MEC decide suspender edital de definição dos livros infantis que seriam distribuídos em 2005 a alunos da rede pública, alegando que é preciso avaliar se obras estão sendo realmente lidas
A formação de um leitor pode começar num dia de chuva em que não há nada de bom na TV, ninguém para brincar na rua e se é jovem o suficiente para transformar a primeira incursão às prateleiras de livros de casa numa paixão para toda a vida. Às vezes, não é preciso chuva nem falta de opções de lazer, mas um elemento, certamente, é indispensável para que essa paixão comece: o livro. O Ministério da Educação, no entanto, acredita que os títulos distribuídos à rede de ensino público por meio do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) podem estar apenas juntando poeira na casa dos alunos. Por essa razão, suspendeu o lançamento do edital do PNBE, que aconteceria este mês, para a escolha dos títulos não-didáticos a serem distribuídos em 2005.
Sob a coordenação da Secretaria de Educação Fundamental (SEF, que tratava da seleção dos livros desde o surgimento do Programa, em 1998) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE, responsável pela aquisição e distribuição das obras), só em 2003 o PNBE atendeu mais de 20 mil escolas, em todo o Brasil, através de ações como a Biblioteca do Professor e a Biblioteca Escolar. Pelo programa, cada escola recebeu 144 títulos, e cada aluno pôde levar para casa cinco livros. Iniciado com apenas seis editoras, que faziam edições especiais para o MEC, o projeto passara a contar com 24.
Diretora do Departamento de Política de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, do MEC, Jeanete Beauchamp garante que a suspensão do edital não decreta o fim definitivo do Programa.
– Ainda há uma remessa de livros em Brasília para ser distribuída até julho deste ano (comprada em dezembro de 2003, chegou em março a Brasília). O edital foi suspenso porque nossa idéia é efetivar um projeto de orientação de leitura junto com a distribuição, para que o aluno se torne efetivamente um leitor – explica.
Elizabeth DAngelo Serra, secretária geral da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil, participou do processo de seleção de títulos distribuídos e acredita que a medida é um retrocesso.
– Viabilizar aos alunos da rede pública a criação de uma biblioteca particular é essencial. Grande parte dos brasileiros não tem dinheiro para comprar livros. O acesso à literatura em casa é o que dá base à criação de leitores.
Literatura e livros didáticos
Para Elizabeth DAngelo, o diálogo entre escola e família, indispensável para a formação do aluno, é possível através do PNBE:
– Colocar sobre a escola o peso total da formação de leitores é algo totalmente inviável. Impor a cultura sem oferecer possibilidades para que isso tenha desdobramentos fora da escola não dá resultado.
Jeanete reconhece a importância de programas como o Literatura em Minha Casa, que oferece livros infantis às crianças, mas não abre mão da revisão do processo, cujo método de avaliação ainda não foi decidido:
– É fundamental ter acesso ao livro, mas o objetivo maior é transformar a distribuição em leitura efetiva – diz.
Elizabeth questiona o momento escolhido para a avaliação e lembra que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) não sofreu alterações com a suspensão do edital do PNBE:
– Se o programa existe desde 1998, por que não avaliaram antes para saber se dava certo ou não? Por que o aluno pode ter livros didáticos em casa e não literatura?
Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) constatou, em 2002, a eficácia operacional da distribuição dos acervos do Programa, mas já questionava, então, seus resultados efetivos. Jeanete defende a decisão:
– Não posso responder pelo desenvolvimento do projeto na gestão anterior [de Cristóvão Buarque]mas, na nossa gestão, há um interesse na maneira como os acervos são utilizados – justifica, afirmando que os livros didáticos são lidos em sala de aula sob a orientação dos professores, o que confirma sua utilização.
Elizabeth discorda:
– Os livros didáticos não cumprem todo o dever, são colchas de retalhos de informação. A literatura é necessária.
Coordenador geral dos programas do livro no FNDE, Alexandre Serwy afirma que o Programa será mantido após a avaliação.
– Temos recursos para o ano que vem, e serão utilizados para uma nova distribuição em 2005. Não haverá prejuízo. Estamos só reavaliando resultados.