Juca Ferreira diz que biblioteca não pode ser um depósito de livros

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O ministro da Cultura, Juca Ferreira, disse ser favorável à recriação de um órgão dentro da pasta para gerir as políticas públicas do livro e leitura do governo federal e defendeu que as bibliotecas públicas devem assumir um novo papel na sociedade. “Precisamos mudar a idéia que o brasileiro tem de biblioteca: é preciso tirar do brasileiro uma idéia de biblioteca como depósito de livros”, afirmou, em entrevista exclusiva à agência Brasil Que Lê, que será publicada pela revista Panorama, a principal publicação sobre o mundo do livro no Brasil, que circula esta semana.

Sobre a recriação da Secretaria Nacional do Livro do Livro e da Leitura, fechada pelo próprio MinC em 2003 e que vem sendo reivindicada pelas lideranças da área, Juca se diz simpático à idéia: “Certamente ajudará a enfrentar os muitos desafios colocados para nós que queremos fazer do Brasil um País de leitores”, disse, argumentando, no entanto, que é necessário definir melhor qual deve ser o formato. Eis as respostas do ministro, formuladas por personalidades da área do livro e da leitura, em sua primeira entrevista sobre o tema.

Luís Torelli, presidente da Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL):

Quais são suas prioridades e investimentos para os diversos setores que compõem o Ministério de Cultura?

Juca Ferreira – A abrangência e a complexidade da cultura – seus diversos setores, dinâmicas e dimensões – exigem uma ação múltipla que não pode conviver com a idéia de apenas duas ou três prioridades que monopolizariam a atenção do ministério. Sistemas complexos exigem estratégias complexas, capazes de atender às diversas demandas e necessidades da população e do setor cultural. Garantir o acesso dos brasileiros aos bens e serviços culturais e aos meios de expressão e fruição simbólica como um todo pode ser considerada uma prioridade. Mas é preciso também resolver de uma vez por todas o problema do financiamento das atividades culturais, através de uma reforma da Lei Rouanet que descentralize ainda mais os recursos no País e possibilite ao Estado desenvolver programas estratégicos para a evolução das distintas áreas da cultura brasileira. O brasileiro ainda lê muito pouco, compra poucos livros – livros caros em sua imensa maioria – e não dispõe de bibliotecas atrativas e acessíveis. Lançado em outubro do ano passado, o programa Mais Cultura engloba boa parte daquilo que faremos no campo das bibliotecas, enfrentando um problema histórico do Brasil. Acredito que seja preciso investir ao mesmo tempo em várias frentes, garantindo acesso aos bens culturais, como também investindo no desenvolvimento das linguagens, para que a dimensão criativa não seja prejudicada por uma atenção desequilibrada ao acesso, simplesmente. Com isso, o Brasil terá condições de desenvolver uma economia da cultura pujante, necessária para que os bens culturais circulem mais cotidianamente em nosso país. Daí trabalharmos, aqui no MinC, a partir dessa tridimensionalidade do conceito de cultura: seja como valor simbólico, como economia e como direito de cidadania. Nesse contexto, zerar o número de municípios que não têm biblioteca é uma prioridade elementar. Em 2003, dos pouco mais de 5.500 municípios do País, existiam 1.170 nessa situação. Agora, com a assinatura de entrega de novas bibliotecas, esse número cai para cerca de 350. Com o que garantimos no orçamento para este ano, será possível contemplar todo o território nacional. Quanto à modernização de bibliotecas, já repassamos recursos para o Rio de Janeiro e Belém, contribuindo para o projeto de modernização de megabibliotecas, seguindo o modelo dos grandes equipamentos deste tipo em Santiago do Chile e Bogotá, na Colômbia. Queremos bibliotecas-modelo, bibliotecas-referência em todas as capitais brasileiras, dependendo, é óbvio, de sua capacidade e população, mas sempre no sentido de mudar a idéia que o brasileiro tem de biblioteca. É preciso tirar do brasileiro uma idéia de biblioteca como depósito de livros. Isso é fundamental, porque a biblioteca tem que ser um equipamento de incentivo à leitura, um centro cultural focado no livro e no incentivo à leitura. Mas precisamos estar atentos para a complementaridade de uma política para as bibliotecas. Não devemos descuidar das médias e das pequenas bibliotecas públicas municipais, assim como devemos dar atenção muito forte às iniciativas da sociedade, em suas bibliotecas comunitárias. Lá, onde o estado muitas vezes não consegue entrar com todos os seus serviços fundamentais, há centenas de iniciativas de acesso ao livro, de agentes de leitura que merecem todo o nosso reconhecimento, inclusive financeiro. São heróis que diariamente trabalham para fazer de sua comunidade uma comunidade de leitores, pois sabem o quanto a leitura impacta na qualificação do indivíduo e do ambiente social. Além das modernizações, preparamos um edital especialmente voltado às bibliotecas comunitárias. Serão implantadas 20 este ano. Teremos outro edital similar voltado para as iniciativas que estamos chamando de pontos de leitura, espaços de leitura, oficinas e atividades culturais apoiados pelo MinC, em regiões com baixos índices de IDH e educação básica e altos índices de violência. Essas duas ações vão nos ajudar a formar uma grande rede de bibliotecas comunitárias, pontos de cultura e pontos de leitura no País.

