Ineficiência e improviso: os males da Educação Pública

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Um estudo feito pelo Movimento Todos pela Educação, divulgado no final de 2008, trouxe uma boa e uma má notícia. Do lado positivo, está o fato de que os indicadores melhoraram. Preocupante, no entanto, tem sido o ritmo do avanço. Das cinco metas estipuladas pelo movimento para o Brasil atingir uma educação comparável a de países ricos, o país só atingiu, em 2007, uma delas, a relativa ao número de número de jovens com Ensino Médio concluído até os 19 anos. Neste ritmo, dificilmente a educação brasileira alcançará níveis de primeiro mundo em 2022, ano do bicentenário da Independência e prazo estipulado para que o país atinja padrões de excelência.
 
  Ao comentar os resultados do estudo, o diretor-executivo do Todos Pela Educação, Mozart Neves, disse que ainda falta uma política de Estado para o setor educacional. Em outras palavras, os governos, em especial dos estados e municípios, ainda precisam definir diretrizes de longo prazo, pautadas em metas e em estratégias de participação da sociedade, para que o país possa experimentar avanços qualitativos maiores. “Projetos deste tipo, nenhum governante tem coragem de acabar. Ele pode até aperfeiçoar algum ponto, mas as metas fundamentais e a filosofia são preservadas“, salientou.
 
  Vice-presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Mozart Neves também já foi secretário de Educação de Pernambuco e reitor da Universidade Federal de Pernambuco. Segundo ele, o indicador mais preocupante da educação no país é o baixo percentual de alunos com aprendizado apropriado à sua série. O problema, afirma, é reflexo de um gargalo: a qualificação dos professores. “No Brasil, o professor é mal remunerado, dispõe de uma infraestrutura de trabalho muito ruim e enfrenta, em vários casos, condições muitos adversas até pra chegar na escola“, destacou Mozart Neves.
 
No final do último ano, foi divulgado um estudo do Movimento Todos pela Educação, cuja conclusão principal era a de que a Educação brasileira avançou, porém, abaixo das metas. O que leva a educação brasileira evoluir em um ritmo mais lento que o necessário?
 
  Mozart Neves – A falta de uma política de estado e não de governo, pautada em metas claras, que felizmente agora começa a ter espaço com o Plano de Desenvolvimento da Educação e o Compromisso de Metas Todos Pela Educação. Quanto ao que leva a educação a avançar em ritmo mais lento, um dos fatores principais é a ausência da sociedade no envolvimento da causa da Educação, que agora começa a mudar.
 
  Que falta faz uma política de Estado para a Educação?
 
  Faz muita falta, pois trata-se de um tipo de política que é, de fato, da sociedade, onde os projetos e os programas não são vistos como políticas específicas de governo. No Brasil, muitas vezes os projetos são de governo, por isso, não são conduzidos de forma a permitir um reconhecimento social. Com o Plano de Desenvolvimento da Educação, o ministro Fernando Haddad tem demonstrado grande maestria em torná-lo um projeto de Estado, na medida em que cria comitês locais e coloca em prática os Planos de Ação Articulada, dando transparência ao processo. Ou seja, é a transformação de uma ação de governo em ação de Estado, através do acompanhamento da sociedade. Projetos deste tipo, nenhum governante tem coragem de acabar. Ele pode até aperfeiçoar algum ponto, mas as metas fundamentais e a filosofia são preservadas.
 
  Em qual das metas do movimento Todos Pela Educação o país vem apresentando o melhor desempenho?
 
