Biblioteca na escola: onde estais que não te encontro

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De acordo com o Dicionário Aurélio, a biblioteca, do ponto de vista etimológico da palavra, remete à definição de um “lugar onde se guardam livros“ (do grego bibliothéke) ou de uma “estante“ (do latim bibliotheca). Na condição de depositária de informações escritas (biblíon + téké = livro + caixa/depósito – veja-se Dicionário Houaiss), as bibliotecas surgiram no Oriente Médio, entre 3.000 e 2.000 a.C.; se desenvolveram ao longo dos séculos III (fundação, pelos gregos, da Biblioteca de Alexandria) e I a.C. (disseminação, entre os romanos, das bibliotecas particulares), dando origem ao comércio de copistas, ao aparecimento de livrarias e ao estabelecimento de bibliotecas públicas, estas marcadamente na Roma do século II d.C.  
 
Com a invenção da imprensa, no século XV (em 1455, Gutenberg imprime a Bíblia), e a expansão comercial, os livros tornaram-se relativamente mais acessíveis e o hábito da leitura aumentou, pelo menos entre os pouco alfabetizados. Logo mais adiante, ao longo dos séculos XVII e XVIII, a Europa se viu em meio a difusão de suas bibliotecas nacionais, agora também caracterizadas por conter obras de literatura popular, administradas por livreiros. Contudo, é somente no início do século XIX, que o Brasil vem a ter sua Biblioteca Nacional, localizada no Rio de Janeiro, fundada por Dom João VI, em 1810, que, após um século, veio transferir-se para a sua atual sede, na Avenida Rio Branco, no centro da atual cidade do Rio de Janeiro. Presentemente, o conceito, funções e formas de uma biblioteca sofreram diversas transformações¸ sobretudo em face das chamadas Bibliotecas Públicas Eletrônicas que, por meio da Internet, disponibilizam uma enorme variedade de títulos “virtuais“ – www.ebookcult.com.br/ebookzine/a_biblioteca.htm .  

Conforme pode ser observado, a biblioteca não se constitui em uma invenção recente do homem. Apesar disto, ao que tudo indica, ainda não se tornou realidade efetiva no Brasil, em particular no âmbito das escolas públicas, em que pese os 4 mil anos que nos distancia de seu surgir histórico. Em artigo assinado por Ricardo Prado, sob o título “Biblioteca, tesouro a explorar“, constante da edição n. 162 da Revista Nova Escola, de maio de 2003 – http://novaescola.abril.uol.com.br– , é sinalizado que somente 46 mil (26,7%) escolas de Ensino Fundamental no Brasil, de um total de 172 mil, possuem biblioteca ou sala de leitura, cenário que se afigura um pouco menos danoso no âmbito do Ensino Médio, no qual 81% das instituições escolares apresentam o aparelhamento em questão. Ao par deste cenário, é ainda afirmado, agora com base nos resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), de 2001, que um em cada quatro alunos de 4ª Série do Ensino Fundamental não único livro, o que torna ainda mais único livro, o que torna ainda mais derradeira a situação descrita, na medida em que reafirma a importância estratégica da biblioteca escolar para o letramento, para a cultura e formação do cidadão. Mais curioso, todavia, é o fato de que o Ministério da Educação (MEC) dispõe de um Programa financiado, gestado e executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), dirigido à formação de acervo nas bibliotecas das escolas de Ensino Fundamental da rede pública cadastradas no Censo Escolar, denominado Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE).  

