Técnico do Ministério da Educação, Osvaldo de Souza, chega hoje em Fortaleza e deverá encaminhar nova denúncia sobre venda ilegal de livros do FNDE ao Ministério Público Federal. Segundo ele, a reincidência do caso se deu porque ´as pessas envolvidas não se sentiram ameaçadas´, disse se referindo as vendedores
Ao saber que pelo segundo ano consecutivo é constatada a venda ilegal de livros que deveriam ser distribuídos gratuitamente nas escolas públicas, Osvaldo de Souza, diretor de Administração e Distribuição do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), disse que vai encaminhar uma nova denúncia crime ao Ministério Público Federal.
Souza chega hoje à noite a Fortaleza. Amanhã ou sexta-feira ele deve ter uma audiência com o procurador Francisco Gerin Cavalcante. No ano passado, o FNDE, órgão que é ligado ao Ministério da Educação, já havia encaminhado um documento semelhante ao MP no Ceará e Gerin foi quem ficou responsável pelo caso da venda ilegal de livros.
´Essas pessoas envolvidas com a venda ilegal não se sentiram ameaçadas´, disse ao reclamar da demora da Polícia Federal em tomar uma ação mais ´conclusiva´. A apreensão realizada na segunda-feira em Fortaleza se deu um ano depois das primeiras denúncias. Souza afirma que não há registro de venda ilegal em outros estados. ´O processo de distribuição funciona no Brasil inteiro. No Ceará nós temos problemas´.
Wander Soares, presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), diz também desconhecer que haja venda irregular em outros estados. ´A gente (editores) toma muito cuidado. O desvio desse produto pode gerar um prejuízo muito maior do que o valor dos livros. Seria como se estivéssemos dando à mãos particulares livros comprados pelo governo´. Sales vai entrar em contato com outros editores e promete acompanhar de perto o caso.
Tanto Souza quanto Soares destacam o prejuízo sofrido pelos alunos prejudicados com o desvio de livros. O diretor do FNDE, apesar de não precisar o local, afirma que já houve reclamação de falta de livros em escolas cearenses.
O FNDE já enviou à Polícia Federal a relação dos livros e escolas atendidas pelo PNLD em todo o Ceará. ´Nós estamos esperando os Correios enviarem as informações. São muitas as informações´, afirma Wagner Sales, substituto da Delegacia Fazendária, divisão da Superintenedência da Polícia Federal. Segundo ele, os trabalhos se encontram na fase de levantamento de informações. Não há previsão de quando a investigação será concluída. ´É um inquérito muito complicado´, ressalta o delegado. E ele parece ter razão. Existem vários ´canais´ por onde possam estar escoando esses livros. Desde as editoras, passando pela empresa responsável pela distribuição, até chegar às prefeituras e escolas.
MATERIAL ESCOLAR – Preço alto do livro desvirtua mercado
Donos de livrarias reclamam da concorrência considerado ´desleal´ dos vendedores ambulantes e dizem que as vendas têm caído nos últimos anos. O consumidor, que fica sendo disputado entre o que ´legal´ e ´ilegal´ convive com diferenças de preços que chegam a mais de 200%
O comércio ilegal de títulos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) não prejudica somente alunos das escolas públicas. Proprietários de livrarias de Fortaleza reclamam do que eles chamam de ´concorrência desleal´. Sem nenhuma obrigação fiscal, os vendedores ambulantes comercializam livros do PNLD a preços muito inferiores aos cobrados por produtos similares nos estabelecimentos legalizados.
O preço do livro didático vendido pelas livrarias, no entanto, é que tem causado essa disfunção no mercado de livros e material didático. Alheios ao que é ´legal´ e ´informal´ no setor, o consumidor tende a comprar de forma a economizar algum dinheiro. E a diferença entre os preços dos livros no comércio ilegal e os preços praticados nas livrarias é gritante. O título ´Física – Volume Único´ (Editora Scipione) custa R$ 28,00 nas ruas do Centro. Nas lojas do mesmo bairro a publicação é comercializada a R$ 40,40. De um preço para outro, a variação é de 44,3%. Muito? Essa foi menor diferença encontrada por O POVO.
Há publicações em que a diferença chega a ultrapassar os 200%. Esse é o caso por exemplo dos livros ´Geografia Crítica´ (Editora Ática) e ´História Tem – O mundo dos cidadãos´ (Editora Scipione). Para eles, a diferença de preços, chega a, respectivamente, 204,6% e 217,5% dos vendedores ambulantes para as livrarias.