  Na Meta 4, relativa ao percentual de alunos com 16 anos que concluíram o Ensino Fundamental, e com 19 anos que concluíram o Ensino Médio. Trata-se da Meta que reflete o fluxo escolar. Nos últimos dez anos, o País fez um grande esforço para reduzir a distorção idade-série. Vários estados e municípios adotaram programas eficazes em parceria com Institutos e Fundações. Mais recentemente foi adotado por alguns estados e municípios um outro mecanismo, um artifício para driblar a repetência, a chamada progressão continuada, que melhorou em muito o fluxo escolar dessas unidades da federação. Porém, os alunos passaram de série sem aprender. Isso ajudou a melhorar a aprovação, mas não se mostrou eficaz do ponto de vista da aprendizagem do aluno. Este mecanismo inclusive foi um dos grandes responsáveis pela melhoria do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que tem dois importantes fatores: o fluxo e o desempenho. O vetor fluxo fez aumentar o IDEB de 2005 a 2007, especialmente nos estados e municípios que adotaram a progressão continuada.
 
  Em qual das metas o desempenho é o mais preocupante? Por quê?
 
  Sem duvida, a meta mais preocupante é a 3, relativa à aprendizagem. É muito baixo o percentual de alunos com aprendizado apropriado à sua série com foco na 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio, tanto em Língua Portuguesa como em Matemática. Nessa última, impressiona a queda de desempenho ao longo da Educação Básica. Na 3ª série do Ensino Médio, nenhum Estado alcançou a meta estipulada pelo Todos Pela Educação. A Meta 3 é a mais desafiadora, pois exige um grande esforço para melhorar qualidade do ensino.
 
  Que fatores levam a educação brasileira a ter indicadores tão baixos do ponto de vista da aprendizagem dos alunos?
 
  O baixo nível de aprendizado dos alunos é um dos reflexos da qualidade de nossos professores. É conseqüência da baixa valorização dos profissionais de educação. Nos países que figuram no topo do ranking da educação, os melhores alunos do ensino médio são levados à carreira do magistério, são acompanhados pelo governo, são valorizados, tem salário inicial muito bom. A carreira do magistério é valorizada e, por isto, atrai os melhores. No Brasil, ocorre justamente o contrário. O professor é mal remunerado, dispõe de uma infraestrutura de trabalho muito ruim e enfrenta, em vários casos, condições muitos adversas até pra chegar na escola. Além disso, tem uma péssima formação inicial e continuada. Então, se não conseguirmos alinhar esta questão, não venceremos o desafio de melhorar o nível de aprendizado de nossos estudantes.
 
  O que é necessário, na sua avaliação, para que a educação brasileira possa atingir as metas de evolução em um ritmo mais acelerado?
 
  O Brasil precisa, em primeiro, lugar investir fortemente na valorização do professor. Isto inclui objetivos como a melhoria salarial, o que significa implantar não só o piso, mas também uma política de teto salarial, com base no desempenho do professor. Além disso, é necessário investir na formação continuada associada ao plano de carreira e na melhoria das condições de trabalho. Mas, para isso o país precisa investir mais na Educação Básica e melhorar a gestão escolar. Outro aspecto importante refere-se à mobilização da sociedade pela causa da Educação de qualidade, especialmente a participação dos pais, que, em geral, pouco se envolvem com a Educação de seus filhos. As pesquisas mostram que, apesar da baixa qualidade do ensino público, os pais estão largamente satisfeitos com a Educação recebida por seus filhos.
 
  Em qual dos níveis a situação é mais preocupante: na Educação Infantil, no fundamental ou no médio? Por quê?
 
  O nível mais preocupante é de longe o Ensino Médio. Os jovens estão desmotivados. Falta professor em quantidade e qualidade. O déficit de professores nas disciplinas de Química, Física, Matemática e Biologia ultrapassa 100 mil professores. Os que dão aula hoje em Química e em Física não tiveram formação inicial nessas disciplinas. Um estudo do Conselho Nacional de Educação aponta que somente 9% e 13% dos que dão aula em Física e Química, respectivamente, foram de fato formados para tal disciplina. O currículo atual do Ensino Médio é totalmente desmotivador, nem prepara adequadamente para a universidade, nem para o mundo do trabalho. Na maioria das escolas, falta infraestrutura. Os laboratórios de ciências e de línguas praticamente não existem e os laboratórios de informática não se integram às aulas teóricas, nas poucas escolas que o possuem. As bibliotecas em geral, não estão atualizadas e têm acervo muito limitado. A situação no Ensino Médio é grave. Há dois meses, o MEC lançou uma nova proposta para reverter essa situação, que passa por uma escola de tempo integral, com um currículo que promove a interdisciplinaridade, a integração com a Educação Profissional, tudo isso apoiado em um forte regime de colaboração com os estados.
 
