Aluno de escola estadual terá 80 aulas de história a menos

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A Secretaria Estadual da Educação de São Paulo decidiu diminuir a carga horária de história no ensino médio, como forma de compensar a inclusão de sociologia no currículo e a ampliação de filosofia, exigências previstas em lei federal. 
 
Com a medida, os alunos do ensino público diurno terão 80 aulas a menos de história, considerando os três anos letivos (redução de 22,2%). No noturno, serão 120 aulas a menos (redução de 37,5%). O cálculo da Folha tem base no mínimo de 200 dias letivos ao ano (40 semanas), previsto em lei. 
 
O acréscimo de sociologia e o aumento de filosofia são exigências de uma lei sancionada pela gestão Lula (PT) em junho. 
 
Ela prevê que as duas disciplinas sejam dadas nos três anos do ensino médio (SP não possuía sociologia na grade e não havia filosofia no terceiro ano). 
 
A norma, porém, não estabelece como deve ser feito o acréscimo. O modelo escolhido pelo governo Serra (PSDB) para o próximo ano letivo foi publicado quarta-feira da semana passada no “Diário Oficial“. 
 
Com o currículo utilizado em 2008, os alunos do ensino médio diurno têm três aulas semanais de história nos três anos do antigo colegial (360 aulas da disciplina no período). 
 
Em 2009, o primeiro ano continua igual, mas haverá redução para duas aulas semanais da matéria no segundo e terceiros anos (total de 280). 
 
Como base de comparação, um aluno do Vértice (apontado no último Enem como a melhor escola particular do Estado) terá, ao fim do ensino médio, 572 aulas de história. 
 
Nos dois primeiros anos do ensino médio, o Vértice oferece, por semana, quatro aulas de história (são 40 semanas de aula). Na terceira série, o aluno assiste a seis aulas da disciplina por semana (são 42 semanas). O último ano é integral. 
 
Se de um lado caiu o número de aulas de história na rede estadual, os estudantes passarão a ter uma aula semanal de sociologia no primeiro e segundo anos e duas na última série. 
 
A carga horária total do ensino médio não sofreu alteração, só houve mudança na distribuição das matérias: além de história, houve redução também nas aulas de educação física e geografia no diurno, e de língua estrangeira (em geral, inglês ou espanhol) no noturno (que possui a maioria dos alunos). 
 
“Por conta da lei federal, tivemos de nos adaptar, pois não há espaço para ampliar a jornada. Estudamos o assunto e entendemos que essa foi a melhor opção“, disse à Folha a secretária da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro. 
 
“Nossa prioridade foi não diminuir língua portuguesa e matemática, que são a base para tudo. História tem muitos assuntos transversais com sociologia e filosofia“, disse. 
 
“A intenção era que houvesse uma ampliação do currículo. O ensino médio não pode ficar emparedado por limitações de horário“, afirmou o presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional da Educação, Cesar Callegari. 
 
A lei federal, proposta pelo deputado Ribamar Alves (PSB-MA), reforçou uma resolução do conselho de 2006. A reportagem não conseguiu contato com o congressista para comentar a opção de São Paulo. Procurado pela Folha, o Ministério da Educação disse que cabe aos Estados decidir como implementar a nova regra. 
 
 
 
Não é fácil construir escolas, diz secretária 
Folha de S.Paulo – Fábio Takahashi 
 
A secretária da Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, afirma que não é viável aumentar a jornada escolar do ensino médio no curto prazo para acomodar as novas disciplinas. Para a secretária, que é socióloga formada na Unicamp, a inclusão de matérias por meio de leis deixa o currículo “deformado“.  
 
 
FOLHA – Em vez de substituir disciplinas, por que o Estado não aumenta a jornada dos alunos? 
MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO – Isso não é viável no curto prazo. A jornada no ensino médio é de cinco horas e vinte minutos. O turno da manhã quase emenda com o da tarde, que quase emenda com o da noite. Em países onde a jornada passa das seis horas, como a França, os estudantes entram às 9h e saem só depois das 15h, é praticamente um turno só. 
Não temos vagas para isso.  
 
FOLHA – O problema não se resolveria com construção de escolas? 
MARIA HELENA – Não se constrói escolas para dois milhões de alunos da noite para o dia. Mas podemos pensar em ampliação da jornada no médio prazo.  
 
FOLHA – A rede possui número suficiente de professores de sociologia para atender à nova demanda? 
MARIA HELENA – Não. Temos hoje 127 efetivos na rede, creio que precisaremos de uns 800 aproximadamente. Estamos com um concurso aberto para temporários. 
Pretendemos abrir concurso para efetivos, mas esse processo demora cerca de sete meses. A lei foi sancionada em junho. Tivemos de correr para definir a organização do currículo, o que será dado. Não deu tempo para fazer o concurso.  
 
FOLHA – E o que ocorrerá com os professores de história, disciplina que será reduzida em 2009? 
MARIA HELENA – Hoje temos um déficit, trabalhamos com temporários. Com a mudança, esse número diminuirá.  
 
