Há algumas décadas Monteiro Lobato afirmou que um país se faz com homens e livros. Hoje, o sorriso de Cléo Pires ao manusear um exemplar nos comerciais televisivos é a nova arma do Ministério da Cultura (Minc) a favor da disseminação das palavras prensadas. O editor visionário e a atriz global compartilhariam, se não houvesse a barreira do tempo, o otimismo em relação ao crescimento do mercado editorial brasileiro e, por conseqüência, do número de leitores. O entusiasmo é palpável nas feiras literárias que se multiplicam e em projetos que pretendem materializar a Lei do Livro, todos parte do melhor desempenho do mercado editorial festejado durante o ano.
Em meio às comemorações e brindes, há aqueles que preferem ver o copo meio vazio e a esses não falta munição. O Instituto Paulo Montenegro, braço do Ibope, apresentou os resultados do 5º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional e apontou que apenas 26% dos brasileiros são plenamente alfabetizados, ou seja, entendem o que escrevem e lêem. A constatação reforça a pesquisa realizada pelo IBGE em 2003 que concluiu não chegar a dois volumes a média de livros adquiridos anualmente pelos brasileiros. Para completar a saraivada, uma pesquisa financiada pelo BNDES no ano passado revelou que entre 1995 e 2004 a quantidade de livros vendidos caiu 51%, enquanto o valor do preço de capa teve uma perda de 49%. O levantamento mostra que o comprador de livros quase sempre é da classe média, que desde 95 teve uma perda de 21% em sua renda e rareou visitas às livrarias.
Os entraves ao ´´pleno exercício do direito de acesso e uso do livro´´ foram debatidos durante a última Primavera dos Livros, há três semanas, entre editores e os economistas Fábio Sá Earp e George Korni, autores da pesquisa do BNDES. Eles ampliaram o estudo e dessa vez, além dos números deprimentes, apresentaram propostas de alternativas. Denunciando uma crise que os editores tentam escamotear, os economistas listam necessidades óbvias, como a criação de bibliotecas e programas que barateiem as publicações – além de projetos mais polêmicos, como o uso de um vale-livro para universitários e a simplificação dos processos de empréstimo no BNDES, que ainda não conta com profissionais aptos a trabalhar com as peculiaridades do setor editorial. A mudança mais importante, porém, segundo Fábio Sá, é a atitude do setor livreiro:
– A situação do mercado editorial não mudou. O último dado que temos é uma queda de vendagem de 51% com tendência a piorar esse ano. O otimismo é plantado pelo governo desde 2002 e não se baseia em resultados, mas em esperança – afirma.
O governo rebate com os números das ações do Ministério da Cultura que até agora levaram a bandeira da Lei do Livro com sucesso evidente – no campo simbólico. No ano Íbero-Americano da leitura, o Viva Leitura e projetos como livros digitais para deficientes visuais e abertura de 1300 bibliotecas não podem passar desapercebidos. Mas com a demora em regulamentar a Lei do Livro, na prática apenas duas ações foram concluídas. A primeira delas é a possibilidade de financiamento pelo BNDES para os pequenos e médios editores, além do uso de um cartão especial para facilitar a compra de papel. Segundo Felipe Lindoso, editor e autor de O Brasil pode ser um país de leitores (Summus), a medida é importante, mas não suficiente para uma mudança efetiva.
– O setor editorial enfrenta uma descapitalização imensa, contraditória em um mercado com possibilidade de crescimento grande e uma população ainda jovem de leitores. O que o setor precisa é de investimento para assumir os riscos de apostar na leitura. Não é coincidência que estrangeiros como o grupo espanhol Santillana estejam interessados em investir no mercado brasieiro – opina.
A segunda ação concreta do Minc foi a desoneração fiscal do livro, que liberou as obras das taxas de PIS/Cofins, responsáveis pela perda de até 9% no faturamento do setor livreiro. A economia será revertida para a formação de um Fundo Pró-Leitura, composto pela contribuição voluntária de 1% do faturamento das editoras brasileiras. Segundo o Minc, a regulamentação do fundo está nas mãos da Câmara Setorial do Livro e Leitura (CSLL).
– Ainda este mês toma posse a CSLL, formada por representantes do Estado, setor privado e terceiro setor, e a primeira pauta a ser votada é a regulamentação da Lei do Livro. A aprovação do fundo trará benefícios ainda mais rápidos. A previsão é arrecadar R$ 45 milhões anuais, o que corresponde a sete vezes o orçamento destinado aos livros do ano passado – detalha o coordenador do Plano Nacional do Livro e Leitura, Galeno Amorim.
A atuação do Minc, embora reconhecidamente inovadora – se comparada aos governos anteriores – é frágil, segundo Felipe Lindoso. Ele destaca a importância da criação de um órgão responsável, como o antigo Instituto Nacional do Livro e da Leitura. Fábio Sá acrescenta que ações como descontos no imposto de renda para quem fizesse doações ao Fundo Pró-Leitura poderiam multiplicar os 45 milhões mencionados por Galeno.
Além das propostas, discussões antigas como as fusões que se multiplicaram nos últimos anos (como a compra de metade da Nova Fronteira pela Ediouro, da José Olympio pela Record, ou de 75% da Objetiva pela Santillana) ainda ganham espaço. Outro debate clássico é a adoção do preço fixo de capa, que poderia ajudar as pequenas editoras na competição com as grandes redes. Carlo Carrenho, editor e autor do ensaio ´´The Brasilian Book publishing industry and its current challenges´´ , que será publicado no próximo mês na revista americana Publishing Research Quarterly, acha que as fusões são parte natural de uma mercado que está crescendo e que o preço fixo seria um grande estímulo a competição.
– Nos EUA, se você fica um mês sem ler jornal não sabe quem pertence a quem no mercado editorial. É uma movimentação normal. A adoção do preço fixo ajudaria na competição e acabaria com a supremacia do best-seller, os descontos que as grandes redes conseguem nos livros mais vendidos. Na Europa, vários países, como a França, têm tido bons resultados – opina.
A realidade do país de Victor Hugo não reflete os miseráveis brasileiros e tampouco a aristocracia tupiniquim, que segundo a pesquisa do BNDES costuma investir em jatinhos e não em livros. O desafio nacional é sair do plano da formação cultural de maneira efetiva e investir em ações que tornem o livro um bem acessível, deixando a encenação e esperança a favor de um otimismo realista.