  Nos dados do Censo divulgados no início do ano, a Educação Profissional registrou maior crescimento: 14,1% no número de matrículas. Seria esta a saída para a crise do ensino médio?
 
  A incorporação da Educação profissional ao ensino regular pode ser um caminho interessante e motivador para o aluno, mas não deve ser o único. A integração das políticas estaduais de Educação com o Sistema “S“ poderá dar um salto de qualidade para o Ensino Médio. Mas, tudo passa pela capacidade do País em atrair jovens talentosos do Ensino Médio para a carreira do magistério, oxigenando o sistema.
 
  O estudo do Todos pela Educação traz uma novidade: a avaliação com base em metas. Por que ainda há tanta resistência dos governos em adotar este tipo de postura: determinar metas para suas ações educacionais?
 
  A área de Educação demorou a adotar a estratégia de metas para aferir as políticas publicas, ao contrário das áreas de saúde, desenvolvimento social e econômico, que já fazem isto há algum tempo. Somente após as 5 Metas do Todos Pela Educação é que o governo atentou e fez uma mudança de paradigma na área de Educação, lançando o Plano de Desenvolvimento da Educação e associando desembolso financeiro ao alcance de metas, com base no IDEB. Hoje cada estado e município brasileiro tem metas anuais até 2022, para tornar a Educação tão boa quanto a de países desenvolvidos. Hoje, eu diria que a resistência maior não está nos governos, e sim nos sindicatos, que, em geral, não concordam com a política de metas para a Educação.
 
  Por que há esta resistência dos sindicatos?
 
  Porque a cultura dos sindicatos, em geral, é de processo e não de produto. Mas, é preciso levar os dois em conta. Os sindicalistas defendem que, enquanto não chegarmos a uma situação ideal, não é possível pensar em metas. O problema é que, se não forem definidas metas de avanço, não se consegue mobilizar a sociedade e, nem mesmo, mostrar a importância da educação para o povo. Só se mobiliza povo quando existem metas, quando há clareza sobre para onde as políticas educacionais estão indo. Se não há como mostrar isto à população, as pessoas não se envolvem.
 
  Como o senhor avalia a quantidade e a qualidade do gasto público na área educacional?
 
  O Brasil ainda investe pouco e mal em Educação. Por exemplo, o investimento por aluno/ano na Educação Básica fica em torno de R$ 1.700,metade do que investem outros países latinos: Argentina, Chile e México; sete vezes menos que os países da comunidade européia e nove vezes menos que os Estados Unidos. E investe mal porque uma parte significativa desses poucos recursos é destinada para corrigir o fracasso escolar, como a não alfabetização de nossas crianças na idade correta. Se alfabetizássemos todas as crianças na idade correta, por exemplo, não precisaríamos gastar com alfabetização de adultos.
 
  Que outros fatores prejudicam a eficiência no gasto com educação?
 
  A própria máquina governamental gera duas situações complexas. Uma delas é o fato de as secretarias de Fazenda, em geral, só repassarem o mínimo de 25% que devem ser destinados à Educação no final do ano. A Fazenda faz o controle de caixa e, como sabe que tem de gastar 25%, muitas vezes liberam a maior parte do dinheiro no final do ano e isto acaba com o planejamento. Os recursos não são recebidos pelas secretarias de Educação de maneira uniforme e sim aos poucos. E, o que também é comum, parte do dinheiro recebido no fim do ano não é gasto e vira restos a pagar. Um outro aspecto é que, como a máquina é ruim do ponto vista da burocracia, às vezes, até existem recursos disponíveis, mas que não são gastos por falta de pessoal capacitado. Na época do Fundef, por exemplo, todo ano sobrava, em média, R$300 milhões porque as prefeituras não tinham pessoal especializado para operacionalizar e gerir convênios.
 
