Em pauta, a escolha do Livro Didático

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Avaliar os livros que os estudantes usam em salas de aula. Foi com este objetivo que, em 1996, durante a gestão do ministro Paulo Renato Souza, o Ministério da Educação (MEC) criou o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Hoje, sete anos depois, o ministro mudou, mas o programa permanece o mesmo, recebendo elogios e críticas. Integrante da Comissão Técnica do PNLD, o professor Nelio Bizzo é um defensor do programa. Sua única crítica é o não-envolvimento do ensino médio na avaliação dos livros didáticos. “O governo anterior poderia ter gasto o dinheiro com a compra de livros e não com o Enem“, afirma. Vice-diretor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Nelio sugere aos professores muita atenção com a qualidade e com o conteúdo dos livros didáticos. Em especial, ele alerta os professores de São Paulo, pois o estado é um único que não participa da avaliação coordenada pelo MEC. E nesta sexta, dia 20, o prazo para os professores selecionarem os livros didáticos para o ano letivo de 2004 se encerra. Segundo dados do MEC, o orçamento para a compra dos livros é de R$550 milhões, o que possibilita a aquisição de aproximadamente 120 milhões de obras em todo o país. A respeito do PNLD e desta seleção para o próximo ano, o professor Nelio Bizzo falou à FOLHA DIRIGIDA. Confira a entrevista:  
 
Folha Dirigida – Qual a importância do livro didático na sala de aula?  
Nelio Bizzo –
O livro didático é uma ferramenta muito importante para todos os cursos. Ele funciona de forma parecida com aquela que um equipamento médico serve para um cirurgião. As atividades de ensino e aprendizagem requerem infra-estrutura e uma parte muito importante desse processo é o material didático.  
 
Folha Dirigida – O livro didático prende o professor ao conteúdo?  
Nelio Bizzo –
O livro didático desempenha apenas uma função acessória. Não é correto atribuir a ele todas as mazelas da educação brasileira e tampouco faz sentido a gente dizer que as melhoras na educação ocorrem por causa dos livros. O que posso dizer com absoluta certeza é que os livros didáticos no Brasil hoje são muito melhores do que aqueles que existiam há oito anos.  
 
Folha Dirigida – E esta mudança se deve ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)?  
Nelio Bizzo –
O PNLD trouxe para o ensino fundamental uma preocupação com a qualidade, não apenas em relação ao conteúdo do livro, mas inclusive em relação ao próprio cronograma de entrega do livro. Pois não adianta você ter um livro bom, mas que chega atrasado na escola. Diversas iniciativas foram tomadas para que o livro chegasse em tempo.  
 
Folha Dirigida – O livro demorava quanto tempo para chegar às escolas?  
Nelio Bizzo –
O PNLD passou por diversos percalços e era comum que o livro chegasse às escolas no final do ano, no momento em que eles já não se faziam mais necessários. Agora, o que ocorre é que freqüentemente os editores se queixam que têm que entregar os livros muito rapidamente para que eles estejam nas escolas em janeiro e fevereiro no ano em que eles serão utilizados. Isso mostra que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o MEC conseguiram desenvolver uma tecnologia, que é uma das mais avançadas do mundo em relação a essa operacionalização. É um programa com dimensões sem paralelo no mundo.  
 
Folha Dirigida – Como é o trabalho na comissão do PNLD?  
Nelio Bizzo –
O trabalho da comissão é feito por instituições que desenvolveram alta competência em relação à avaliação do livro didático, em áreas específicas. Então, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolve a área de Linguagem, Português e dicionários, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) fica responsável por Matemática. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) é especializada em História e Geografia e a Universidade de São Paulo (USP) desenvolve a área de Ciências. A comissão é designada pelo ministro da Educação para acompanhar o trabalho que estas instituições realizam. Ela faz uma espécie de fiscalização e, ao mesmo tempo, assessora o MEC nas questões referentes à publicação do edital para a inscrição de livros. E, neste edital, existem todas as instruções relativas à avaliação dos livros.  
 
