O presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), Dante Cid, esteve na tarde da terça-feira (2) na Câmara dos Deputados, na Comissão Especial Sobre Inteligência Artificial, para discutir o PL 2338/23, que trata sobre o assunto. O tema debatido nesta terça foi IA generativa e direitos autorais, e contou também com o diretor jurídico, administrativo e de relações institucionais na Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), Dalton Morato. Dante representava, além do SNEL, a Abrelivros e a CBL. Os especialistas convidados para o debate, porém, divergiram sobre os direitos autorais diante do avanço da tecnologia.
Em sua fala, o presidente do SNEL ressaltou que as plataformas de IA precisam de informações de qualidade para conseguir resultados confiáveis, e isso impacta diretamente a produção cultural do Brasil.
“Esta qualidade advém da criatividade e trabalho humanos, refletidos em obras literárias, musicais, audiovisuais e outras, que compõem a riqueza da cultura nacional”, explicou Dante. “Entregar de bandeja para plataformas do mundo inteiro para usar de forma livre, não licenciada, é um risco enorme para o setor cultural brasileiro”, enfatizou.
Para Dante, há a necessidade de exclusão do artigo 63 do projeto de lei, por desrespeitar diretamente a regra dos três passos contida no art. 9.2, da Convenção de Berna e no art. 13 do Acordo TRIPS (tratados internacionais com status constitucional – art. 5º, §2º, CF), devido ao risco de uso derivado dos resultados por empresas de IA no futuro.
O artigo 63, na atual redação, afirma: “Não constitui ofensa aos direitos de autor e conexos a utilização automatizada de conteúdos protegidos em processos de mineração de textos e dados para os fins de pesquisa e desenvolvimento de sistemas de IA por organizações e instituições científicas, de pesquisa e educacionais, museus, arquivos públicos e bibliotecas, desde que observadas as seguintes condições”.
Perigo para a cultura brasileira?
O diretor jurídico da ABDR fez coro com as afirmações de Dante, pedindo, igualmente, a exclusão desse mesmo artigo, por acreditar que ele é um perigo para a cultura brasileira. A exceção proposta no artigo não se restringe a certos casos especiais. Ao contrário, permite usos generalizados e em larga escala.
De acordo com essa avaliação, os amplos usos (“utilização automatizada”) previstos permitem a diversas categorias de beneficiários (“por organizações e instituições científicas, de pesquisa e educacionais, museus, arquivos públicos e bibliotecas”) utilizar sem autorização conteúdos protegidos por direitos de autor não só para fins de treinamento de sistemas de inteligência artificial, como também em processos produtivos destes sistemas.
O artigo permitira usos que vão muito além da reprodução de obras protegidas sem autorização, afetando os direitos exclusivos de distribuição, adaptação, comunicação pública e colocação à disposição – direitos que não são necessários aos fins pretendidos de incentivar a pesquisa.
“Os produtores de conteúdos devem ser remunerados tanto no input como no output”, afirmou Morato, usando os termos técnicos em inglês para a entrada e a saída de dados dos sistemas de Inteligência Artificial generativa.
Dalton também participou recentemente do Podcast do PublishNews para falar sobre o assunto.
O debate na Comissão
O secretário de Direitos Autorais e Intelectuais do Ministério da Cultura, Marcos Alves de Souza, defendeu que os operadores de IA generativa mantenham registro do material usado no treinamento dos modelos e remunerem os autores de forma inalienável e irrenunciável.
Ele afirmou que o projeto respeita a Constituição ao prever remuneração compensatória, mesmo sem exigir autorização prévia, como estabelece a Lei de Direitos Autorais. Para Souza, a cobrança de direitos deve ocorrer apenas sobre os dados de entrada (input) usados pela IA. “O PL é razoável porque, ao afastar a regra da autorização prévia, ele ainda assim consegue seguir a Constituição, evitando criar um embaraço para o desenvolvimento tecnológico”, reforçou.
Segundo ele, o Brasil não adota a regra do fair use (uso aceitável), que permite treinar IA sem restrições autorais em outros países. Ele citou decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que autorizou a cobrança de direitos autorais de uma empresa que executava músicas geradas por IA.
Souza também defendeu reforço à cláusula de lavagem de dados, para impedir que empresas derivadas de incubadoras universitárias usem dados de pesquisa apenas com fins comerciais.
Remuneração e modelo tecnológico
Já o professor Juliano Maranhão, da USP, argumentou que o treinamento de IA não viola direitos autorais porque não utiliza obras individuais, mas sim modelos agregados de informação.
Ele avaliou que vincular a remuneração dos criadores ao modelo tradicional de direitos autorais pode gerar insegurança jurídica e afastar investimentos no setor de IA no Brasil.
Controle por autores
A gerente de políticas públicas da Meta, Margareth Kang, concordou e também defendeu regras mais flexíveis. Para ela, os autores devem controlar seus conteúdos por meio de ferramentas eletrônicas que bloqueiem o acesso da IA, como o protocolo robots.txt.
“Essa é a solução correta porque o treinamento de modelos requer o uso de conjuntos de dados em escala já que os modelos estão treinados com bilhões de informações publicamente disponíveis na internet. Fica impossível para quem treina os modelos de IA saber definitivamente se aquele dado específico é protegido por direito autoral”, defendeu.
Ela reforçou ainda que a IA generativa não busca reproduzir obras, mas identificar padrões de linguagem.
O protocolo robots.txt, conhecido também como Protocolo de Exclusão de Robôs, é um método empregado por administradores de sistemas para informar aos robôs visitantes quais diretórios de um site ou arquivo não devem ser vasculhados por eles. Um arquivo no formato texto (.txt) funciona como “filtro” para os robôs dos motores de busca da Internet, permitindo ou bloqueando o acesso a partes ou à totalidade de um determinado conteúdo.
Mineração de dados
A especialista em IA e direitos autorais Adriana Rollo também sugeriu alterar o artigo 63 do projeto. O texto atual permite mineração de dados (data mining) sem violar direitos autorais apenas em empresas sem fins lucrativos. Ela destacou que 90% das inovações no setor são financiadas por empresas privadas e alertou que a regra pode prejudicar a competitividade do Brasil no mercado global de IA.
Relatoria
O relator do projeto, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse que ainda vai avaliar as contribuições recebidas e que sua intenção é “aperfeiçoar o texto do Senado” e aprovar uma lei que “não se torne obsoleta”.