Thamyris esteve pela primeira vez em uma sala de aula antes dos 4 anos, quando começou a freqüentar a creche. Jonas entrou direto na 1ª série porque o ensino era obrigatório. Hoje, Thamyris está com 13 anos, cursando a 7ª série e pensa em fazer faculdade para ser professora. Aos 14 anos, Jonas também está na 7ª, repetiu um ano e diz que pretende ser técnico de som.
O caminho dessas duas crianças têm em comum a escola pública no Brasil, uma rede que abriga 48,5 milhões de alunos – cerca de 87% das matrículas no ensino básico, que vai do infantil ao médio. Desde a década de 90, o País praticamente universalizou o ensino fundamental, com 97% das crianças de 7 a 14 anos matriculadas. O problema, porém, é que quantidade não significa qualidade. Isso porque 55% dos estudantes da 4ª série estavam na faixa crítica ou muito crítica na área de leitura, ou seja, no máximo conseguiam ler frases simples, segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2003, último disponível pela classificação que variava de avançado a muito crítico.
Em dez anos, as médias gerais do Saeb, que avalia português e matemática, caíram até 32 pontos, sinalizando que a qualidade do ensino piorou. Além disso, o Brasil foi o último colocado entre 40 países no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2003 na aprendizagem de matemática e em 37º de português. É nesse contexto de abertura da escola para todas as crianças que Thamyris e Jonas foram parar nas salas de aula. Apesar de terem suas vagas garantidas, o incerto é até que ponto eles conseguiram aprender o previsto para crianças de sua idade. O Brasil tem pela frente o desafio de oferecer qualidade à grande quantidade de alunos na rede pública.
Tratada desde o século passado como prioridade nacional, a educação começou a ganhar nos últimos anos ações vindas de governos e entidades civis, incluindo grandes empresas e fundações. Isolados, os projetos têm apresentado resultados focalizados, mas que começam a ganhar visibilidade, servindo de exemplo para políticas públicas.
Pela primeira vez, o País terá uma meta para cada rede de ensino, seja ela municipal ou estadual, a ser atingida até o final de 2021. A proposta é chegar ao bicentenário da Independência, em 2022, com as crianças matriculadas na 4ª série sabendo o que os alunos de 8ª série conhecem hoje. Em números, a média geral dos alunos de 1ª a 4ª séries deverá passar dos atuais 3,8 para 6, numa escala de 0 a 10. Já as crianças de 5ª a 8ª séries, que têm média 3,5, só devem atingir 6 pontos em 2025. Para o ensino médio, em 2028. As metas estão no Plano de Desenvolvimento da Educação, lançado oficialmente na última semana pelo presidente Lula. Apesar de críticas pontuais, o projeto foi bem recebido por especialistas e políticos que atuam na área. Terá R$ 1 bilhão neste ano para ações de incentivo ao ensino, além do Orçamento do MEC. A previsão é chegar a R$ 8 bilhões até 2010 (leia texto abaixo).
No total, os governos – estaduais, municipais e federal – investem em educação pública cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Com a criação neste ano do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), a previsão é que em quatro anos o porcentual aplicado no setor suba para 4,5% do PIB. Mesmo assim, especialistas defendem atingir o patamar dos 6%.
A DIFERENÇA
Só com aumento de recursos não haverá o salto de qualidade esperado para o País. Mesmo não havendo uma fórmula única para melhoria do ensino, alguns ingredientes podem fazer a diferença. Exatamente para tentar estimular a discussão de como enfrentar as dificuldades no setor, o Estado publica a partir de hoje uma série de quatro artigos do diretor-executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, Norman Gall (págs. 18 e 19).
Aliado a isso, gargalos históricos precisam ser desfeitos. É o caso da capacitação de professores, sempre alardeada como uma das chaves para alavancar o desempenho do aluno na sala de aula, porém ainda inconsistente na prática. Estudo recém-divulgado pelo Ibmec São Paulo aponta que professores que passaram por cursos de capacitação oferecidos por redes de ensino não melhoraram o desempenho dos estudantes. Não porque os cursos não sejam importantes, mas pelo fato de que a oferta não tem suprido necessidades da sala de aula. Os próprios professores relatam despreparo para desempenhar suas funções.
Além do desafio do dia-a-dia, docentes e gestores da educação acabam não utilizando instrumentos já disponíveis que identificam os gargalos e ajudam a planejar ações de longo prazo. As avaliações existentes hoje acabam não entrando no debate.
A boa notícia é que a escola tem deixado de ser um problema só de pedagogos para se tornar tema de preocupação de vários setores da sociedade. Percebeu-se que, ao somar escola ruim, alunos desinteressados e jovens fora das salas de aula, o Brasil acumula falta de mão-de-obra qualificada, além de cidadãos despreparados para enfrentar os problemas de um País ainda em desenvolvimento.
Educação boa é …
Claudio Moura e Castro
Economista
“No Brasil, com ausência de um ensino básico eficiente, a escola boa é a que consegue ensinar o que o teste mede. Se ensinar isso, aí podemos passar para outro nível”
Maria Seabra Rezende
Presidente do Consed
“A boa escola é aquela onde as crianças aprendem e também exercem a cidadania. A criança deve ter domínio das competências e habilidades na idade certa”
Paulo Renato Souza
Ex-ministro e deputado
“Tornar a escola pública igual à de países desenvolvidos, com tempo integral, formação de professores e avaliação incorporada às políticas”
Maria do Pilar
Presidente da Undime
“Escola boa deve ser para todos e para todas as classes sociais. E ser contemporânea, sintonizada com os estudantes de hoje”
Cristovam Buarque
Ex-ministro e senador
“Ter as 164 mil escolas em horário integral, professores muito bem remunerados e dedicados, trabalhando com equipamentos modernos”
Silvia Colello
Educadora/USP
“Entre tempo de aula, turmas menores ou outros fatores, o importante é que a escola tenha um bom projeto pedagógico, com equilíbrio”