Cortinas de fumaça

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Com o ano eleitoral se aproximando e sem resultados para apresentar na educação, o governo Bolsonaro deve cada vez mais apostar em diversionismos para mobilizar sua base radical.

O mais recente é a proposta, revelada por Paulo Saldaña na Folha de S. Paulo, de criar uma espécie de tribunal ideológico para vetar “questões subjetivas” e estar atento a “valores morais” no Enem. Ainda não se sabe quem comporia a comissão de censura, mas não é difícil imaginar o perfil, pois a prática comum do MEC atual tem sido a de nomear pessoas sem nenhum conhecimento técnico em avaliação para conselhos e cargos importantes no Inep.

Também na semana passada, o ministério anunciou que o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares seria implantado em 74 escolas em 2021, com a expectativa de chegar a “mais de 200 unidades escolares até 2023”. Supondo que todos os estudantes dessas escolas – super financiadas com verbas federais – gabaritem as provas do Pisa ou do Saeb (Sistema de Avaliação de Educação Básica), absolutamente nada vai acontecer com os indicadores de aprendizagem nacionais, já que elas representam 0,1% do total de 179,5 mil estabelecimentos de ensino do país.

Outro diversionismo está no projeto que regulamenta o ensino domiciliar, a única prioridade educacional do governo em sua agenda no Legislativo. Estima-se que 15 mil alunos estejam hoje em homeschooling no país, ou 0,03% dos 47.295.294 estudantes matriculados na educação básica. Supondo que esse total seja multiplicado por dez e na improvável hipótese de todas as crianças nessa modalidade terem desempenho melhor, de novo, podemos concluir que nem uma vírgula irá se alterar nos indicadores nacionais de aprendizagem.

Nem só de agendas irrelevantes vive o MEC da gestão Bolsonaro. Por exemplo, o diagnóstico sobre a necessidade de expansão do ensino profissionalizante está correto. O problema é que neste caso, com real potencial de impacto na qualidade, os resultados são pífios: o investimento federal caiu de 2015 para 2021 e as matrículas só cresceram, ainda assim em ritmo lento, graças às redes estaduais.

Na ausência de bons resultados, sites bolsonaristas tentaram se apropriar da melhoria de 0,4 ponto no Ideb, registrada de 2017 a 2019 no ensino médio. Neste nível, 84% das matrículas estão em redes estaduais e 12% no setor privado. Tão falacioso quanto atribuir esse avanço a um governo que estava em seus primeiros meses – e que em menos de cinco meses já havia trocado de ministro – seria responsabilizá-lo caso os resultados fossem em direção oposta.

A incompetência atrapalha até a execução de operações básicas, como o repasse de verbas para municípios e a compra de livros didáticos. Neste último caso, na semana passada, Abrelivros e Abrale (que representam editoras e autores de livros didáticos) divulgaram nota alertando que o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) de 2023 está comprometido, pois o MEC sequer conseguiu esclarecer dúvidas básicas essenciais para a elaboração dos livros.

O problema é ainda mais grave do que o anunciado e pode refletir na falta de livros didáticos já no ano que vem. Em situações normais, editoras já deveriam estar produzindo todos os exemplares previstos para 2022. Mas cerca de 140 milhões de livros para repor obras do ensino fundamental e os primeiros materiais já alinhados ao novo ensino médio ainda não foram garantidos por causa da crise orçamentária e da inconstância que marca o MEC. Só para ilustrar: estamos no sexto Secretário da Educação Básica em dois anos e meio de governo.

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