Uma geração de jovens brasileiros está ficando para trás na Educação – e colocando em risco a própria capacidade produtiva do país no futuro. A Síntese de Indicadores Sociais 2012, divulgada na última quarta-feira, 28, pelo IBGE, mostra que um terço dos jovens de 18 a 24 anos no país não completou o Ensino médio e nem estava frequentando a Escola em 2011.
A taxa é quase três vezes maior do que a média de 29 países da Europa. O estudo aponta ainda desigualdades na qualidade das redes pública e privada; e mostra que metade dos adolescentes de 15 a 17 anos não frequenta a Escola na idade certa.
Segundo o IBGE, a taxa de evasão Escolar precoce de jovens de 18 a 24 anos – ou seja, o percentual da população nessa faixa que, além de não ter completado o nível médio, não frequentava a Escola – foi de 43,8% em 2001 para 32,2% em 2011. Entre as mulheres, o percentual é de 26,6%, mas chega a quase 40% no caso dos homens: 37,9%. Numa comparação com 30 países europeus, os percentuais masculino e feminino do Brasil são melhores apenas do que o de Malta. Suíça, por exemplo, tem 5,7% e 6,8% para mulheres e homens, respectivamente.
Além da qualidade da Educação, a força de trabalho no país acaba sendo afetada pela Escolaridade dessa faixa etária, já que se trata da geração que será o trabalhador adulto das próximas décadas, sublinha Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
– Acreditávamos que a taxa de evasão dessa faixa (18 a 24 anos) estaria mais baixa, porque já teria dado tempo para o estímulo ao Ensino médio que o Fundeb trouxe a partir de 2007 fazer efeito – diz Cara. – É preocupante, porque os jovens de hoje serão a força de trabalho adulta em 2040, quando o país será formado majoritariamente de adultos e idosos. Então, garantir uma melhor formação para esses jovens é garantir a própria capacidade produtiva do país. O Brasil ainda não percebeu que está perdendo essa corrida contra o tempo; que aquela ideia de país do futuro vai deixar de existir, porque não teremos mais tantos jovens para isso, e grande parte de jovens que se tornarão adultos e idosos não tem um mínimo de qualificação.
No nível médio, fora da idade certa
O combate à evasão no Ensino médio passaria, em grande medida, não só por ações como aumento de vagas fora do horário noturno, mas por uma reformulação do currículo do Ensino médio.
– Pesquisas mostram que 40% dos que deixam a Escola resolvem sair porque não têm motivação. Eles não enxergam uma Escola que caiba em suas vidas – afirma o Educador Mozart Neves Ramos. – Com a população envelhecendo, não podemos desperdiçar nenhum jovem. As turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) precisam de mais investimento. As indústrias já perceberam que há uma faixa de jovens que não estuda nem trabalha e que não consegue entrar no mercado.
Além da evasão, o Ensino médio enfrenta o fato de que há uma grande parcela de Alunos nesse nível fora da idade certa. Segundo o IBGE, a taxa de frequência líquida (a taxa de jovens frequentando o nível de Ensino na idade adequada) para os adolescentes de 15 a 17 anos em 2011 foi de 51,8% (em 2001, era de 37,3%) – significa que metade deles não frequenta na idade correta, o que também acaba favorecendo a evasão. Segundo Cara, uma das metas do próximo Plano Nacional de Educação (PNE), em análise no Congresso, é que essa taxa fique em 85% em dez anos:
– Se ficarmos no mesmo nível de esforço dos últimos dez anos, porém, daqui a dez anos subiremos cerca de 14 pontos (a diferença de 2001 para 2011) e alcançaremos 65%, não 85%. O nível de esforço desta década vai ter de ser mais que o dobro que o da anterior.
Há dois anos, Dennis Messias, de 21, morador de Maceió, trocou a Escola pelo emprego de pintor e de garçom. Fez até a antiga 5ª série em Escola municipal:
– Escolhi sobreviver.
Hoje, Dennis está desempregado. Não pensa em voltar para a Escola. Pablo Anthony de Almeida, de 16 anos, também desistiu dos estudos, este ano. Fez até o oitavo ano, após uma caminhada de repetências:
– É difícil. Não tenho interesse.
Hans Myller Tenório da Silva, de 24 anos, está casado há seis. Tem um filho de 5 e uma menina que nasce até dezembro. Ele e a mulher, de 20, deixaram os estudos antes do fim do Ensino médio:
– Se pudesse pedir algo para a presidente Dilma, pediria um trabalho urgente, minha filha nasce mês que vem.
Crianças abaixo de 4 anos sem Escola
O acesso ao Ensino superior melhorou, mas ainda há lacunas. Dos jovens pretos e pardos de 18 a 24 anos matriculados no país, o percentual deles no nível superior subiu de 10,2% para 35,8%, mas ele ainda é menor do que o que a população branca tinha em 2001.