Eder Lopes Coimbra, 15 anos, campeão do Programa Soletrando (Rede Globo), e agente de leitura do Programa Arca das Letras no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais:

De que forma a leitura pode influenciar na formação de um cidadão perante a sociedade?

Juca – A leitura é fundamental para a plena realização da nossa condição humana, da nossa sensibilidade, inteligência e capacidade de entender o mundo. É também importante para a promoção de valores democráticos, porque é base para uma cultura do discernimento e do diálogo, tanto individual como coletivo. Quem lê, aumenta seu repertório de atuação sobre o mundo a sua volta. E, numa sociedade que lê, ocorre o mesmo, o que significa que ela tem ampliadas suas possibilidades de qualificar as relações humanas e resolver os problemas cada vez mais complexos que a elas se apresentam. A contemporaneidade é cada vez mais complexa, a cada dia nos desafiando com sua cacofonia de signos de várias origens, seus textos, perguntas e afirmações, escritas ou não. É preciso lê-las. É preciso dar conta do texto do mundo e, como Paulo Freire sempre frisou: ante ele, ante este mundo enigmático, nós precisamos aprender a dizer a nossa própria palavra. A palavra autonomia perpassa todas as ações na promoção da leitura. Um governo preocupado com o empoderamento de seus cidadãos, com a autonomia dos sujeitos individuais e coletivos da nação investe em livros, em leitura. Isso porque sabe que a leitura não só qualifica a relação com as outras áreas da cultura, tais como o audiovisual, as novas mídias, o patrimônio e a memória, as artes plásticas, a música, como também qualifica a relação do indivíduo com a saúde, com o mundo do trabalho, com o trânsito e a cidade, com o ambiente natural e social. Ela é base imprescindível para uma cultura do diálogo e certamente condição para a superação de violências físicas e simbólicas.

José Castilho Marques Neto, secretário executivo do PNLL:

Como o senhor entende a transversalidade da leitura e do livro (em todos os seus suportes) em relação às outras artes e manifestações culturais?

