Educação na medida

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Debate sugere que avaliações e indicadores oficiais devem servir como referências para a produção de livros didáticos

 

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Um dos temas de maior relevância para a definição de políticas educacionais foi destaque na programação da Abrelivros na Bienal. Na sessão “Avaliações e indicadores nacionais da educação”, foi discutida a importância dos testes aplicados sobre as escolas como ferramentas para a melhoria do processo de ensino. Participaram do debate Maria Cecília Condeixa, autora de livros didáticos e consultora de Avaliação e Currículo, e Amaury Gremaud, diretor da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (ABAVE) e professor do Departamento de Economia da USP. A conversa foi mediada por Vicente Paz, diretor-geral da Texto Editores/Leya Brasil.

 

Inicialmente, os debatedores apresentaram o processo de criação dos indicadores. Cada avaliação é feita a partir de provas, criadas a partir de matrizes e itens. Os dados de base são levantados empiricamente, a partir de escolhas metodológicas. Tradicionalmente, a avaliação escolar era centrada em conhecimento conceitual (como ocorre em itens que iniciam perguntando ao aluno “o que são”), denotando foco no nome e na explicação de conceitos. Esse formato apelava para a memorização, mas raramente se pedia que o aluno soubesse como aplicar esse conhecimento na vida.

 

Adeus à “decoreba”

 

Mas essa situação vem mudando. Se há um tempo as provas eram construídas a partir conceitos e fatos a serem memorizados, hoje é pedido aos alunos que desenvolvam competências e habilidades. O exemplo mais claro está na matriz cognitiva do ENEM, baseada em cinco eixos: dominar linguagens, compreender fenômenos, enfrentar situações-problema, construir argumentação e elaborar propostas.

 

Cecilia exemplificou com um item de prova do Enem de 2010, no qual o aluno deveria inferir funções de microvilosidades, conceito trabalhado habitualmente em ciências e biologia. A ideia seria que o aluno, mesmo sem ter estudado esse item especificamente (e não tivesse memorizado), mas que fosse um bom leitor, tivesse a capacidade de solucionar a questão. A resolução do item evidenciaria pelo menos duas habilidades: interpretar experimentos técnicos que utilizam seres vivos, analisando implicações para o ambiente, e relacionar informações apresentadas em diferentes linguagens.

 

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Outro modelo de mudança desse paradigma na formulação de itens das provas é o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Ele é aplicado apenas em alunos na faixa de 15 anos de idade, que estariam terminando o Ensino Fundamental e iniciando o Médio. Na última edição do teste, em 2009, participaram 68 países, cada um com 4 a 10 mil alunos, num total de 250 mil estudantes. O foco do PISA são habilidades para a vida, verificando se os alunos sabem utilizar o conhecimento adquirido.

 

Essa mudança de foco nas avaliações já começa a ser acompanhada pela área editorial. Os livros didáticos têm se renovado e deslocam a ênfase do conhecimento apenas conceitual para o uso contextualizado e aplicado. Tratam, portanto, de situações-problema que exigem senso prático dos alunos.

 

Alguns cuidados

 

Avaliações e indicadores são importantes para a formulação de políticas públicas. No entanto, é preciso saber interpretá-los e considerar até onde os números retratam a realidade das escolas. Para Amaury Gremaud, os testes têm seus limites e é preciso ter certa cautela com eles. Usa-se muito o termo  indicadores como sinônimo de avaliação. Não se pode confundir, pois os indicadores são apenas um ponto de partida para se avaliar de fato a complexidade de um sistema de ensino.

 

A realidade da escola possui outros problemas que não apenas o da aprendizagem. A realidade mesma de uma sala de aula é heterogênea e os testes, que ao fim apresentam médias, não conseguem representar essa diversidade. “Um dos problemas das médias é que elas ocultam que os alunos são diferentes uns dos outros”, avalia Amaury.

 

Outro ponto a ser considerado é que as escolas em si não utilizam os resultados dos indicadores, fazendo com que elas se vejam apenas como objeto de estudos, e não partícipes de um processo global de melhoria do ensino. Segundo Amaury, “para a grande maioria de professores, indicadores são apenas números”. Deve-se estar atento para o uso das avaliações apenas para a chamada accountability, ações imediatas realizadas a partir dos números obtidos. Há dois tipos: a fraca, que só divulga resultados; e a forte, que atrela sistema de sansões e prêmio aos resultados.

 

A quantidade de testes a que as escolas são submetidas traz outro risco. Se as unidades de ensino são avaliadas somente a partir de testes, elas podem passar a girar em torno da necessidade de atingir as metas e rankings dos testes. Um exemplo desse caso seria reter um aluno em séries iniciais para que ele não faça determinada prova e baixar os resultados da escola. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) busca evitar esse problema ao associar o indicador da Prova Brasil às taxas de aprovação de cada escola.

 

Ferramentas de melhoria

 

Para os dois debatedores, há boas perspectivas a partir dos resultados que vêm sendo colhidos nos testes. O Brasil possui um sistema sofisticado de indicadores e avaliações. Com os cuidados necessários, os números podem constituir uma boa base de mudança. Segundo Amaury, “não se pode observar os indicadores de forma acrítica.”

 

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Para Cecília, devem-se observar as competências com as quais as escolas estão trabalhando de fato, e assim utilizar as provas como ferramentas de melhoria. Além dos educadores, os testes devem subsidiar autores e editores de livros didáticos, que mesmo não sendo considerados nos exames, estão muito presentes na vida dos alunos e professores.

 

Essa aproximação é necessária e muito relevante também para as editoras. Os autores de livros didáticos poderiam utilizar ainda mais as habilidades e competências exigidas pelos testes na construção das obras. Considerando que o país tem um volumoso programa de aquisição de livros didáticos pelo governo, é imperioso que haja um diálogo entre o setor responsável pela compra das obras (FNDE e MEC) e o que cuida das avaliações (INEP).

 

Uma solução em vista é o PNBE do Professor, que fornecerá material teórico e metodológico para os educadores. Para Amaury, deve-se fomentar a discussão, uma vez que os exames acabam incidindo, de um jeito ou de outro, sobre a produção dos livros didáticos.

 

 

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