Folha Dirigida – Como são escolhidas as comissões?  
Nelio Bizzo –
Cada comissão é instituída pelo ministro da Educação para acompanhar uma versão específica do PNLD. Em abril, o ministro Cristovam Buarque designou uma comissão, da qual eu também faço parte. Mas o ministro Paulo Renato já tinha designado uma comissão e foi esta comissão que fez os critérios para o PNLD 2005. No ano passado, houve as inscrições dos livros didáticos do PNLD 2005 e agora, na gestão do ministro Cristovam, os livros inscritos serão avaliados.  
 
Folha Dirigida – Tudo é feito com bastante antecedência?  
Nelio Bizzo – E
xatamente. Os livros que estarão nas escolas em 2005 foram inscritos em 2002. É uma operação de guerra. Ela tem que ser feita com muita antecedência, com prazos rigorosos e dentro de um processo de avaliação que não tem paralelo no mundo. Parece até ufanismo, mas a realidade é que, tanto do ponto de vista qualitativo quanto quantitativo, o processo de avaliação desenvolvido pelo MEC tem despertado muito interesse em outros países.  
 
Folha Dirigida – O senhor poderia citar alguns desses países?  
Nelio Bizzo –
Posso. Nós realizamos um seminário internacional em São Paulo, onde trouxemos especialistas de países como Canadá, Austrália, Inglaterra, Índia, Paquistão e Irã. Tivemos durante três dias discussões profundas sobre o trabalho de avaliação dos livros didáticos, o que revelou que os livros brasileiros, por exemplo, já são mais corretos do que os usados na Columbia Britânica, que é uma província canadense onde existe uma alta qualidade de ensino. Evidentemente não se pode falar de uma maneira geral, mas os livros brasileiros têm um padrão de qualidade que já supera em alguns aspectos relacionados a conteúdo. E os livros brasileiros estão sendo referência, pelo menos na área de Ciências, para livros que são desenvolvidos em países como a Índia, Paquistão e Irã, que estão muito interessados em ver como o Brasil realizou o trabalho de avaliação e conseguiu orientar os editores para o desenvolvimento de produtos melhores. Os livros didáticos dos Estados Unidos, por exemplo, passam por uma série de avaliações que, em primeiro lugar, não evitam os erros de conteúdo e, em segundo lugar, acabam ajustando os livros a certas características dos compradores. Isso leva os livros a terem uma conotação moralista muito forte e até evitarem temas inteiros como Evolução, por exemplo, por questões religiosas.  
 
Folha Dirigida – O senhor disse que o livro didático serve de modelo para outros países. Nosso ensino também poderia tornar-se um modelo, se fosse criado uma programa que atuasse nesse sentido, como o PNLD?  
Nelio Bizzo –
Estamos muito longe de constituir um modelo em relação à educação, em todos os níveis, da pré-escola à universidade. E não servimos de modelo porque os salários dos professores no Brasil são muito baixos. Fundamentalmente, o que se precisa, e nisso o ministro Cristovam tem razão, é que haja mais dinheiro para a educação. Não podemos achar que vamos resolver os problemas educacionais apenas administrando melhor o dinheiro que já existe. Essa é uma falácia que foi muito utilizada em gestões anteriores e está na hora de revermos isso profundamente. É evidente que para melhorar a qualidade da educação brasileira, é necessária uma série de iniciativas. Algumas delas já foram tomadas, mas é preciso fazer com que funcionem bem. Vou dar um exemplo de algo que poderia servir de modelo para outros países e que nós temos, mas não funciona bem: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Ele poderia ser melhor, se passasse a ser um “Fundeb“, ou seja, se cobrisse toda a Educação Básica. Só que a idéia do Fundef, infelizmente, jamais seria aceita em alguns países como, por exemplo, na Inglaterra.  
 