FOLHA – O que a sra. acha de incluir disciplinas por meio de leis? 
MARIA HELENA – Acho complicado. Cada hora é uma coisa para colocar. É sociologia, filosofia, música. Me parece que tramitam outras propostas, como empreendedorismo. O currículo fica deformado.  
 
FOLHA – E o que a sra. acha da lei que incluiu a sociologia? 
MARIA HELENA – A sociologia traz uma visão de problemas sociais, que podem ajudar o aluno a entender a história, por exemplo, e a melhorar a relação dele com a sociedade. 
Na nossa proposta, haverá desde temas mais conceituais, com o uso de textos clássicos, até aspectos como a organização política brasileira. 
 
 
 
Para filósofo, o pensamento crítico pode ser formado pelas duas matérias 
Folha de São Paulo – Talita Bedinelli 
 
Coordenador de graduação do curso de filosofia da USP, Marco Aurélio Werle acredita que o ideal seria haver um equilíbrio entre história e filosofia. 
 
No entanto, ele considera que a diminuição das aulas de história no currículo será suprida pela inclusão da filosofia, já que ambas levam o pensamento crítico ao aluno.  
 
FOLHA – O que achou da inclusão das duas disciplinas? 
MARCO AURÉLIO WERLE – Acho importante que haja filosofia no ensino médio. A filosofia e a sociologia têm o objetivo de propiciar uma formação humanista para os adolescentes. É importante que elas estejam presentes, mas não necessariamente implicando a saída de outras disciplinas das humanas. O ideal seria conciliar, de modo que cada uma esteja bem representada.  
 
FOLHA – A filosofia não supriria a falta da história? 
WERLE – Acho que sim. Inclusive, a filosofia não pode ser estudada sem a própria história da filosofia. O estudo da filosofia remete necessariamente ao estudo do pensamento histórico. 
Tanto é que em nosso curso da graduação temos cinco histórias da filosofia. Supõe-se que o aluno [da graduação] que vai dar aula no ensino médio também enfoque a filosofia do ponto de vista histórico. As duas estão próximas. O importante é que se leve o pensamento crítico ao aluno. E esse pensamento está nas duas disciplinas.  
 
FOLHA – No que a falta de filosofia prejudicou os alunos? 
WERLE – Prejudicou na formação do pensamento crítico. 
Nessas últimas décadas se tem insistido muito que o aluno tem que ter informação, mas não se procura fazer com que ele pense, analise tudo isso. Na nossa sociedade, nos últimos dez anos, tem se dado uma especial atenção a profissionais que saibam analisar. Por isso a filosofia voltou à grade.  
 
FOLHA – Existem professores suficientes para a mudança? 
WERLE – Temos poucos cursos que formam licenciados em filosofia. E o aluno, muitas vezes, acaba havendo outras chances profissionais. O magistério não é muito atraente, porque o salário é muito baixo. No início vai ter falta de professores. 
 

Retirar disciplina da grade curricular é um “erro crasso“, diz historiadora
Folha de São Paulo – Talita Bedinelli

Para a historiadora Maria Aparecida de Aquino, professora do Departamento de História da USP, a retirada de aulas de história da grade curricular é um “erro crasso“, que mostra que, para a Secretaria da Educação de São Paulo, a disciplina é menos importante. O ideal seria a ampliação da grade horária, inclusive com um ano de ensino médio a mais no período noturno.

FOLHA – O que a sra. achou da inclusão das duas disciplinas?
MARIA APARECIDA DE AQUINO – Sou favorável à existência de filosofia e sociologia dentro dos currículos. Estudei em uma época em que tínhamos uma modalidade de ensino mais clássico, com filosofia em todos os anos.
Foi uma herança do regime militar tirar essas aulas. Foram absurdos cometidos ao longo dos anos que, evidentemente, precisam ser corrigidos.

FOLHA – E o que achou de reduzir as aulas de história?
MARIA APARECIDA – Não se pode fazer essa continha de somar e extrair. São retiradas normalmente disciplinas consideradas menos importantes. Então, teoricamente, história acaba sendo considerada menos importante no currículo, o que é um absurdo completo e total.

FOLHA – E como resolver?
MARIA APARECIDA – Poderia ser colocada mais uma aula por dia ou ampliar o curso noturno em um ano.

FOLHA – No que a medida prejudica o aluno?
MARIA APARECIDA – História é a ciência que localiza o homem dentro da temporalidade. Faz com que ele tenha noção de se perceber no mundo em que vive, [ensina a] fazer comparações com outros tempos, trazer o passado para o presente e criar ensinamentos para o futuro. É, portanto, uma disciplina fundamental para a formação de qualquer cidadão em qualquer lugar do mundo. Tirar aulas de história é tirar a formação do espírito crítico.

FOLHA – Aulas de filosofia e sociologia não supririam isso?
MARIA APARECIDA – São coisas diferentes. A aula de história tem uma outra finalidade. Cada qual tem seu espaço no pensamento e na formação do conhecimento do aluno. Retirando uma, retira-se um espaço da formação.

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