Crise na Educação: dois milhões de alunos de escolas rurais passaram 2020 em casa e sem acesso digital

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Com escolas distantes e pouco acesso à internet, crianças de áreas rurais sofreram os impactos da pandemia mais do que seus colegas em áreas urbanas. Dados do Inep apontam que, se o ensino remoto brasileiro foi majoritariamente uma combinação de materiais impressos com aulas no WhatsApp, 40% das escolas do campo passaram 2020 inteiro apenas com apostilas.

Isso significa baixa interação com professores e falta de materiais complementares digitais. Juntas, elas reúnem cerca de 2,1 milhões de estudantes.

Diretora do Centro Transdisciplinar de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural da Universidade de Brasília, Mônica Molina explica que até o acesso aos materiais impressos foi problemático. Segundo ela, as famílias tiveram muitos problemas em conseguir buscar as apostilas nas sedes das escolas, pela distância de onde as crianças moram e a escassez de transporte público nessas áreas.

— Nos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), até se tentou usar mais o WhatsApp, mas o sinal é em geral muito ruim. Os pais só conseguiam baixar as atividades quando precisavam ir para a cidade resolver alguma coisa — afirma Molina.

Cinco dos seis filhos de Maria Antônia Martins, de 40 anos, estudam nas escolas rurais de São Pedro da Aldeia, no estado do Rio. Um dos colégios fica a 40 minutos da casa da família usando o transporte escolar; outro, a uma hora.

— Só consegui pegar as apostilas três vezes porque não consigo ir à escola. É muito longe da minha casa, e não posso faltar ao trabalho para não ser descontada. O dinheiro já não dá até o fim, não posso perder nada — diz.

Ela conta que as crianças só conseguem estudar quando a família pode pagar a conta da internet, o que tem ficado cada vez mais difícil.

— O meu mais novo de quatro anos eu só matriculei. Nem estudar, estudou. Estou pedindo a Deus para que o estudo volte logo lá na

Dados do IBGE mostram que 49% das famílias nas áreas rurais não possuem acesso à internet. Na área urbana, são apenas 25%.

— Nessa pandemia, ficou patente como a precariedade da infraestrutura se refletiu na imensa piora das condições de aprendizagem das populações camponesas — diz Molina.

Esforço dos educadores

Ao redor do país, prefeituras tentaram minimizar a falta de equipamentos digitais com sistemas de delivery de tarefas. Os ônibus escolares, então, em vez de carregar crianças, passaram a levar apostilas.

— Alguns poucos municípios fizeram isso. O que vimos principalmente foi a falta do Estado. Enquanto isso, os educadores se desdobraram, fizeram milagres para garantir a aprendizagem dos estudantes — afirma a especialista.

No extremo Norte de Roraima, o professor Telmo Ribeiro, de 48 anos, percorre até 12 quilômetros para levar materiais impressos da comunidade Matri, dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol, aos alunos da escola indígena Presidente Afonso Pena.

O caminho é feito de moto na época de seca, mas, na temporada chuvosa, entre junho e agosto, é preciso ir de moto, bicicleta, a pé e nadando.

— Os igarapés enchem e não dá para passar. Colocamos as apostilas em cinco sacos de lixo, amarramos uma corda e vamos puxando nadando — conta o professor, que atua há 30 anos no local onde nasceu. — Recebemos a orientação de deixar a tarefa da entrega para a direção, mas, na nossa escola, decidimos que o professor levaria o material. Assim a gente aproveita, dá orientações e tira dúvidas das crianças.

Em Cachoeiras de Macacu, no interior do Rio, a professora Claudineia de Oliveira, de 48 anos, andou mais de duas horas para chegar até um pequeno povoado que vive isolado numa área sem acesso a transporte de nenhum tipo.

— Fui levar material de estudo e chamar as famílias para buscarem apostilas durante o ano. E deu certo. Eles têm aparecido agora — conta.

Ameaça de extinção

Na avaliação de Molina, há uma série de componentes que explicam esse processo. Entre eles, está a concentração de alunos do campo em escolas urbanas, o que prejudica os estudantes na avaliação da especialista.

“Entre outras diversas graves consequências, constatou-se que estes fechamentos têm provocado evasão precoce da juventude camponesa da escola, dadas as longas distâncias a percorrer e os longos períodos fora de casa; os riscos das estradas; e a precariedade dos transportes a eles disponibilizados”, escreveu Molina no artigo `A educação no campo e o enfrentamento das tendências das atuais políticas públicas`.

— Há muito interesse das prefeituras de terem demanda para transporte escolar, que envolve grandes quantias e podem ser dominadas por empresários locais com influência na política — afirma.

Só o Amapá, Roraima e Mato Grosso do Sul aumentaram o número de unidades no campo — este último, em 47%. Já em Rondônia foram fechadas 1.800 escolas rurais das 2.201 que o estado tinha.

— A própria lógica hegemônica da agricultura brasileira vinculada ao agronegócio também acelera esse processo. A retirada da escola de uma comunidade é a principal forma de tirar aqueles moradores da área e, assim, conseguir organizar a agricultura que precisa de espaços vazios para enormes monoculturas — critica Molina.

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