Juca – Nas últimas décadas do século passado, muita gente desenvolveu uma visão pessimista de que o livro estaria com os dias contados e que a leitura era uma prática condenada ao desaparecimento diante da força avassaladora da cultura de massa e dos meios audiovisuais. Passado um primeiro momento de deslumbramento diante da força da imagem, podemos verificar que essa visão pessimista era equivocada. O livro continua sendo o suporte básico para quem quer ter uma subjetividade complexa. E ele dialoga muito bem com outros suportes e outras fontes de conhecimento e saber. Quem nasce em uma família de pais leitores, quem foi apresentado ao livro por bons professores, quem experimenta o prazer de um livro bem lido, a alegria de um ganho subjetivo pela leitura de um bom texto, o prazer e o deleite estético de um belo texto, de um conceito bem apresentado, de um lado da vida ainda não percebido, sabe da importância da leitura para a plena realização da nossa humanidade. A leitura e a escrita vêm se fortalecendo movida pela sede de saber, de compreensão e inserção no mundo, cada dia mais complexo, mais cheio de novidades e vivendo uma mutação avassaladora de valores, procedimentos, base tecnológica etc.. A rede internet que o diga. Quantos jovens estão adquirindo o hábito de escrever através da rede? A interatividade já é uma possibilidade real que as novas tecnologias estão disponibilizando. Esta comunicação complexa, em rede, de mão dupla, policêntrica, estimulará ainda mais a autonomia, a expressão individual e coletiva, quebrando o paradigma da comunicação de poucos emissores para muitos passivos receptores. Sou otimista quanto ao futuro da humanidade e mais ainda quanto ao futuro do Brasil. O avassalador desenvolvimento tecnológico dos últimos anos tem disponibilizado acesso cultural em uma escala inimaginável. Eu encaro mais como oportunidade de que como uma ameaça. É preciso reestruturar o sistema regulatório para compatibilizar o direito de acesso, o direito autoral e o direito econômico. Cultura é uma necessidade básica e um direito de todos os brasileiros. Estamos caminhando nessa direção.

Moacyr Scliar, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras:

Em primeiro lugar quero cumprimentar o ministro Juca Ferreira e dizer que a cultura brasileira está de parabéns. Sua vasta experiência na área e seu dinamismo e sua dedicação garantem uma gestão bem sucedida. Minha pergunta: o que acha o ministro do conceito de “famílias leitoras”, proposto pela Unesco, e como se pode implementar tal conceito?

Juca – A família é, de fato, o lugar por excelência para a formação de novos leitores. A Suécia foi um dos países que mais avançou na universalização do direito à educação. Vivi lá por força do exílio e tive conhecimento de uma pesquisa feita na época pelo governo para saber por que os filhos de operários tornavamse operários e os filhos de intelectuais viravam intelectuais, apesar de estudarem nas mesmas escolas. A família era o grande diferencial. O exemplo dos pais era decisivo. Depois da família, vinha a escola, a necessidade de bons professores, que saibam abrir a porta para o mundo encantado da leitura e desenvolvam o hábito da leitura entre seus alunos, despertando a curiosidade intelectual desde as mais tenras idades e valorizando o livro como um tesouro. Como terceiro ambiente, estavam as bibliotecas, um suporte acessível para ampliar o acesso aos livros. Hoje, temos os computadores, o fascínio que despertam nas crianças para se divertirem e se comunicarem, para terem acesso ao mundo. Os filmes, as revistas em quadrinhos, a leitura de histórias interessantes em família na hora de dormir, por exemplo, têm papel fundamental no desenvolvimento do hábito da leitura. Por isso, os princípios norteadores do PNLL levam em conta a necessidade de se desenvolver a leitura nas casas e nos núcleos familiares. Aliás, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostra a importância da mãe na formação do hábito da leitura. Com o Mais Cultura, o MinC tem uma ação voltada para a família que são os Agentes de Leitura. Esses farão o trabalho de levar o livro e promover a leitura nas casas populares brasileiras. O foco será a mãe.

Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL):

O tema livro e leitura pode vir a se tornar uma das prioridades do Ministério da Cultura na sua gestão?