– O avanço dos negros nas universidades deve ter algum efeito das cotas, articuladas com o aumento da renda – diz Ana Saboia, coordenadora da pesquisa, lembrando que a distância entre brancos e negros ainda é de dez anos.
O IBGE aponta também que a desigualdade na qualidade do Ensino entre as redes pública e privada no Brasil só não é pior, numa lista de 26 países, que as Panamá, Quirguistão e Catar, segundo a avaliação internacional Pisa de 2009. Além disso, o Índice de Desenvolvimento da Educação básica (Ideb) da rede pública em 2011 é pior do que o Ideb da rede privada em 2005, tanto nos anos iniciais do fundamental quanto nos finais e no nível médio.
E, na Educação infantil, o IBGE mostra que metade das crianças de 4 anos está fora de Creche ou Pré-Escola; no Chile, 75% delas frequentam instituição de Ensino; no México, 99%.
Só 55% das crianças de quatro anos estão na escola
Apesar do avanço no acesso à Creche no Brasil, o país ainda tem apenas 55,2% de suas crianças de 4 anos matriculadas em algum estabelecimento de Ensino, taxa que é a sexta pior numa comparação com 34 países. No México, a cobertura Escolar nessa faixa etária é de 99% e no Chile, de 75%. A média dos países da OCDE fica em torno de 80%.
Com as crianças fora da rede de Ensino, fica mais difícil a inserção das mulheres no mercado de trabalho, mostrou a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE. Das mães que têm filhos até três anos frequentando Creche, 71,7% estão trabalhando. Se nenhum filho nessa faixa etária está matriculado, a taxa cai para 43,9%. Se algum filho frequenta a Creche, mas não todos os que têm menos de três anos, a participação no mercado de trabalho também é baixa: 43,4%.
Clara Araújo, Professora de pós-graduação em Ciências Sociais da Uerj e pesquisadora das questões de gênero, diz que essa correlação torna evidente a importância da oferta de Creches:
– O trabalho feminino ainda é marcado pela precariedade e informalidade ou em tempo parcial, por causa da responsabilidade única do cuidado com os filhos. Até cresce a participação dos pais na tarefa, mas ainda é uma atividade predominantemente feminina. Se alguém tem que trabalhar menos para cuidar do filho, essa pessoa será a mulher. A proporção de crianças nessa faixa etária alcançadas por Creche ainda é muito pequena.
Entre as crianças de até três anos, 20,8% delas frequentavam instituições de Ensino em 2011, o dobro das 10,6% de 2001. Na faixa etária de quatro a cinco anos, a taxa subiu de 55% para 77,4%.
Jornada dupla
Amanda Teles, de 30 anos, é uma das mulheres fora do mercado de trabalho para cuidar do filho, Vicente, de três anos. Sem dinheiro para colocar o menino numa Creche particular, não tem com quem deixá-lo.
– Minha mãe já cuida de outra neta e seria muito pesado ficar com duas crianças pequenas e o pai dela, doente aos 86 anos. Então, resolvi ficar em casa – afirma ela.
Amanda chegou a procurar Creches públicas em Laranjeiras, onde mora, mas a maioria era para crianças acima de três anos e outras exigiam como critério para matrícula um rendimento familiar mais baixo.
Em 2011, havia 48.642 Creches para 10,5 milhões de crianças até três anos, das quais 20.048 (ou 41,2%) eram privadas e 28.594 (58,7%), públicas.
O levantamento do IBGE também mostra o tempo menor da mulher no trabalho remunerado. Os homens trabalham em média 6,3 horas a mais que as mulheres. Porém, quando se somam os afazeres domésticos, essa jornada feminina é 6,8 horas maior que a dos homens. Enquanto os homens trabalham 52,7 horas por semana, considerando o trabalho remunerado e os afazeres domésticos, as mulheres têm jornada de 58,5 horas.
Para a socióloga Ana Saboia, coordenadora geral da Síntese de Indicadores Sociais, as políticas públicas estão no caminho certo. No programa Brasil Carinhoso, a meta é construir 6 mil Creches até 2014.
Pobreza além da renda
Sem paredes. A casa de Rosana, que mora com a filha Maria Vitória em Teresina, não tem telhado nem paredes completas: “Se chover, fica toda molhada, mas aqui está muito seco”
Efrém Ribeiro
Retratos do Brasil
Rio e Teresina Não é só renda que conta para se ter uma vida digna. Num entendimento mais amplo da pobreza, o IBGE uniu carências sociais às de renda e verificou que 22,4% da população podem ser considerados vulneráveis, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2012, divulgada ontem pelo instituto.
Acesso a Educação, seguridade social, a domicílio decente e a serviços básicos, além da renda, compõem o indicador de vulnerabilidade calculado pela primeira vez pelo IBGE. Se forem considerados os brasileiros que têm renda suficiente (ou seja, ganham mais do que R$ 370 por mês), porém sofrem com algum tipo de carência social, chega a 36% a parcela de brasileiros em situação precária. São 66 milhões de brasileiros na população de 184 milhões que vive em domicílio permanente.