  Um dos problemas considerados mais graves na área educacional é o alto índice de repetência. Para resolvê-lo, algumas prefeituras e governos estaduais implantaram sistemas de progressão continuada que, mal administrados, se tornaram problema ainda maior.
 
  Qual a solução mais adequada para o problema da repetência, na sua avaliação?
 
  A repetência tem varias causas, mas certamente a que mais influi para os altos índices nas escolas públicas é a ausência de uma Educação atraente e motivadora. O jovem não sente motivação para estudar, as aulas são em geral chatas e desinteressantes. É preciso reinventar a escola, para que o ensino e o aprendizado sejam prazerosos.
 
  A aprovação do Piso Nacional do Magistério gerou o debate em torno das formas de valorização dos professores. Que tipo de políticas e ações deveriam ser adotadas para incentivar os docentes da Educação Básica?
 
  Hoje o maior desafio para dar qualidade ao ensino público é criar um ambiente real de valorização do magistério, que motive jovens talentosos do Ensino Médio a seguirem a carreira, como ocorre em países que estão no topo da qualidade da Educação mundial como: Finlândia, Coreia e China. É preciso estabelecer um plano de cargos e carreiras dinâmico, associado ao desempenho docente, ao seu esforço para alcançar bons resultados.
 
  Esta é uma questão polêmica. Não são poucos os que se posicionam contra associar remuneração docente a indicadores de desempenho. A justificativa em geral, é que o sucesso do trabalho do professor depende de inúmeros fatores, como condição social do aluno, condições estruturais das escolas, contribuição dos demais profissionais…
 
  O que defendo é que os planos de cargos e salários não podem estar vinculados somente ao tempo de serviço. Isto não faz sentido. É preciso que as regras também levem em conta o interesse do profissional em se titular e o esforço que ele faz para que o aluno aprenda. É o mais correto. Até porque, mesmo em áreas periféricas, em que os profissionais encontram inúmeras dificuldades, há professores que conseguem resultados importantes com seus alunos, justamente porque se esforçam.
 
  O senhor faz parte do Conselho Nacional de Educação. Como avalia a participação do Órgão na definição das políticas de Educação Básica do país?
 
  O CNE tem dado ao longo de sua história uma importante contribuição para a Educação brasileira, tanto no aspecto de definição das políticas, como no acompanhamento das mesmas. O CNE pela sua pluralidade de representação de sociedade civil, como órgão de estado, ao tempo em que assessora o MEC, injeta uma grande dose de legitimidade a essas políticas. Acredito, entretanto, que a sociedade em geral, conhece pouco do trabalho desenvolvido pelo CNE em prol da Educação brasileira. Na maioria das vezes, esse esforço é apenas reconhecido pelos órgãos diretamente vinculados à Educação.
 
  O CNE, no ano passado, iniciou um debate sobre reformas nas diretrizes curriculares nacionais. O objetivo era fazer adequações nos currículos das escolas. Como está este trabalho? Já há algum direcionamento? É necessária uma revisão dos parâmetros sobre o que é ensinado?
 
  O CNE, por meio de sua Câmara de Educação Básica concluiu o ano com a tarefa de elaborar as diretrizes curriculares de Educação Básica, até julho deste ano, em articulação com a Secretaria de Educação Básica do MEC. Será um enorme desafio. Não será fácil, mas a motivação é grande. O Grupo de Trabalho já está formado e pronto para iniciar as atividades. Sem dúvida que este trabalho apontará para rever alguns dos parâmetros, dar mais foco ao que deve ser ensinado, para não ficar excessivamente genérico.
 

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