Juca – Já é uma das prioridades do ministério. Desde 2003 temos investido nesta área, principalmente na implantação de bibliotecas e na criação do Plano Nacional do Livro e Leitura, articulação fundamental que já vem dando frutos muito importantes. Mas penso que ainda é pouco, muito pouco. Com o Mais Cultura, esta área deverá ter um aporte muito maior do que nos anos anteriores, isso porque o Mais Cultura é um programa focado no acesso aos bens e serviços culturais e no seu impacto na qualificação do ambiente social. Precisamos criar uma grande mobilização no Brasil pelo livro e pela leitura. O livro é peça fundamental nesta tarefa de garantir os meios para que todos os brasileiros possam se inserir no mundo contemporâneo com autonomia, discernimento e competência. Vejo a área do livro e da leitura (e, porque não, da escrita) com um espaço cada vez maior na agenda de discussão sobre as políticas culturais no País. E isso é ótimo. Conseguimos resolver questões importantes relacionadas ao trabalho da Fundação Biblioteca Nacionais, não só na sua missão de guarda de um dos mais importantes acervos bibliográficos do mundo, mas também na sua integração com outras grandes instituições internacionais. Mas temos que avançar no sentido do acesso e da popularização dos materiais de leitura. O livro e a leitura serão vistos com muito carinho em minha gestão porque sei de seu potencial transformador para a sociedade brasileira e para a realização pessoal dos brasileiros.

Luiz Antonio Aguiar, presidente da Associação dos Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil:

O MinC participou, ao lado do MEC, do Fórum Literatura na Escola, em Brasília, onde se debateram formas de ampliar e qualificar a presença da literatura brasileira na sala de aula. Quais os planos da Cultura para concretizar o que começou a ser esboçado lá? Há outros espaços em que o MinC vai procurar colher a opinião dos autores de literatura para implementar planos de leitura?

Juca – Realizamos este ótimo fórum a pedido dos escritores, porque acreditamos que, como Ministério da Cultura, precisamos zelar pelo setor criativo em todas as linguagens, incluindo a criação literária. Não queremos uma relação com a leitura na sala de aula que subjugue a literatura, dentro de uma visão funcional para passar conteúdos ou ideologias. A literatura deve entrar na sala de aula da maneira mais livre possível, como deleite estético, como uma fonte de conhecimento, de formação intelectual. E a literatura não pode ser subsumida a outros interesses, de maneira alguma. Por isso, o Fórum foi importante e esperamos que resulte em medidas concretas por parte do Conselho Nacional de Educação, tais como a volta da literatura para o currículo escolar e, de preferência, o aumento das horas de estudo e leitura de literatura. Seguiremos utilizando nossos espaços institucionais para colher as informações dos escritores, tais como a Câmara Setorial do Livro, Leitura e Literatura e o Conselho Nacional de Políticas Culturais, porque apostamos no caminho da participação para a construção de nossas políticas. Mas temos diversas frentes que beneficiarão os escritores de todos os segmentos. Já para 2009, queremos ativar uma Caravana de Escritores em todo o País, ampliar o programa de bolsas para escritores e desenvolver a exportação e a presença de literatura brasileira no exterior, além de realizar campanhas públicas que coloquem o livro e a leitura em um lugar de destaque no imaginário dos brasileiros.

Jorge Yunes, presidente do Instituto Pró-Livro e da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros):

Quais as ações que o MinC pretende desenvolver em conjunto com o MEC visando facilitar e garantir o acesso ao livro e à leitura junto ao público infanto-juvenil?

Juca – Penso que uma política de livro e leitura para o público infanto-juvenil é estratégica. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostrou o quanto esse público é fundamental para um Brasil leitor. Infância e juventude constituem os momentos mais apropriados na vida de uma pessoa para criar o hábito da leitura, para a descoberta da escrita, para a vida intelectual. Crianças e adolescentes são os públicos que mais lêem no País. Por isso, temos que ter ações concretas que despertem, dêem continuidade e consolidem o interesse pelo livro pela leitura nessa faixa etária. No Conselho do PNLL, o MinC tem chamado a atenção para a necessidade de tornar a escola um espaço para a formação de leitores e não, como ocorre muitas vezes, um espaço de desencantamento. A leitura não pode ser uma obrigação, o livro tem que ser apresentado como algo prazeroso, que empodera, que enriquece os que se relacionam com ele. Basicamente, precisamos lutar por uma escola que saiba formar leitores e que não acabe com o encantamento natural das crianças pelos livros. Essa é uma preocupação nossa e do MEC. Precisamos ampliar, levar e garantir o acesso ao livro e à leitura para as crianças das famílias pobres.