Folha Dirigida – Por que lá o Fundef não seria aceito?  
Nelio Bizzo –
Porque seria considerado muito socializante. Na Inglaterra, o financiamento da educação é radicalmente diferente do Brasil. Lá as escolas recebem parte dos impostos recolhidos naquele bairro. Nas regiões ricas, normalmente são impostos altos, então são escolas que têm um alto padrão de ensino. Portanto, os bons professores tentam lecionar nas escolas dos bairros ricos. O problema é que as crianças dos bairros pobres não podem se matricular nas escolas dos bairros ricos. Existe uma certa perversidade que se reproduz a cada geração por conta da manutenção dessa desigualdade. E o que nós temos que reconhecer é que o Fundef trouxe uma contribuição notável no sentido de buscar condições iguais para todos. Hoje, caso o ministro disponha de recursos, ele pode estabelecer um valor mínimo por alunos em todas as escolas brasileiras, sejam elas ricas ou pobres. O dinheiro para a educação vai para o fundo único e é repartido igualmente com todos os alunos do ensino fundamental. Então, o município que tem muitos alunos no ensino fundamental recebe uma parcela maior do orçamento.  
 
Folha Dirigida – O PNLD só inclui os livros para o ensino fundamental. Por que o ensino médio também não participa?  
Nelio Bizzo –
Essa é a minha grande crítica ao governo anterior, especialmente diante de iniciativas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Com o dinheiro que o governo gastou com o Enem, seria possível comprar livros didáticos para todos os alunos do ensino médio. Mesmo considerando que o Enem é uma iniciativa interessante, apesar de necessitar de reformulações, o que é mais importante para melhorar a qualidade de um sistema de ensino não é avaliar os alunos. Isso deve fazer parte de uma estratégia. Mas o fundamental é dar melhores condições de trabalho para os alunos e professores. É nesse contexto que entram os livros didáticos para o ensino médio.  
 
Folha Dirigida – Mas porque não houve o interesse do ensino médio fazer parte do PNLD?  
Nelio Bizzo –
Basicamente porque o governo não comprou livros para o ensino médio. Não há como controlar a qualidade do que você não compra. O MEC enfrentou, inclusive, diversos questionamentos na Justiça Federal sobre o processo de avaliação e a jurisprudência que se firmou é que o MEC não apenas pode realizar avaliações do livro didático, como deve fazer isso. Porque não basta a educação ser apenas pública e gratuita; ela deve ter um padrão de qualidade.  
 
Folha Dirigida – Quais características o senhor acredita que os educadores devem observar quando da escolha de um determinado livro para ser adotado na escola?  
Nelio Bizzo –
É fundamental consultar o Guia de Livros Didáticos editado pelo MEC. Uma pesquisa realizada pelo ministério no ano passado demonstrou que poucas escolas utilizam o guia no momento da escolha.  
 
Folha Dirigida – O senhor teria a quantidade?  
Nelio Bizzo –
Não fizemos uma pesquisa quantitativa, mas a pesquisa qualitativa que foi realizada em mais de dez municípios brasileiros revelou que nenhum deles utilizava o guia. Foi uma amostra aleatória, que não tinha a pretensão de ser quantitativa. O que percebemos é que poucos municípios e professores usam o guia. Com exceção do estado de São Paulo, que faz as compras diretamente, em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal as escolas recebem o guia, onde existe uma resenha detalhada dos livros didáticos disponíveis para escolha. Através da leitura dessas resenhas, o professor tem uma série de indicações de livros para ele escolher qual está mais de acordo com o trabalho que pretende realizar.  
 
Folha Dirigida – Como acontece a avaliação dos livros didáticos em São Paulo, que, conforme o senhor falou, é diferente?  
Nelio Bizzo –
Infelizmente, o estado de São Paulo resolveu manter-se fora das ações diretas do PNLD. O governo recebe o dinheiro referente ao PNLD e ele próprio realiza a sua seleção de livros. O que ocorre freqüentemente no estado de São Paulo é que livros excluídos no processo de avaliação do MEC são oferecidos pelas editoras para escolha. Então, especificamente para os professores de São Paulo, o que recomendo é que eles pesquisem bastante para saber se o livro que eles pretendem adotar foi avaliado e aprovado pelo MEC. Isto pode ser feito na internet e até por telefone. Se os professores de ensino fundamental não tomarem esse cuidado, é muito provável que acabem escolhendo um livro que foi excluído pela avaliação do MEC, devido aos mais diferentes motivos.  

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