Caracteristicamente pautado na distribuição de livros de literatura infanto-juvenil e, em alguns momentos, de história, de enciclopédias e dicionários, o PNBE, criado em 1997, se insere em um conjunto plural de Projetos e Programas compensatórios promovidos pelo MEC, voltados para o apoio às escolas municipais, sobretudo face ao processo de descentralização. Esse processo, que vem se dando por intermédio da municipalização do ensino, foi globalmente previsto pela Constituição Federal de 1988 e, logo após, em 1996, oficialmente deflagrado a partir da promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei n. 9.394/96 –, da Emenda Constitucional n. 14/96 e da Lei n. 9.424/97 que criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), seu principal indutor. Segundo dados do MEC – www.fnde.gov.br , o governo já efetivou a destinação de cinco acervos às escolas públicas municipais: o primeiro ocorreu em 1998, tendo beneficiado, com 123 títulos e 4,2 milhões de livros, a cerca de 20 mil escolas (1a a 8a Séries); o segundo, em 1999, atingiu, com 109 títulos e 4 milhões de livros, a 36 mil escolas (1ª a 4ª Séries); em 2000, o foco se deslocou para o professor, tendo havido a destinação de 577,4 mil obras; o quarto acervo, registrado em 2001, implicou 30 títulos distribuídos em 6 coleções de 5 livros, totalizando 60,92 milhões de livros, atingindo a 139 mil escolas (4a a 5a Séries); por fim, em 2002, consta que o quinto acervo abarcou 20,4 milhões de livros voltados para 126 mil escolas (4a Série). O sexto acervo encontra-se neste momento sob edital pela Secretaria de Educação Fundamental (SEF) do MEC, devendo se pautar em coleções de obras de literatura voltadas para alunos de 4ª e 8ª Séries do Ensino Fundamental, de literatura e informação para alunos do 2o segmento do Ensino Fundamental e, ainda, da última série (ou similar) de cursos presenciais da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA).  

A primeira vista, os dados divulgados pelo MEC a respeito do alcance do PNBE transmitem a idéia de que muito vem sendo feito em torno das bibliotecas escolares. Contudo, se levarmos em consideração o cenário aqui inicialmente aludido, percebemos que a realidade não é bem esta.  

De início, há de se considerar que o processo de difusão de acervos pelo PNBE não inclui recursos para a constituição física e logística das bibliotecas escolares, tampouco para a sua manutenção ou contratação de pessoal especializado, ou seja, as escolas que não possuem bibliotecas apenas recebem os livros, guardando-os sabe-se lá em que téké (em que caixa ou depósito…). Um outro aspecto remete ao fato de que o critério de distribuição de livros pelo MEC se prende à quantidade de alunos matriculados na instituição educacional pública, indicados no Censo Escolar relativo ao ano precedente ou, em alguns casos, atual àquele em que o Programa se encontra sendo executado, o que deve implicar exclusão de um grande número de escolas, em especial aquelas pertencentes aos municípios economicamente mais carentes ou que expõem menor população. Veja-se, por exemplo, que o primeiro acervo, em 1998, se destinou a escolas com número de matrículas superior a 500 alunos (1a a 8a Séries), enquanto que o segundo acervo, de 1999, a escolas com o limite mínimo de 150 alunos (1ª a 4ª Séries).  

No momento em que se assiste na cidade do Rio de Janeiro a realização da XI Bienal Internacional do Livro – www.bienaldolivro.com.br -, evento que promete superar os marcos atingidos em anos anteriores, há de se recolocar a questão que nos motivou a produzir este artigo: “biblioteca na escola: onde estais que não te encontro…“  

Lamentavelmente, mais uma vez se constata que no Brasil o acesso, também, aos bens culturais, não se apresenta prerrogativa das classes populares, mas de uma elite, se não necessariamente a econômica, pelo menos a intelectual, ou seja, a NÓS (ao autor destas breves reflexões e, quem sabe, a você leitor). Eis um dos motivos pelos quais não podemos esquecer que somos co-responsáveis da dívida social desta nação para com aqueles que se encontram à margem de um simples livro, seja por não saber manuseá-lo (lê-lo), seja por não poder, se quer, tê-lo em mãos, menos ainda contempla-lo(s) na tão conclamada Bienal.  
 

Doutor em Educação, professor adjunto e coordenador do Núcleo de Projetos Especiais (NUPE) da Faculdade de Educação da Uerj  
 

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