Vitor Tavares, presidente da Associação Nacional de Livrarias:

Mesmo competindo com a internet e outros canais de venda com práticas comerciais desiguais, descontos acima do suportável na ponta do varejo, margem de lucro baixa e altos custos de fretes quando estão longe dos grandes centros, as livrarias ainda são, como mostrou a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o principal canal de acesso da população aos livros. O que o MinC, junto com entidades como a ANL, pode fazer para não deixar desaparecer o ofício de livreiro, um dos mais antigos e nobres da humanidade e que ajuda a difundir a cultura, o conhecimento e o saber nas nossas cidades?

Juca – De fato, os livreiros são fundamentais para o desenvolvimento do hábito da leitura, como mostram diversos estudos. Bons livreiros, aqueles que vêem sua profissão como uma arte, são tão importantes como bons editores e bons escritores para qualquer sociedade. O número de pequenas livrarias diminuiu muito e as grandes redes entraram com toda a força no mercado, criando grandes estabelecimentos de vendas de livros, importantes, mas muitas vezes impessoais, sem aquele aconchego que têm as pequenas livrarias e que são tão fundamentais para o contato do público com o livreiro, com aquele que não apenas vende livros, mas os conhece e os ama. Infelizmente, as causas da diminuição do número de livrarias no Brasil são difíceis de serem atacadas a contento, já que não vivemos mais em um ambiente como o de décadas atrás. Essa diversidade de pontos de oferta de livros é um indicador importante de qualquer sociedade leitora e ainda não chegamos a uma estratégia eficiente para restabelecer uma rede mais ampla de livrarias no território nacional. Não apenas por questões de mercado, mas também tecnológicas, as pequenas livrarias desapareceram. Hoje já há um bom contingente de brasileiros comprando livros pela internet, livros novos e usados. Não só os grandes sites de vendas internacionais e nacionais, mas também aqueles mais alternativos como o Estante Virtual. É preciso também ver que há outros tipos de pontos de venda surgindo, voltados para um público mais novo, tais como os supermercados e as bancas de revistas. Muitos desses pontos hoje vendem livros e isso é bom, mas precisamos avançar no incentivo às livrarias, por exemplo, trabalhando junto aos municípios para que esses isentem de tributos aqueles que querem abrir livrariascafés nos centros das cidades. Um programa deste tipo certamente teria um ótimo impacto também na qualificação dos centros das cidades, que hoje precisam rever a centralidade que dão aos bancos e serviços em detrimento dos equipamentos culturais. Outra ação que deve dar muitos resultados positivos nesta área é o Vale Cultura que pretendemos apresentar em breve e que financiará, entre outros, a compra de livros. O número de brasileiros que lêem ainda é muito pequeno. O trabalhador receberá no final do mês não o livro em sua cesta básica, mas um tíquete, como o vale-refeição, para gastar diretamente, nas livrarias, cinemas, teatros etc.

Ivana Jinkings, ex-presidente da Liga Brasileira de Editores (Libre):

De que forma pensa em proteger as edições independentes? Sabemos que a bibliodiversidade (a diversidade cultural aplicada ao livro) é uma bandeira dos editores independes, mas interessa a toda a sociedade. Se os grandes grupos editoriais participam, através da produção massiva de livros, para um certo tipo de oferta editorial, a bibliodiversidade encontra-se intimamente ligada à produção dos pequenos editores, que são a garantia da pluralidade e da difusão das idéias. Essa bibliodiversidade está ameaçada pela superprodução dos grandes grupos editorias. Como o MinC pretende enfrentar essa questão?

