‘É como uma luta de Davi contra Golias, mas não vamos deixar que o Google ganhe bilhões de dólares às custas dos autores”, diz o escritor Roland Reuss. Ele é o responsável pelo “Apelo de Heidelberg”.
Assinado por 2.470 escritores e editores da Alemanha, Áustria, Suíça e Noruega, o documento, que foi enviado há poucas semanas ao governo alemão, exige um fim da violação dos direitos autorais praticados pelo Google Book Search.
Entre os signatários, há escritores famosos como o prêmio Nobel Günter Grass, o seu editor, Gerhard Steidl, o filósofo Hans Magnus Enzensberger, bem como escritores menos conhecidos da Áustria, Suíça e Noruega. Reuss, professor de literatura da Universidade de Heildelberg, recebeu também o apoio do Japão e da França, onde autores e editores aguardam com expectativa o desfecho da disputa na Alemanha para procurar caminhos semelhantes.
Empresa tem lucro com livros ’órfãos’
Os alemães querem botar o Google contra a parede e não estão dispostos a aceitar um acordo como o proposto em outubro do ano passado pela empresa gigante aos autores e editores dos Estados Unidos.
Segundo Oliver Klug, do Google Alemanha, esse acordo daria uma quantia fixa de US$ 60 por cada livro escaneado, bem como 63% dos lucros com anúncios publicitários publicados junto com o livro.
— Esse acordo é interessante para o autor, sobretudo quando o livro não é mais editado, pois é uma forma de publicidade da obra — diz o representante do Google em Hamburgo.
O acordo dos Estados Unidos foi proposto depois de um processo movido por autores e editores em 2005, e o resultado deverá ser aprovado nas próximas semanas. Críticos questionam a exclusividade de direitos que o Google teria para publicar online e lucrar com milhões de chamados “livros órfãos”, títulos esgotados com direitos autorais ainda em vigência, mas cujos autores não se manifestaram para reivindicá-los. Dos sete milhões de títulos escaneados pelo Google Books até agora, nada menos do que cinco milhões se enquadram nessa categoria de órfãos.
Para a Europa, não houve até agora nenhum tipo de acordo, embora muitos editores de obras antigas, que não rendem mais dinheiro, cogitem em participar da proposta americana para passar a lucrar, mesmo que pouco, com as suas obras já esgotadas e para as quais não há planos de novas edições.
O Google Books já escaneou livros em 40 diferentes idiomas, pondo autores e editores para pensar, com algum receio, sobre o futuro. Na Alemanha, pequenas editoras como a Stroemfeld perdem força com os livros publicados ilegalmente na internet. Entre os títulos da Stroemfeld que podem ser lidos agora online estão, por exemplo, as edições críticas de Franz Kafka ou Heinrich von Kleist, ambas editadas por Roland Reuss. Para o iniciador do “Apelo”, mais importante ainda do que a questão financeira é o aspecto jurídico, de uma das maiores empresas de internet do mundo violar os direitos autorais ao publicar uma obra online sem a permissão do autor ou da editora.
Ainda faltam marcos jurídicos, dizem editores
As edições críticas de Kafka e Kleist, organizadas por Reuss, não estão livres de direitos autorais. Segundo o professor, reproduzir na internetas modernas edições da Stroemfeld, que em parte reinterpretam as obras dos dois autores, “é um crime”, uma violação dos direitos autorais.
Karl D. Wolff, dono da editora, resolveu processar o Google apenas por uma das muitas obras publicadas ilegalmente, a de Kleist. Ao todo, ele reclama do uso indevido de 200 títulos de sua editora.
O “Apelo de Heidelberg” procura combater também um projeto — o Open Access — apoiado por diversas fundações alemãs e de outros países europeus, de disponibilizar todas as publicações científicas na internet com acesso livre.
Para Reuss, mesmo que muitas publicações sejam resultados de pesquisas financiadas pelos governos, o autor “deve ter o direito de decidir onde o trabalho será publicado”.
A revolução provocada pela internet não foi ainda acompanhada por uma mudança das leis dos direitos autorais. Primeiro foram afetados os setores de filme e música, com os downloads ilegais, que continuam sendo feitos apesar da proibição em diversos países.
Agora a batalha se transfere de forma mais explícita para o setor editorial, incluindo a mídia.
Muitos editores de jornais, como o ex-ministro da cultura da Alemanha Michael Naumann, editor do semanário “Die Zeit”, apoiam a iniciativa na expectativa de que, com uma tomada de posição do governo alemão e da União Europeia, os direitos autorais dos jornais passem a valer mais quando os seus conteúdos forem reproduzidos pelo Google.
— No momento, o Google deixa os jornalistas pesquisarem e escreverem nos seus jornais para lucrar sozinho com os anúncios publicados no site de busca — lembra Reuss.
Ele vê, porém, as bibliotecas como corresponsáveis pelo roubo da propriedade intelectual.
Nos Estados Unidos, elas foram as primeiras a oferecer suas coleções ao Google.
Na Alemanha, a Biblioteca Estatal de Munique foi a primeira a fechar um acordo com o buscador gigante.
Os editores das caras obras científicas, como Vittorio Klostermann, são os que mais têm prejuízos na era da digitalização e, neste caso, o culpado não é apenas o Google. Os estudantes da Universidade de Darmstadt, na Alemanha, têm agora de graça o que antes era caríssimo. A biblioteca oferece aos estudantes a possibilidade de arquivar em USB, sem pagar, as obras científicas, o que é bom para os estudantes mas pode levar muitas editoras à falência. A berlinense Claudia Lux, presidente da Federação Mundial de Bibliotecas, defende a criação de novos modelos de negócios para as editoras porque admite que nada voltará a ser como antes da era da digitalização.
— Os leitores querem hoje ter acesso aos novos conteúdos com muito mais rapidez.
Eles não querem pagar pela obra e não querem mais nem ter o trabalho de frequentar a biblioteca, mas captar tudo online — diz ela.
Na Espanha, indolência em relação à questão
Claudia afirma que também os editores e autores dos caros livros científicos devem desenvolver novos modelos de negócios. A disposição de jovens universitários em gastar dinheiro em livros é cada vez menor. Já Roland Reuss conta com a Justiça. Segundo ele, na Europa os direitos autorais
Reuss espera uma decisão do governo alemão para julho ou agosto. E que o resultado faça escola, na Europa e no mundo.
Outros países, porém, ainda não manifestaram a mesma preocupação. O jornal “El País” publicou semana passada uma reportagem em que qualificava de “indolente” a reação espanhola à questão. O texto notava a ausência de autores espanhóis entre os signatários do “Apelo de Heidelberg”.
As universidades espanholas Complutense, de Salamanca, de Santiago de Compostela e a Jaume Fuster fazem parte do projeto do Google Book Search. são “sagrados”. Um escritor e seus herdeiros têm o direito de decidir o que fazer com seu trabalho, incluindo proibir uma obra antiga (não tão valorizada pelo próprio autor e que não teve reedições) de ser publicada na internet.