Segundo a publicação, “foram selecionado indicadores de carências sociais que identificam elementos mínimos de direito, sem os quais não se pode assegurar que as pessoas possam exercer sua dignidade, segundo o marco jurídico nacional”.
– Fizemos uma abordagem de direitos humanos, de direito a uma vida digna, que tenha proteção em caso de doença ou desemprego, uma janela de oportunidade de alcançar uma ocupação mais qualificada com acesso à Educação e condições dignas de habitação – afirmou Barbara Cobo, pesquisadora do instituto.
“mais fácil reduzir pobreza de renda”
O Professor da UnB e especialista em pobreza e desigualdade Marcelo Medeiros, diz que essa forma de medição da pobreza é o caminho do Brasil, que já venceu a fome e deve levar à pobreza extrema a níveis residuais.
– Os números mostram que o acesso a serviços públicos não acompanhou o excelente desempenho da economia. O ideal é que o Estado fosse na frente. Ninguém está ignorando as melhoras que houve, mas poderiam ter sido muito maiores.
A situação melhorou quando se olha para dez anos atrás, segundo a coordenadora geral da Síntese, Ana Saboia. Ela exemplifica com a parcela de 58,4% da população que sofria com pelo menos uma das carências listadas. Há dez anos, a participação desse grupo era de 70,1%:
– Houve uma melhora muito grande nesses indicadores.
Diante do diagnóstico de que a pobreza não se restringe à questão da renda, o Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA/RP) Daniel dos Santos diz que o desafio para reduzi-la é ainda maior:
– É muito mais fácil reduzir pobreza de renda do que lidar com outras carências, como Educação e acesso a serviços públicos, por exemplo. A renda é mais volátil, é mais fácil de subir, uma canetada resolve ao se entregar um cartão para cada um que precise de aumento de renda. Já melhorar a Educação é um processo mais longo e que exige mais perseverança.
O acesso a serviços básicos do domicílio foi a principal carência identificada, um reflexo da baixa cobertura do saneamento básico no Brasil. Da população, 32,2% não têm acesso a serviços como saneamento adequado, água encanada, lixo coletado ou luz elétrica. Em 2001, eram 40,9% da população.
O atraso educacional melhorou na década estudada. Baixou de 39,3% para 31,2%. O acesso à seguridade social, com a formalização do mercado de trabalho e a ampliação dos programas sociais, ai,emtpi, mas ainda não é realidade para 21,3% da população. Em 2001, eram 36,4%.
Na fragilidade de renda, são 29,8% contra 30,2% uma década antes. Com esses indicadores, o IBGE constatou que apenas 34,2% da população podem ser considerados não vulneráveis.
A casa de Rosana Dias, de 24 anos, no povoado Árvores Verde, na zona rural de Teresina, é como na canção de Vinícius de Moraes: não tem paredes completas, não tem telhado, não tem nada.
Seu marido, o pedreiro Alexandre Vieira Cardoso, ganha uma média de R$ 700 por mês, mas não tem emprego formal. O casal tem uma filha, Maria Vitória, de cinco meses, e uma casa praticamente aberta porque as paredes de taipa (argila) não estão complestas e o sol e a chuva entram pelos dois únicos cômodos. O único eletrodoméstico na casa é um geladeira velha.
A família não tem fogão (os alimentos são preparados num fogareiro improvisado de tijolos no chão), nem televisão.
– Se chover a casa vai ficar toda molhada por causa dos ventos, mas no Piauí está muito seco e não está chovendo – diz Rosana, que estudou até o 3º ano do Ensino fundamental.
Educação brasileira registra avanços na última década
A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2012, divulga pelo IBGE nesta quarta-feira (28), mostrou que, de um modo geral, houve melhorias significativas na educação brasileira, na década 2001 a 2011. Entre as áreas que tiveram os melhores resultados, a educação infantil (0 a 5 anos) foi um dos destaques, com o percentual de crianças na escola subindo de 25,8% para 40,7%. Já a escolarização de crianças de 6 a 14 anos está praticamente universalizada, alcançando 98,2% em 2011.
Entre os adolescentes com idades de 15 a 17 anos, 83,7% frequentavam a rede de ensino em 2011, percentual um pouco maior se comparado a 2001 (81%). Mesmo assim, apenas 51,6% deles estavam na série adequada para a idade. O avanço na taxa de frequência desses jovens ao ensino médio foi mais significativo entre aos que pertencem às famílias com menores rendimentos (de 13,0%, em 2001, para 36,8%, em 2011) e entre os pretos e pardos (de 24,4% para 45,3%).
Já a proporção de jovens estudantes (18 a 24 anos) que cursavam o nível superior cresceu de 27,0% para 51,3%, entre 2001 e 2011, sendo que, entre os estudantes pretos ou pardos nessa faixa etária, a proporção cresceu de 10,2% para 35,8%