Juca – O Ministério da Cultura, defensor e promotor da diversidade cultural, não poderia estar à margem do debate sobre a necessidade de se preservar e desenvolver a bibliodiversidade. Precisamos desenvolver as cadeias regionais do livro, em todo o Brasil, oxigenando os pontos de produção de livros que, assim, ganham em diversidade de temas e de olhares. Para isso, temos já preparado um edital para feiras de livros em pequenas cidades para dar vazão à produção editorial local. Queremos chegar a cidades que nunca realizaram feiras de livro, para que este tipo de evento, considerado fundamental na promoção do livro, se desenvolva para além das grandes cidades. O Rio Grande do Sul é um bom exemplo neste sentido. É dos poucos estados com uma economia do livro própria, contando com muitas editoras médias e pequenas que sobrevivem, entre outros fatores, porque existem dezenas de feiras de livros em diversas cidades do Estado. Esses eventos são palco para as edições independentes que dificilmente conseguiriam se colocar no mercado. Além do edital de feira de livros, queremos iniciar uma ação chamada Caravana de Escritores, em todo o Brasil, em que os autores independentes estarão incluídos. Do ponto de vista mais estrutural, uma medida que dará melhor fôlego aos independentes é a compra de um percentual dos acervos para bibliotecas públicas e pontos de leitura junto às editoras locais. Isso já vem ocorrendo em uma pequena escala, mas queremos aumentá-la e colocar como critério para todas as nossas compras de livros. Também temos que estimular um melhor uso da Lei Rouanet pelos autores independentes.

Ivana Jinkings: Em países como a França, o governo – naquele caso, via Centro Nacional do Livro, CNL – criou um “adiantamento sobre a receita”, espécie de linha de crédito para toda a cadeia produtiva de uma obra, que favorece pequenos editores. Existe algum projeto em curso no Brasil que vise dar suporte à edição independente ou que regule as compras governamentais de modo a equilibrar o tão desigual “mercado editorial”?

Juca
– Questões como esta, como também as relativas à Lei do Preço único e outras serão discutidas dentro de um trabalho que pretendemos realizar até o final do ano, que integrará o pacote para o financiamento e desenvolvimento da economia da cultura. A intervenção no mercado é sempre complexa e cabe também aos participantes da câmara setorial do livro (escritores, editores, livreiros) a responsabilidade de cuidarem da saúde do mercado e da ampliação da sua capacidade.

Sônia Machado Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL):

O contrato de edição confere ao editor a exclusividade de publicação de uma obra que não estiver em domínio público, em determinada língua ou território, e garante ao autor a remuneração devida pela sua criação e trabalho. É esta exclusividade que dá a garantia necessária ao editor para investir na publicação da obra, bem como na sua promoção, marketing e distribuição. Dentro desse conceito, toda a cópia não autorizada, é ilegal e configura pirataria. Há uma linha de pensamento que discorda destes princípios, ou seja, que defende que, dependendo do uso, uma cópia, mesmo não autorizada de obra em domínio privado não constitui pirataria, pois, apesar de ferir o direito autoral, o que deve prevalecer é o direito da sociedade de se informar e ter acesso à cultura. Qual é o posicionamento do MinC sobre esta questão?

Juca – Em primeiro lugar, deve-se considerar que o termo “pirataria” não é definido por nenhuma Lei no Brasil. A Lei Autoral e o Código Penal tratam de “violação do direito autoral” que pode ser, portanto, um ilícito civil ou criminal, ou ambos. O que define o tipo de ilícito é justamente o uso da cópia, pois a cópia para uso privado não é crime, segundo o Artigo 184 do Código Penal e sim um ilícito civil. Além disso, há autoralistas que defendem que a cópia para uso privado não configuraria sequer um ilícito civil, tendo em vista a prevalência não do direito de acesso à cultura, mas o direito à privacidade. Por outro lado, respondendo concretamente à indagação, não só o MinC, mas o governo como um todo, por meio do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, entende que a fotocópia de livros em universidades é fenômeno distinto de, por exemplo, o comércio ilegal de CDs e DVDs em camelôs, este, sim, entendido como pirataria. No entanto, o MinC reconhece que a cópia de livros em universidades constitui um problema para o qual a solução estaria na instituição e, a positivação, na Lei Autoral do direito de cópia privada com a respectiva remuneração equitativa aos titulares de direitos patrimoniais das obras, a ser arrecadada e distribuída por meio de sociedades de gestão coletiva. Tal solução, ao mesmo tempo em que proveria ao autor e demais titulares uma retribuição pelo uso das obras, garantiria também o acesso à cultura e à educação, evitando-se, com isso, atitudes desproporcionais como invasões de campos universitários pela polícia e ações judiciais contra professores, estudantes e diretórios acadêmicos.

