Autores criticam avaliação de livros didáticos

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Oito anos depois de ter sido instituída, e ter sido extremamente criticada por escritores e editoras, a avaliação dos livros didáticos feita pelo MEC (Ministério da Educação) ainda causa polêmica.  
 
A Abrale (Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos) enviou ao ministério, no fim do ano passado, um documento de 30 páginas em que critica a análise das publicações de ciências para o ensino fundamental (1ª a 8ª série) e aponta erros da comissão que avalia os livros, formada por estudiosos da USP (Universidade de São Paulo) e coordenada, desde sua instituição, pelo professor Nélio Bizzo, vice-diretor da Faculdade de Educação e membro do Conselho Nacional da Educação.  
 
São atribuídos aos avaliadores desde equívocos conceituais até críticas que não procedem.  
 
A comissão é acusada ainda de desconhecer a realidade do ensino público de ciências nos anos iniciais e de, por isso, exigir um detalhamento que não condiz com o nível de conhecimento dos alunos – por exemplo, exige de crianças de 1ª série que se esclareça o conceito de energia.  
 
Qualidade  
 
O presidente da Abrale, Gelson Iezzi, diz que a entidade não é contra a avaliação, que funciona, segundo ele, como um autocontrole para as editoras e autores, melhorando a qualidade dos livros didáticos. Quer, sim, que ela seja revista, principalmente em dois pontos: a escolha dos membros da comissão, cujas bases, alega, não são claras, e a sistemática do processo de análise.  
 
Segundo ele, entre os avaliadores nomeados por Bizzo, a maioria está em cursos de pós-graduação, sem experiência em sala de aula. “Não há critério para escolha nem para a continuidade do grupo“, afirma. O ideal, diz, é que participassem da comissão também representantes das escolas, professores e de entidades da sociedade civil.  
 
Em relação ao processo de avaliação, a Abrale defende que ele seja contínuo e possibilite aos autores e editoras responder às críticas e corrigir eventuais erros antes de o livro ser excluído da lista do MEC por causa desses problemas.  
 
“Em vez de avaliação, queremos uma certificação ininterrupta, não necessariamente vinculada à compra dos livros, o que evitaria correria por parte dos autores na elaboração dos textos e possibilitaria também às escolas ter mais tempo para conhecer e escolher as publicações aprovadas“, defende.  
 
As avaliações são bianuais, mas os autores têm alguns meses para apresentar as obras depois que sai o edital estabelecendo a formatação dos livros e os critérios de análise e exclusão. Caso seja excluído, o livro não pode ser adotado em nenhuma escola pública do país (exceto nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, que fazem avaliações separadas).  
 
Os autores são os mais prejudicados com a exclusão porque, nesse caso, a obra costuma ser rejeitada também pelo resto do mercado –uma vez que os resultados da avaliação são divulgados no site do MEC. As editoras não sofrem tanto dano porque costumam submeter várias publicações diferentes à avaliação, uma das quais acaba aprovada.  
 
A Abrelivros (associação das editoras) não subscreve o documento da Abrale, embora defenda algumas das mudanças estruturais propostas por ele, como o direito de réplica e alteração do cronograma das avaliações.  
 
Para ilustrar as deficiências do atual modelo de avaliação, a Abrale cita no seu documento o que considera erros cometidos pela comissão de ciências.  
 
Experiência  
 
Na avaliação de 2000, por exemplo, a comissão rejeitou a obra “Vamos Aprender Ciências“ (para a 4ª série), alegando, entre outros pontos, que ela propõe aos alunos repetir a experiência feita por Benjamin Franklin e seu filho, que empinaram uma pipa num dia de tempestade, o que colocaria os estudantes em risco de eletrocução.  
 
O livro, porém, apenas relata a experiência, ao dar explicações sobre os raios, diz a Abrale. Não sugere que ela seja repetida.  
 
Na avaliação de 2003, um dos argumentos para rejeitar a coleção “Hora da Ciência“ é o fato de que o livro da 4ª série omite, ao ensinar a origem da Terra e do homem, a explicação científica, ficando restrito à religiosa. A Abrale mostra, no entanto, que a explicação científica está na mesma página da religiosa.  
 
No livro “Ciências Naturais“ destinado à 3ª série, da coleção “Novo Tempo“, a avaliação de 2003 afirma que está erroneamente estabelecida uma relação causal entre os hábitos alimentares dos animais e seu aparelho digestório.  
 
O trecho do livro citado diz, porém, que os hábitos alimentares “dependem“ das características do aparelho. “Dizer que um fenômeno depende de certo fator não equivale a dizer que ele seja causado por tal fator“, afirma a Abrale.  
 
O documento cita o que considera outros erros conceituais e de avaliação metodológica. Segundo a vice-presidente da Abrale, Vera Duarte de Novais, a crítica está centrada nos livros de ciências porque são o caso mais emblemático de problemas na avaliação, mas ela se aplica a todas as disciplinas. “O modelo é extremamente frágil e vulnerável“, sustenta.  
 
Coordenador e ministério apóiam comissão

Em resposta oficial ao documento que questiona a avaliação dos livros didáticos de ciências, enviado à Abrale, a secretária de Educação Fundamental do MEC, Maria José Vieira Feres, defende o processo de análise e diz que seus resultados já foram contestados na Justiça, sem sucesso.

O coordenador da comissão que analisa os livros, professor Nélio Bizzo, notificou extrajudicialmente a associação dos autores pedindo uma retratação pública, por entender que o documento enviado ao ministério e publicado no site da Abrale ataca sua credibilidade e sua imagem profissional.

O MEC diz que “a avaliação passa por constantes reformulações“, que incluem revisão dos critérios, dos procedimentos e também dos representantes da comissão e das coordenações de área e institucional. O documento assinado por Feres diz ainda que as equipes de avaliadores são formadas por especialistas conceituados e respeitados.

Quanto à possibilidade de réplica por parte de autores em cujos livros foram apontados erros, Feres lembra que a questão já foi objeto de mandado de segurança, ao qual foi dado um parecer dizendo que a avaliação não é um contencioso (disputa), mas um certame (concorrência), portanto, não caberia nenhum recurso. As correções deve ser feitas de uma avaliação para outra, diz o MEC.

Sobre a possibilidade de a avaliação se transformar num processo de certificação contínuo, o ministério sustenta que isso implicaria “desatualizações intransponíveis“ para os alunos, “tendo em vista a velocidade com que as informações circulam“. Em resposta à notificação encaminhada por Nélio Bizzo, a Abrale afirmou que não teve intenção de denegrir a imagem dele, mas de mostrar a necessidade de ampliar o diálogo entre autores e avaliadores. Disseram-se dispostos também a publicar a notificação e a resposta da entidade.

A advogada de Bizzo, Beatriz de Abreu Dallari Guerreiro, afirma que uma ação por danos morais é uma alternativa em estudo, caso não julgue suficiente a atitude da Abrale. “Mas só em último caso.“

Para Bizzo, os autores que criticam o processo estão “bravos“ por terem sido rejeitados e precisarem devolver os direitos autorais antecipados pelas editoras -o que os autores negam. Ele diz que, embora não interfira diretamente no processo, analisa os pareceres da comissão de avaliação e nunca viu problemas que não estivessem bem justificados.

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