a 80 até o final deste ano. Segundo Amorim, o fato de o município paulista possuir uma biblioteca para cada 6 mil habitantes, número considerado alto até em países desenvolvidos, aumentou em 50% os índices de leitura em apenas dois anos, inclusive em áreas mais carentes da cidade, onde foram montadas bibliotecas dentro de unidades da Febem e associações de moradores.  
 
Os editores e livreiros, principalmente aqueles ligados ao segmento de obras gerais, têm total interesse no projeto. O próprio Siciliano comenta que tem feito reuniões regulares com membros do Minc e da Biblioteca Nacional para que o plano saia do papel. O mercado sabe que para crescer é preciso democratizar o acesso ao livro a todas as camadas da população. A média de leitura de livros por habitante hoje no País é de 1,8 por ano. Baixa se comparada com a da França que atinge 7 obras por ano. Mas o que seduz é justamente o potencial de crescimento que o Brasil possui.  
 
“Aposto que entre 2010 e 2012 o País terá um mercado editorial 50% maior do que tem hoje“, calcula Siciliano. O Brasil produz hoje aproximadamente 339 milhões de exemplares por ano, o que gera um faturamento de quase R$ 2,2 bilhões, segundo dados levantados em 2002 pela própria CBL. Embora a entidade não tenha divulgado ainda os números referentes a 2003, já se sabe que os números serão bastante parecidos com os do ano anterior. “Em 2003, o mercado ficou estagnado por conta da conjuntura econômica“, confirma Siciliano.  
 
As análises de crescimento do mercado a médio prazo, se apóiam em dois fatores. Primeiro, o número de universitários está crescendo anualmente no Brasil, “o que pode gerar um aumento de 20% do número de leitores só deste segmento no decorrer da próxima década“, calcula Siciliano. Em segundo lugar, há que se considerar o fato de que qualquer aumento da renda per capita da população, por menor que seja, tem efeito imediato no consumo de livros, como lembra o presidente do Grupo Record, Sérgio Machado, maior editora de obras gerais do País, que é proprietária também de selos tradicionais como o “José Olympio“ , “Civilização Brasileira“ e “Bertrand Brasil“.  
 
Do alto da experiência de quem comanda uma editora que está no mercado desde 1942, Machado cita como exemplo para validar sua afirmação, o fato de que todas as vezes em que o governo implementou um novo Plano Econômico o consumo de livros cresceu. “O Brasil já avançou bastante na questão da leitura nos últimos dez anos e a longo prazo tem trajetória ascendente“, observa ele. Machado também concorda que a ampliação do mercado passe necessariamente pelo desenvolvimento do hábito de leitura dos brasileiros e comenta que em países desenvolvidos, como a Suíça ou a França, é mais difícil ampliar o consumo de livros. “Nestes países, mesmo que a renda per capita dobre, o consumo de livros continuará o mesmo, pois o hábito de leitura já está difundido na população.“  
 
“Devemos trabalhar voltados para a ampliação do mercado“, comenta o presidente da Record, criticando o sistema de mecenato desenvolvido pela Lei Rouanet que estimula o escritor a produzir, mas não a publicar sua obra. “A atitude correta é estimular o consumo de livros para que a partir das vendas os editores remunerem as criações dos escritores por meio de pagamento de direitos autorais“, defende ele, lembrando que o modelo atual de estímulo à produção literária brasileira ainda reproduz os padrões de mecenato praticados pelo Império no século XIX.  
 
A bem da verdade, o consumo de livros e, conseqüentemente, o hábito de leitura no Brasil esbarra na velha questão da desequilibrada distribuição da renda nacional. A afirmação de Oswaldo Siciliano de que “não é o livro que custa caro, mas o poder aquisitivo do brasileiro que é baixíssimo“ faz de fato sentido, quando se atenta ao dado de que 2,4% das famílias detêm 33% da riqueza nacional, como revelou na última semana o “Atlas da Exclusão Social – Os Ricos no Brasil“. O estudo foi feito a partir de dados dos Censos do IBGE e publicados pela editora Cortez.  
 
O livro brasileiro custa em média 50% do valor em dólares das publicações americanas, e isto considerando que a renda per capita nos Estados Unidos é infinitamente maior. Siciliano explica que a produção de um livro tem custos fixos, como a compra dos direitos autorais, a revisão e a divulgação, que representam mais de 50% do valor total. E que somente o aumento da tiragem é que pode reduzir os preços de uma publicação. “Preço no mercado editorial é questão de escala“, explica.   

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