A contribuição do Congresso Nacional para a educação pós-pandemia

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Com o fim do recesso parlamentar, o Congresso terá poucos meses de atividade efetiva antes de senadores e deputados federais mergulharem na agenda eleitoral. O tempo pode ser curto, porém, suficiente para um gesto grandioso e fundamental para o país: aprovar a regulamentação do SNE (Sistema Nacional de Educação).

Instituir o SNE este ano será um importante e concreto passo de compromisso com a educação brasileira. Com os projetos de Lei Complementar em tramitação avançada, depois de discussões amadurecidas ao longo de décadas e aprofundadas no último ano, a pandemia e o atual governo federal.

Com destaque para o trabalho da Frente Parlamentar Mista da Educação, a Câmara e o Senado têm a chance de se consolidar como uma das legislaturas mais atuantes na educação desde a constituinte, juntando-se àqueles que construíram marcos importantes como a LDB, o Fundef e o Fundeb.

Os últimos três anos foram marcados por um forte protagonismo do Congresso Nacional na área, em contraste com os desmandos de um governo federal que só se fez presente quando pôde dificultar. Agora, está novamente nas mãos dos parlamentares registrar seu espaço na história ao aprovar o sistema.

O Sistema Nacional de Educação em construção pode ser poderosa política de governança da educação, criando instâncias de pactuação entre as esferas de governo, consolidando atribuições e fixando normas para que União, estados e municípios atuem de forma colaborativa.

A sua implementação é fundamental para conseguirmos organizar os esforços dos 5.570 municípios, 26 estados, distrito federal e União em torno da eficiência de gestão e cooperação intergovernamental, garantindo condições de ensino e um futuro melhor aos nossos estudantes.

A sociedade sabe bem a importância e os benefícios de um sistema, demonstrados com os méritos do SUS (Sistema Único de Saúde) e do Sistema Único de Assistência Social (Suas). A educação, infelizmente, ainda não possui organização semelhante, apesar de estar prevista na Constituição Federal. Agora, o Congresso pode responder, enfim, a tal exigência, em benefício de milhões de crianças e jovens em idade escolar.

A educação pagou um preço ainda maior durante a pandemia pela ausência de coordenação nacional, que teria sido muito melhor caso tivéssemos um sistema já implementado.

Os efeitos gerais dessa falta começam a ser medidos agora, como revelaram os números da Pnad Contínua do IBGE em 2021: 244 mil crianças e jovens entre 6 e 14 anos deixaram de frequentar as aulas, um aumento de 171,1% em relação ao mesmo período de 2019.

Em outro levantamento, a FGV mostrou que a evasão escolar entre crianças de 5 a 9 anos cresceu 197,8% no ano passado —o maior número em 14 anos.

Se o SNE já era necessário em tempos normais, a pandemia aprofundou as desigualdades e tornou ainda mais urgente sua aprovação. Foi comum vermos, num mesmo estado, alunos de um município recebendo chip, material impresso e aulas online, enquanto outros nem sequer sabiam o que fazer no ensino remoto.

Uma expressão forte e incômoda da ausência de uma coordenação nacional que considerasse as características e necessidades locais. Isto é, a falta de uma descentralização orquestrada, em que estados e municípios pudessem contar com o apoio da União para reduzir os impactos adversos da pandemia.

O momento, portanto, é agora. Na Câmara, tramita o PLP nº 25/2019, da deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM/TO), com apensados do deputado Pedro Cunha Lima (PSDB/PB), deputada Rosa Neide (PT/MT) e deputada Rose Modesto (PSDB/MS), sob relatoria do deputado Idilvan Alencar (PDT/CE).

No Senado, está em apreciação o PLP no 235/2019, de autoria do senador Flávio Arns (Podemos/PR), com relatoria do senador Dário Berger (MDB/SC).

Ambos os relatórios foram aprovados nas respectivas comissões de educação e exibem boa qualidade técnica e grande convergência, fruto do diálogo entre as duas casas legislativas e de um amplo debate, amadurecido ao longo de décadas. É necessário, agora, levá-los ao Plenário de ambas as casas legislativas.

Infelizmente, o que tem atrasado o avanço da pauta é a intervenção errática do Ministério da Educação, que sequer apresentou sugestões aos textos e, quando entrou no debate do tema, trouxe propostas descoladas da realidade do país e das necessidades do nosso sistema federativo.

A principal ideia trazida pela pasta foi a de extrapolar as atribuições do Conselho Nacional de Educação, já estabelecidas em lei, enfraquecendo a capacidade gerencial do sistema e deixando em segundo plano a pactuação das políticas educacionais entre as esferas de governo. No atual contexto e formato do conselho, essa sugestão não se sustenta.

Essas e outras sugestões do MEC têm sido duramente criticadas pelo Todos Pela Educação e outros especialistas. Os modelos de comissões intergestoras já foram implementados com sucesso pelos sistemas da Saúde e da Assistência Social e são elementos fundamentais na promoção do diálogo e da cooperação entre estados, municípios e União.

O que parece compreensível nas falas públicas do ministério é um receio de que este possa perder autonomia. Trata-se, entretanto, de um temor injustificável, dado que os textos de ambos os projetos de lei complementar preservam essa autonomia.

De todo modo, convém aos parlamentares dar respostas a essa preocupação e assegurar que, no âmbito do SNE, as soluções serão dialogadas e pactuadas entre todas as esferas de governo, respeitadas as atribuições constitucionais da União, estados e municípios.

Está nas mãos do Congresso Nacional mostrar seu real compromisso com a educação ou omitir-se diante dos gigantescos desafios educacionais trazidos pela pandemia.

Priscila Cruz
Mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School (EUA), é presidente-executiva e cofundadora do movimento Todos Pela Educação

Lucas Hoogerbrugge
Líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação

 

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