Brasil dá primeiro passo para unificar língua

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As duas ortografias oficiais da língua portuguesa -a do Brasil e a de Portugal- estão prestes a se tornar uma só. No dia 21 de outubro, o governo brasileiro aprovou um protocolo que deverá, em breve, promover a unificação. Com a reforma pela qual a língua passará, o trema deixará de existir, a não ser em nomes próprios e seus derivados, e o alfabeto passará a ter 26 letras -incorporará mais três: “k“, “w“ e “y“. 
 
O filólogo Antônio Houaiss, representante brasileiro durante as negociações com Portugal (que terminaram em 1990), aponta no livro “A Nova Ortografia da Língua Portuguesa“ cerca de 40 mudanças que terão de ser incorporadas ou à ortografia brasileira ou à portuguesa. 
 
As mudanças, no entanto, ainda dependem da aprovação do protocolo por Portugal e Cabo Verde. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa existe desde 1990, mas nunca foi implementado, pois precisava da ratificação de todos os oito membros da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Apenas três deles -Portugal, Brasil e Cabo Verde- haviam começado a adaptar suas legislações ao acordo. 
 
Para agilizar o processo de reforma da língua, os chefes de Estado da CPLP decidiram, na última reunião de cúpula, em meados deste ano, que bastaria a ratificação do acordo por três países para que ele passasse a valer. O protocolo assinado pelo Brasil ontem é o que permite a entrada em vigor do acordo com apenas três ratificações. 
 
O governo brasileiro conta agora com a aprovação do protocolo em Portugal e Cabo Verde. Para isso, o Ministério de Relações Exteriores pediu às embaixadas brasileiras nos dois países que promovam a aceleração da aprovação do protocolo. 
 
Mudanças 
 
As novas regras ortográficas obrigarão os portugueses a grafarem algumas palavras como no Brasil. O verbete “acção“ passará a ser “ação“. Os portugueses também terão de retirar o “h“ inicial de algumas palavras, como em “herva“ e “húmido“, que passarão a ser grafadas como no Brasil: “erva“ e “úmido“. 
 
Para as palavras que admitem diferentes pronúncias, manteve-se a possibilidade de duas grafias. Os brasileiros escreverão “fato“, e os portugueses, “facto“. As duas formas de grafar esse substantivo serão consideradas corretas nos países signatários do acordo. 
 
Segundo um integrante do governo ligado à área da cultura, que preferiu permanecer no anonimato para evitar desgastes com Portugal, a reforma fará com que o português falado no Brasil se torne o internacional. 
Mas os brasileiros também terão de se acostumar com mudanças. Não se usará mais o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos “crer“, “dar“, “ler“, “ver“ e seus derivados. A grafia correta será “creem“, “deem“, “leem“ e “veem“. O acento circunflexo em palavras terminados em hiato “oo“, como “enjôo“, também cairá. O acento também deixará de ser usado para diferenciar “pára“ (verbo) de “para“ (preposição). Alguns acentos já haviam sido abolidos no Brasil na reforma ortográfica de 1971. 
 
Na opinião de Carlos Alberto Xavier, assessor do ministro da Educação, a unificação da ortografia é importante para o futuro da língua portuguesa no mundo. O português é a terceira língua ocidental mais falada, atrás apenas do inglês e do espanhol. 
 
O fato de existirem duas ortografias dificulta campanhas de divulgação do idioma e a sua adoção em fóruns internacionais. 
 
“A entrada em vigor do acordo é condição essencial para a definição de uma política de promoção e difusão da língua portuguesa“, afirma nota divulgada ontem pelo Itamaraty. 
 
 
 
Unificação da ortografia é gesto político  
Folha de São Paulo – Thaís Nicoleti de Camargo  
 
Uma língua é muito mais que a sua ortografia. É um sistema de representação verbal que permite a comunicação entre os indivíduos. Como conjunto de mecanismos e recursos expressivos que traduzem a cultura de um povo, uma língua, quando falada em diferentes países, assume características próprias, decorrentes da trajetória histórica de cada um. 
 
O português falado em Portugal, no Brasil, em Moçambique, em Angola, na Índia ou na China é uma só língua. Variações ficam por conta da extensão do léxico, da grafia, do uso mais ou menos corrente de certas expressões ou estruturas sintáticas, da pronúncia, bem como da incorporação da influência de outras línguas. 
 
Unificar a grafia do português nos países lusófonos é antes um gesto político, no qual parece estar o mérito da ação. Afinal, estimula-se assim a mobilização em torno de um fator de identidade nacional e a conscientização da vitalidade do idioma e dos traços comuns entre as culturas que se expressam por meio dele. Isso tende a fazer surgir um maior intercâmbio entre as obras literárias produzidas nesses países. 
 
Outros aspectos da questão são o desgaste de reaprender algo que já está automatizado e o custo econômico de substituir os livros, sobretudo os didáticos, que envelhecem. 
 
Mas, passada a fase de transição, o saldo deve ser positivo. 
 

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