“Crianças que leem moldam melhor seus caminhos”

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Escolhido como a Personalidade Literária da 65ª edição do Prêmio Jabuti, o escritor Pedro Bandeira é o entrevistado da newsletter Abrelivros em Pauta deste mês. Ele destacou a importância da literatura infantojuvenil para a geração de novos leitores e também a homenagem que recebeu. “Isso mostra que, neste momento, no Brasil, a literatura infantil ocupa um lugar importante. A homenagem a mim impulsiona os escritores nacionais de literatura infantil, dando esperança de que o gênero tenha mais espaço no mercado e na imprensa”, diz. O autor falou ainda sobre o incentivo à leitura e a resiliência do livro diante das diversas formas de entretenimento contemporâneas. Para ele, o papel dos professores e da leitura é fundamental no desenvolvimento educacional das crianças e jovens.

Como o senhor vê a decisão do Prêmio Jabuti de homenagear um autor de literatura infantil?

Vejo com muito bons olhos. Há muitos anos, a CBL promove no Prêmio Jabuti o melhor livro de literatura infantil e o melhor livro de literatura juvenil. Nunca deixou de prestigiar esses gêneros. Como Personalidade do Ano, creio que sou o segundo autor de literatura infantil a ser escolhido, depois de Ruth Rocha. Isso mostra que, neste momento, no Brasil, a literatura infantil ocupa um lugar importante. O adulto que não leu na infância dificilmente lerá depois, não foi conquistado pela leitura. Se nos dedicarmos à literatura infantil e juvenil, estaremos criando uma nova plateia grande e informada para a literatura adulta.

A profissão de escritor não é fácil, especialmente no gênero adulto, em que muitos autores têm profissões paralelas para se manterem. Outro gênero que sofre é o da poesia; quase ninguém compra obras de poesia. Lembro do grande esforço de Mario Quintana para entrar na Academia de Letras, devido ao cachê que receberia. Ninguém comprava seus livros. Em uma ocasião, Quintana, enfrentando dificuldades financeiras, recebeu auxílio do jogador de futebol Falcão, que comprou um hotel e cedeu um espaço para o poeta viver.

As entidades podem incentivar, mas não resolverão o problema da literatura adulta. Em países com um grande número de leitores, o livro é importante; depois, as histórias vão para o cinema e seguem fazendo sucesso. Aqui no Brasil, o escritor passa por dificuldades ao longo de sua carreira.

A homenagem a mim impulsiona os escritores de literatura infantil do Brasil, dando esperança de que o gênero tenha mais espaço no mercado e na imprensa.

Hoje, o senhor é um dos principais escritores de literatura infantojuvenil do Brasil. Como é ver sua obra atravessando gerações, sendo apresentada pelos pais aos seus filhos, e encontrar esses leitores?

É uma surpresa muito gostosa. Significa que certos livros, quando têm qualidade, se transformam em clássicos. ‘O Gênio do Crime’, do saudoso João Carlos Marinho, por exemplo, ainda é um clássico que todos compram e se divertem. E há livros estrangeiros que foram feitos especialmente para jovens. Obras de autores como Robert Louis Stevenson, que têm 150 anos, Oliver Twist, que escrevia especialmente para jovens, e Mark Twain, são lidos até hoje porque possuem obras clássicas. Assim como ‘Bisa Bia, Bisa Bel’, de Ana Maria Machado, ‘A Bolsa Amarela’, de Lygia Fagundes Telles, ‘Marcelo, Marmelo, Martelo’ e o ‘O Reizinho Mandão’, de Ruth Rocha, sempre serão lidos. Não dependem do tempo. Os meus livros da série ‘Os Karas’ já têm 40 anos, os da Ruth passam dos 50. São livros que durarão para sempre.

O que o motiva a escrever para esse público até hoje?

Sou um escritor, educador e minha função política é ajudar numa revolução educacional necessária ao Brasil. Uma revolução que não passa apenas pela alfabetização, mas pelo letramento pela compreensão leitora. Vejo hoje as crianças de 10 anos, por exemplo, tendo dificuldade de letramento. Nessa idade precisam ter compreensão leitora total. As crianças não podem chegar ao final do Ensino Fundamental 1 mal letradas. Tenho uma preocupação enorme nesse sentido.

Como saber se essa criança atingiu o letramento? Treinando, lendo e escrevendo muito. Por isso, nós autores, devemos oferecer livros gostosos, agradáveis, com mistério, aventura, etc., para que elas leiam com prazer e assim conquistem a prontidão leitora. Caso contrário, contaremos com adultos que mal leem, o que infelizmente sabemos que já é uma realidade.

As pesquisas mostram que a população brasileira possui um baixo índice de leitura. Para o senhor, como incentivar e aumentar o hábito da leitura e, para os pais, como fazer as crianças ficarem menos na frente das telas e lerem mais livros?

Muitas vezes, as crianças não têm o estímulo da leitura em casa. Outro dia, conversando com uma professora, ouvi que os alunos cujas mães têm o Ensino Médio completo são melhores. As mulheres são mais presentes e estimulam mais os filhos na aprendizagem.

Se a nova geração for letrada adequadamente teremos avanço. Se pararmos onde estamos não será possível. Lembro que antigamente, a maioria das residências não possuía aparelho de televisão, e para assistir a filmes era preciso ir ao cinema. Os filmes eram estrangeiros e precisávamos aprender a ler rapidamente as legendas. Tínhamos que treinar. O mesmo acontecia com os gibis, que nos ajudavam a treinar a compreensão leitora. Hoje, temos a facilidade da opção de dublagem em filmes, então as crianças não estão treinando isso.

Considerando a importância da leitura no desenvolvimento educacional, quais estratégias o senhor sugere para integrar literatura infantojuvenil nas escolas, e como os educadores podem utilizar essas obras para fomentar o amor pela leitura desde cedo?

As professoras são heroínas. Só que não são respeitadas como são em outros países. O magistério não é nem respeitado pelos pais das crianças que estão sendo educadas. Esse é um problema enorme. Temos que apoiá-las, inclusive para atrair os melhores profissionais.

Temos problemas difíceis na Educação, vamos depender do governo e dos deputados para dar melhores salários aos professores. É uma briga grande, mas vamos continuar.

Gostaria que os professores trabalhassem a literatura infantil como vida, adotar um livro por bimestre é muito pouco. Gostaria que as crianças tivessem uma caixa de livros para que pudessem escolher diversas opções de leitura. Para aprender piano, por exemplo, é preciso treinar por horas durante anos; ler também é uma questão de quantidade. Quanto mais você aumenta o vocabulário, mais treinado estará. Peço sempre para os professores forçarem a língua. Numa situação de desentendimento, peça para os alunos conversarem por escrito. Assim, eles estarão treinando a escrita. Desta forma, percebemos o quanto escrever bem é importante. Temos que lutar pela língua; se a criança for bem nesse âmbito, conquistará a compreensão humana.

Façam com que as crianças leiam, pois assim elas poderão escolher melhor seus caminhos. Se não lerem, não saberão como escolher entre as opções disponíveis. Sem a leitura, não desenvolverão convicções firmes nem conquistarão a habilidade de pensar criticamente.

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