Valter Kuchenbecker, presidente da Associação Brasileira de Editoras Universitárias.

Estamos vivendo um momento histórico nas ações em favor do livro e da leitura do Brasil. Como editores do livro universitário, temos contribuído para esses avanços de sorte que os livros acadêmicos têm ocupado, cada vez mais, papel de destaque no mercado nacional. Uma das nossas bandeiras é fazer chegar ao público conteúdos que talvez nenhum outro editor publicasse, pela natureza específica e, muitas vezes, técnica demais, mas de grande valia para o País, tanto do ponto de vista cultural como estratégico. Esse também é o sentimento do MinC? Além do incentivo da Lei Rouanet, que é fundamental, que outras políticas de incentivo ao livro e a leitura o ministério está propondo, especialmente para o livro universitário?

Juca – Não podemos esquecer que o governo do presidente Lula, ainda no primeiro mandato, desonerou totalmente toda a cadeia produtiva do livro. O sentido da medida é contribuir para o barateamento do livro e permitir o aumento da leitura e o aumento do consumo deste bem cultural. Articulamos o Plano Nacional de Cultura com o MEC e importantes setores do livro no Brasil, que prevê uma estratégia com múltiplas ações de valorização do livro na vida dos brasileiros e dos meios de incentivo à leitura. O Mais Cultura, nosso programa mais importante, todo voltado para aumentar a acessibilidade da população à cultura, tem no livro e na leitura um vetor importantíssimo. Estamos dialogando com o MEC e também com o setor empresarial do livro. Pretendemos criar um Fundo Setorial do Livro e da Leitura. O ministério está comprometido a gerar uma ação forte, que possa interferir nas estatísticas, nos números sobre livro e leitura.

Luiz Antonio Aguiar: Há perspectivas de reativar, efetivamente (com verbas e funcionamento intensificado), o Proler e a Casa da Leitura? E o PNLL? Vamos, enfim tê-lo formalizado com um coordenador situado oficialmente no cronograma do ministério? E finalmente, quais são os planos para fortalecer a Câmara Setorial do Livro, Literatura e Bibliotecas e incrementar seu funcionamento?

Juca – Faz dois anos que o PNLL tem uma secretaria executiva e, seu secretário, José Castilho Marques Neto, foi instituído formalmente por portaria interministerial MinC/MEC. Quanto à CSLL, trata-se da única câmara que segue em atividade, de todas as seis que o MinC instituiu. Para fortalecê-la, assim como a todas as demais câmaras, o MinC criou, no âmbito do Conselho Nacional de Políticas Culturais, um fórum com a mesma função: subsidiar os ministérios da Cultura e da Educação para a formulação de suas políticas. O Proler e a Casa da Leitura necessitam realmente de fortalecimento e o momento é agora com o programa Mais Cultura.

Elizabeth Serra, secretária-executiva da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ):

Considerando a inequívoca necessidade de se construir uma sociedade brasileira leitora e escritora, considerando que já existe o diagnóstico dos problemas que impedem a sua realização e que já se conhecem os caminhos para sua solução, por que o MinC não tem garantido os recursos realmente necessários para um eficiente sistema de bibliotecas públicas como o local para manter leitores? Como ministro, quais são os seus planos orçamentários para resolver, definitivamente, essa imensa dívida com a sociedade brasileira?