Isso tem reflexo direto na venda do mercado formal. Segundo os proprietários de livrarias, o movimento das lojas, mesmo no chamado ´período de alta estação´, tem caído seguidamente nos últimos anos por conta do comércio ilegal não só de livros do PNLD como também de livros do professor – amostras grátis entregues pelas editoras. Oscar Nogueira, diretor comercial da Livraria Educativa, que funciona no Centro, diz que as vendas caíram 20% de 2001 para 2002. O estabelecimento fica no mesmo bairro onde a Polícia Federal apreendeu segunda-feira 426 livros sendo vendidos ilegalmente.
Outro comerciante que reclama da queda nas vendas é Audízio Lopes Gurgel. Atuando no setor desde 1971, o dono da Livraria Pedro I, com duas unidades no Centro, afirma que a ´alta estação´ de vendas de livros que hoje dura em média 30 dias, já chegou a ser três vezes maior. O auge do setor acontece entre os dias 15 de janeiro de 15 de fevereiro, havendo uma pequena variação de um estabelecimento para outro.
Se não bastasse a concorrência do comércio dos ambulantes, as livrarias de Fortaleza disputam espaço também com colégios. Além de venderem livros, alguns passaram a vender também material escolar. ´As livrarias são vitrines das editoras o ano inteiro. As escolas só fazem venda de livros uma vez por ano´, critica Mileide Flores, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Livros (Sindilivros).
Todo final de ano, entre os meses de novembro e dezembro, a presidente do Sindilivros diz que entrega à Receita Federal, à Secretaria da Fazenda e à Delegacia Regional do Trabalho (DRT) documento relatando as irregularidades na venda de livros em Fortaleza.
PARA ENTENDER O CASO
24/01/02 – A equipe de reportagem de O POVO constata venda ilegal de obras do Programa Nacional do Livro de Didático (PNLD) de 2002 na Praça dos Leões, onde acontece a feira do Troca-Troca, e em outros pontos informais do Centro de Fortaleza. Obras de anos anteriores do programa e livros dos professores também são comercializados.
25/01/02 – O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), depois de informado pelo jornal, envia dois representantes à Fortaleza. A Polícia Federal realiza inspeção no Centro e constata a irregularidade. Os representantes do FNDE, que acompanharam o trabalho da PF, conseguem comprar um livro do PNLD 2002 com um vendedor ambulante.
30/01/02 – O procurador geral do FNDE, José Weber Holanda Alves, entrega ao Ministério Público Federal, em Fortaleza, notícia crime relatando a venda ilegal de livros distribuídos gratuitamente às escolas. O procurador regional da República, Francisco Gerim Mendes Cavalcante, promete tomar providências para agilizar as investigações.
21/02/02 – Técnicos do FNDE vêm a Fortaleza monitorar o funcionamento do PNLD.
03/04/02 – Um mês após o início do ano letivo, alunos de 2ª, 3ª e 4ª série de escolas públicas municipais de Fortaleza ainda não haviam recebido livros didáticos. A Prefeitura alega que houve aumento de 50% no número de alunos.
09/01/03 – Pelo segundo ano consecutivo, a equipe de reportagem de O POVO constata venda ilegal de livros do PNLD na Praça dos Leões. Livros das disciplinas de história e geografia comprados pelo FNDE para o ano letivo de 2003 são comercializados por até R$ 12,00 semanas antes do início das aulas.
13/01/03 – A Polícia Federal apreende 426 livros do PNLD sendo vendidos ilegalmente em dois estabelecimentos do Centro de Fortaleza. As proprietárias foram presas em flagrante por crime de receptação.
´Saída é elevar tiragem´
O presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), Wander Soares, diz que a única forma de reduzir o preço dos livros é fazendo com que a tiragem seja maior. Isso depende do mercado. ´Há uma diversidade muito grande de títulos e o número que se imprime de cada um não é muito grande´.
Para o presidente da Abrelivros, o grande problema está nos baixos salários pago aos trabalhadores brasileiros. ´Na realidade, o problema é a relação salário e custo dos livros´. Segundo Soares, somente em 2002, houve um aumento de 29% no papel usado para produção de livros didáticos. O papel, ao contrário daqueles usados pelo jornais, tem produção totalmente nacional, e portanto não sofre influência do dólar.
Um dos fatores que mais contribuem para o preço dos livros é o tamanho da cadeia do setor. Nas regiões Norte e Nordeste, segundo dados da Abrelivros, os preços são entre 5% a 8% maiores do que aqueles sugeridos nas tabelas das editoras. No País, existem aproximadamente 60 editoras produzindo livros didáticos, mas grande parte do mercado está concentrado nas mãos de 10 a 12 grandes editoras.