Alfabetização no meio do caminho

Terreno fértil para uma história de avanços seguidos de retrocessos e avanços tímidos ante desafios profundos, a educação básica brasileira é daqueles casos eloquentes em que o Brasil convive eternamente com o dilema do copo meio cheio ou meio vazio, conforme o olhar de quem a observa. Os números da alfabetização, divulgados recentemente pelo Ministério da Educação (MEC), confirmam tal certeza.

Com eles se constata que o resultado da leitura e da escrita melhorou em 2024, com 59,2% de crianças alfabetizadas na média nacional, contra 56% no ano anterior. São alunos do 2.º ano do ensino fundamental que conseguem escrever bilhetes e convites, relacionar sons e letras na língua portuguesa, ler textos simples, tirinhas e histórias em quadrinhos.

Entretanto, descobre-se que o País não conseguiu atingir a meta de 60% das crianças de 7 anos que deveriam estar alfabetizadas, estabelecida pelo próprio governo de Lula da Silva ao lançar, em 2023, o chamado Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. Foi por pouco e, conforme explicou o ministro Camilo Santana, a meta não foi atingida em razão das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado. A tragédia deixou as escolas do Estado sem aulas por muitos dias, afetando de forma drástica a alfabetização de suas crianças – o indicador gaúcho desabou de 63,4% para 44,6%. Se repetisse o resultado do ano anterior, o Rio Grande do Sul teria contribuído para o atingimento da meta, sublinhou Santana. Mas, no fim das contas, o resultado é inexorável: meta não alcançada.

Para quem preferir observar o copo meio cheio, há boas notícias a comemorar: 18 Estados melhoraram seu desempenho entre 2023 e 2024, um dado relevante quando se sabe que ganhos consistentes ano a ano fazem a diferença, sendo “mais importantes do que saltos meteóricos que não se sustentam no tempo”, como argumentou a este jornal a vice-presidente de Educação da Fundação Lemann, Daniela Caldeirinha. Onze Estados atingiram suas respectivas metas, que variam conforme cada unidade federativa, entre os quais Ceará, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Há exemplos notáveis, como o Ceará, que encabeça o ranking dos Estados, com 85% das crianças alfabetizadas (os cearenses tinham como meta chegar a 80% em 2024). Outro dado positivo é que quase 60% dos municípios melhoraram seus indicadores, um patamar a ser aplaudido.

Há, contudo, evidências desabonadoras. A primeira delas é o fato de 13 Estados ficarem aquém de suas metas. A segunda é reafirmar o tamanho das desigualdades de desempenho. Enquanto cearenses estão no topo, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Norte não atingiram sequer 40%. Além disso, 14 Estados e o Distrito Federal permaneceram abaixo da média nacional, de 59,2%. É o caso de São Paulo, que chegou a 58,13%, ainda que tenha superado a meta estabelecida para o Estado (57%). Na esfera municipal, a capital paulista viu crescer dez pontos porcentuais, superando a meta estabelecida pelo MEC, e se tornou a terceira capital que mais cresceu no indicador. Novamente, porém, vale a conjunção adversativa: a capital e o Estado de São Paulo evoluíram, mas a cidade ainda é a 17.ª entre as capitais, e o Estado, o 13.º. São posições modestas frente à robustez que se espera de ambos.

Olhando um arco maior de tempo, observa-se que o analfabetismo recuou 15% em oito anos, mas – de novo a conjunção adversativa é necessária – o risco é o Brasil se acostumar com pouco onde deveria haver indignação ao lidar com as diferenças e audácia para corrigi-las. Temos um compromisso nacional firmado entre os três níveis de governo, um MEC com capacidade de formulação e coordenação e cada vez mais lideranças políticas que enxergam na educação, mais do que uma agenda ou um verniz retórico, um imperativo moral, ético e econômico. Mas a defasagem – de aprendizagem, de gestão, de monitoramento, de avanços, enfim – continua sendo a regra, como se enfrentássemos uma espécie de pandemia permanente.

Ano após ano, governo após governo, a história se repete: o que deveria resultar em prioridade nacional e em boas práticas generalizadas se resume a ilhas de exceção. No discurso, a educação é uma agenda prioritária do País. Na prática, o entusiasmo da obsessão educacional se transforma numa incômoda calmaria, só compensada pelo avanço de algumas poucas redes de ensino. Inaceitável.

 

 

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