Ainda a numeração de livros

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Leia a seguir a correspondência que o presidente da Abigraf encaminhou ao Presidente da República após seu veto ao projeto de lei da deputada Tânia Soares (PC do B-SE):  
 
“AN/EM-2152/2002  
São Paulo, 25 de julho de 2002.  
 
Exmo. Professor  
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO  
DD. Presidente da República Federativa do Brasil  
 
Estimado Presidente,  
Em nome de toda a indústria gráfica brasileira, cumprimento V. Exa. pelo bom senso na questão relativa à emenda à Lei dos Direitos Autorais. Mais uma vez, como tem ocorrido na condução das mais importantes e delicadas questões da vida nacional, seu gesto teve a marca do bom senso. Presidente, desde já colocamos a ABIGRAF – Associação Brasileira da Indústria Gráfica e a ABTG – Associação Brasileira de Tecnologia Gráfica – classificada pioneiramente pela ABNT como organismo de normalização setorial (ONS-27) e representante do Brasil no Comitê Gráfico da ISO – à disposição da Comissão de Trabalho que V. Exa. está constituindo para estudar a questão. Como um dos mais importantes elos da cadeia produtiva do livro, o setor gráfico, em especial no tocante às tecnologias, análise de custo e alternativas técnicas viáveis, poderá oferecer subsídios consistentes aos estudos.  
 
Por outro lado, anexamos clipping de artigo que escrevi sobre o tema, publicado no jornal O Globo. O texto é uma modesta colaboração ao debate do importante assunto.  
Reiterando nossa consideração ao seu caráter de estadista, presente nas mais importantes decisões, subscrevemo-nos.  
 
Respeitosamente,  
 
MÁRIO CÉSAR M. DE CAMARGO  
Presidente da ABIGRAF NACIONAL”  
 
AMEAÇA AO LIVRO E AO PNLD  
Mário César de Camargo*  
A emenda à Lei dos Direitos Autorais, da deputada federal Tânia Soares (PCdoB/SE), relativa ao controle da edição de livros e CDs, aprovada pelo Congresso e prestes a ser submetida à sanção presidencial, poderá comprometer seriamente o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), além de tornar mais caros, de maneira geral, todos os livros impressos no Brasil. A propositura estabelece a numeração dos exemplares e — pasmem — a rubrica de cada um deles por parte dos autores. Este segundo item é o que está causando a maior polêmica, por seu caráter inusitado e absurdo.  
Embora se deva reconhecer as boas intenções da legisladora, é preciso, numa análise puramente técnica, evidenciar a total inviabilidade de cumprimento dessa lei, em especial no que diz respeito ao dispositivo que impõe a rubrica, exemplar por exemplar, pelos autores. Os próprios números do PNLD em 2001 — exemplo mundial superlativo de compra e distribuição de livros didáticos para alunos de baixa renda — demonstram a imensa dificuldade técnica, gerando inevitável atraso e aumento de custo, para o cumprimento da proposta. São 109 milhões de exemplares a serem rubricados pelos autores. Estes, certamente, teriam de se afastar de seus trabalhos em escolas, institutos e centros de pesquisa, dedicando-se a uma exaustiva maratona de assinaturas. Para as editoras e gráficas, a exigência representaria sensível aumento de custo e, o que é mais grave, colocaria em risco a pontualidade na entrega e distribuição das obras.  
Em meio às dificuldades da economia, aos problemas de segurança enfrentados pela sociedade e a todas as questões que afligem os brasileiros, o programa do livro didático aflora como realização muito positiva do atual governo, destacando-se por sua eficiência, abrangência e pontualidade e pelo fato de oferecer às crianças matriculadas na escolas públicas o direito ao estudo e à leitura em obras de qualidade, antes praticamente restritas aos alunos de famílias das classes média e alta. Porém, o PNLD é agora ameaçado por um projeto de lei tecnicamente equivocado. A eventual vigência da nova lei também conturbaria todo o mercado editorial brasileiro. É possível imaginar autores como Paulo Coelho rubricando cada exemplar impresso? É provável que fossem obrigados a diminuir sua atividade literária, para que tivessem tempo de se dedicar à tarefa burocrática.  
A indústria gráfica nacional, constituída por 14 mil empresas, que empregam 200 mil trabalhadores e representam 1% do PIB, sente-se responsável em alertar as autoridades e a sociedade sobre a questão. Em 2001, o setor entregou pontualmente e com excelente qualidade de impressão e acabamento, conforme compromisso formal que assumira com o Ministério da Educação, os 109 milhões de livros didáticos comprados pelo governo às editoras brasileiras. O empresariado gráfico compartilha do anseio ético da Nação contra a pirataria de produtos, cópias reprográficas ilegais e o desrespeito aos direitos dos criadores de obras científicas, artísticas e literárias. Prova disso é que, neste exato momento, a Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) realiza, por iniciativa própria, projeto nacional de combate à pirataria do software no setor, com excelentes resultados e pleno engajamento das empresas.  
Esta postura demonstra que a entidade é plenamente favorável a medidas capazes de defender os direitos de autores, empresas e todos os elos da cadeia produtiva de que faz parte. A objeção é ao problema técnico contido no projeto da parlamentar Tânia Soares, que será extremamente prejudicial ao setor de livros. Posição congruente é defendida por outras entidades de classe, como a Câmara Brasileira do Livro (CBL), Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e Associação Brasileira dos Editores de Livros (Abrelivros). Todos reconhecem que a lei iria encarecer ainda mais o livro, em desacordo com as metas de ampliar o acesso da população à leitura, à cultura e ao conhecimento.  
Claro está que as editoras brasileiras não têm quaisquer interesses em lesar seus autores, com os quais desenvolvem um trabalho cada vez mais marcado por saudável parceria. Assim, existem todas as condições de, no âmbito da cadeia produtiva do livro, encontrar alternativas mais realistas e exeqüíveis para o controle do número de exemplares impressos. A própria Lei de Direitos Autorais, que em 2002 completa quatro anos (foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 19 de fevereiro de 1998), e a Lei de Propriedade Industrial oferecem todo o arcabouço necessário para a proteção do direito de criação.  
Assim, polêmicas à parte, é preciso deixar algo muito claro: mais do que novas leis e/ou alterações na legislação vigente, é necessário ampliar e aperfeiçoar a fiscalização, para solucionar a questão de direitos autorais, das cópias reprográficas não autorizadas (que lesam não só os autores, como também as editoras e as gráficas) e da pirataria de CDs e outros produtos. No caso dos livros, especificamente, a cadeia produtiva — editoras, autores, gráficas, livreiros e distribuidores — tem o máximo e coeso interesse na solução dos problemas que a afetam como um todo e a cada segmento.  
Todos devem estar imbuídos do objetivo de tornar a ética o pressuposto básico da sociedade brasileira e do universo dos negócios. Contudo, não se pode deixar que, na consecução dessa meta, a emoção prevaleça sobre a razão, com uma medida que acarretaria elevado ônus econômico, financeiro e logístico para a cadeia produtiva do livro, com prejuízo final para o consumidor, o autor e programas como o PNLD. Certamente, se sancionada pelo presidente da República, a emenda da rubrica tornaria mais difícil o sucesso da meta preconizada pela grande campanha do próprio governo, cujo lema é “Vamos tornar o Brasil um país de leitores“.  
*Mário César de Camargo, empresário gráfico, administrador de empresas e bacharel em Direito, é presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf).  

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