Juca – O Programa Mais Cultura aumentou, em muito, o orçamento para bibliotecas. Para 2008, são cerca de R$ 25 milhões para implantação de novas bibliotecas; R$ 32 milhões para a modernização de bibliotecas pequenas, médias e grandes e R$ 12 milhões para pontos de leitura, entre outros recursos. Nunca tivemos tanto recurso para esta área e as projeções são muito otimistas, com o crescimento dos investimentos no acesso ao livro. O sentido desses investimentos é articular e fortalecer um sistema nacional de bibliotecas de acesso público, que conte com a biblioteca nacional, bibliotecas referência, bibliotecas públicas municipais, comunitárias, mas também pontos de leitura e as bibliotecas rurais implementadas pelo MDA, com o Arca das Letras. Junto com o MEC, vamos criar medidas para tornar as bibliotecas universitárias e escolares abertas às comunidades, gerando locais de educação extensiva que possam qualificar cidadãos e agentes culturais.

Ivana Jinkings: Em sua gestão, como pretende rever definitivamente o controle privado de recursos públicos, via Lei Rouanet? Concorda que o Estado beneficia empresários com renúncia fiscal, mas não tem sido capaz (ou sucumbiu à gritaria contra o “aparelhamento da cultura”) de criar mecanismos para julgar corretamente a relevância dos projetos e regular o que é produzido com esse incentivo?

Juca – A reforma que queremos para a Lei Rouanet vai exatamente neste sentido de que você está falando. Precisamos aumentar a participação pública no controle dos recursos públicos na área da cultura. Uma das ferramentas fundamentais para o fomento das cadeias regionais do livro e para a bibliodiversidade é uma Lei Rouanet mais equilibrada, que seja cada vez mais utilizada para financiar programas, tais como caravanas de escritores, publicações populares e outros projetos, muito além da lógica atual. A renúncia fiscal não pode significar renúncia do Estado em produzir política pública na área da cultura. Quanto ao “aparelhamento” ou ao “dirigismo cultural” que muitas empresas dizem temer, a verdade é que, como diz Teixeira Coelho, em seu Dicionário de Política Cultural, toda política cultural tem algum grau de dirigismo, inclusive as ações totalmente ditadas pela lógica das empresas. Portanto, é preciso enfrentar o debate com base na discussão sobre valores. Qual sociedade queremos com o uso desses recursos, que, afinal, são públicos? Qual a idéia de cultura? E de arte? Quais processos de autonomia, crítica e discussão ou de heteronomia e consumo puro e simples estamos gerando? Chegamos a um equilíbrio de direitos entre produtores, públicos e meios de reprodução? Da maneira como está hoje, acreditamos que ainda estamos muito longe de um uso realmente equilibrado da Lei. E é por isso que propomos uma mudança profunda na Lei, aumentando o peso do orçamento para a cultura e criando fundos setoriais.

Rosely Boschini: E a Secretaria Nacional do Livro e Leitura vai sair? Ela vai ser recriada, como clama todo o mundo do livro e da leitura?

Juca – Há, de fato, um déficit institucional na área de livro e leitura que precisa ser enfrentado. De 1937 a 1990, o Brasil contou com o Instituto Nacional do Livro (INL) e, desde então, a Fundação Biblioteca Nacional tem acumulado duas funções distintas: a salvaguarda de um acervo importantíssimo, o oitavo maior do mundo, e o de popularização do livro. Essas ações de acesso e de disponibilização de livros precisam de força institucional que hoje é muito pequena ficando a cargo da FBN. É preciso nacionalizar, de fato, essa política e, para isso, precisamos refundar a institucionalidade do livro no Brasil. Com o desenvolvimento da agenda social do governo Lula e, dentro dela, o Plano Nacional de Livro e Leitura, o volume de trabalho e linhas abertas nesta área aumentou significativamente, exigindo do Ministério da Cultura uma solução. A volta da Secretaria do Livro certamente ajudará a enfrentar os muitos desafios colocados para nós que queremos fazer do Brasil um país de leitores. Sou a favor de uma estrutura específica para o livro. Cabe analisar se é o caso de uma secretaria, de um instituto ou uma fundação.

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