Confusão ortográfica

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É o fim dos tremas… e, para muitos, o fim dos tempos. Esses pontinhos simpáticos que habitam o topo da letra u em palavras como “conseqüência” vão sumir de nossa escrita. Em breve, o sinal gráfico só poderá enfeitar as palavras estrangeiras. “Nem sequer se emprega na poesia”, diz o implacável Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que entra em vigor a partir de janeiro de 2009.  
 
O acordo tem por princípio unificar a forma de escrever nos oito países em que o português é língua oficial. Ele foi aprovado em 1990, mas passou por vários trâmites até 2006, quando se reuniram as ratificações de três países, o mínimo para pô-lo em prática: Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Em 2008, foi a vez de a matriz da língua, Portugal, capitular. Mas não sem choro. Segundo os especialistas que criaram o acordo, 1,6% do vocabulário português seria afetado, em comparação a 0,5% do brasileiro. Entre as mudanças está a eliminação das divertidas consoantes lusas, que não são pronunciadas, mas continuavam grafadas em palavras como “acto”. Escritores e acadêmicos debatem o texto com emoção. Corre pela internet um manifesto contrário com mais de 90 mil assinaturas.  
 
“É natural que haja resistência em Portugal”, diz o lexicólogo Evanildo Bechara, uma das maiores autoridades em língua portuguesa no mundo. “Quando um filho tem uma solução inteligente para um problema da família, o pai fica irritado.” Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras, está à frente da elaboração do Vocabulário Ortográfico, um guia feito com a Academia de Ciências de Lisboa, que deverá esclarecer partes obscuras do acordo. Segundo Bechara, ele terá 360 mil palavras e será publicado na internet até dezembro.  
 
Os críticos do acordo afirmam que, com a falta de clareza, impõe-se um caos ortográfico. O próprio Bechara era contrário à forma como o acordo foi redigido. “Há lacunas, mas podemos fazer as mudanças necessárias.” O hífen é visto pelos críticos como uma espécie de pequena porteira para o inferno lingüístico. O acordo diz que ele deve ser extinto das palavras compostas cuja noção de composição se perdeu. O texto cita exemplos, como paraquedas e mandachuva… e três pontinhos. A interpretação desses pontinhos é subjetiva. Será que a regra vale para pára-raios? Para toca-discos? Agora impera um bate-boca (ih, é junto ou separado?) entre os minidicionários (palavra que continua a ser escrita assim, juntinha).  
 
Na Bienal de São Paulo, foram lançados três: o Houaiss (Objetiva), o Aurélio (Positivo) e o Michaelis (Melhoramentos). Cada um resolveu o banzé a sua moda. Enquanto Houaiss e Michaelis trazem “para-choque” (sem acento), o Aurélio preferiu “parachoque”. E chegou até a cometer um erro: grafou “manda-chuva”, quando a palavra aparece unida no acordo. “Achei prematuro publicarem os dicionários”, diz Bechara. “Eles provavelmente terão de sofrer mudanças após lançarmos o Vocabulário Ortográfico.” Para o especialista em ortografia Maurício Silva, autor de O Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Contexto), isso demorará mais que o prometido. “Há uma tradição das academias em nunca terminar seus dicionários”, diz.  
 
Com ou sem o Vocabulário, falta o presidente Lula assinar a data em que a nova ortografia passará a ser obrigatória. O mais provável é 2012. As editoras adaptarão as obras de interesse geral à medida que forem lançadas ou reeditadas. As que publicam livros didáticos já tiveram de revisar suas obras para oferecê-las às escolas públicas em 2010. Os exemplares desatualizados ficarão encalhados. “Incomoda-me que o dinheiro gasto nesse acordo não seja gasto em encontros culturais”, diz a escritora portuguesa Inês Pedrosa, sucesso no Brasil, mesmo com suas consoantes mudas. “Temos é de estreitar as pontes entre os países de língua portuguesa, na cultura, na economia, na política.”  
 
 

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