Nova regra de ortografia confunde até dicionários

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Faltando apenas dois meses para que as novas regras ortográficas entrem em vigor no Brasil, nem mesmo os especialistas em língua portuguesa conseguem chegar a um consenso sobre como determinadas palavras serão escritas a partir de 1º de janeiro de 2009. 
 
As divergências aparecem nos dicionários “Houaiss“ (ed. Objetiva) e “Aurélio“ (ed. Positivo), nas recém-lançadas versões de bolso, que já contemplam as mudanças ortográficas. O “pára-raios“ de hoje, por exemplo, virou “para-raios“ no primeiro e “pararraios“ no segundo. 
 
A lista de diferenças continua. A versão mini do “Houaiss“ grafa “sub-reptício“ e “para-lama“. Em outra direção, o novo “Aurélio“ traz “subreptício“ e “paralama“. 
 
Prevendo o impasse, antes mesmo do lançamento dos dicionários, a ABL (Academia Brasileira de Letras) tomou para si a difícil missão de dirimir essas e outras dúvidas. A palavra final da entidade deverá sair apenas em fevereiro, quando as novas regras ortográficas já estiverem valendo. 
 
Confusões 
 
O acordo internacional, assinado em 1990, foi concebido para unificar e simplificar a grafia da língua portuguesa. Certos acentos serão derrubados (“enjoo“ e “epopeia“), e o trema será praticamente extinto -só permanecerá em palavras estrangeiras (como “Müller“ e “mülleriano“). 
 
O que tem sido motivo de apreensão é o hífen. 
 
O acordo está cheio de regras novas -certas palavras perderão o hífen (como “antissocial“ e “contrarregra“) e outras ganharão (“micro-ondas“ e “anti-inflamatório“)-, mas deixa buracos. 
 
O texto diz que devem ser aglutinadas, sem hífen, as palavras compostas quando “se perdeu, em certa medida, a noção de composição“. E lista meia dúzia de exemplos: “girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.“. 
 
“O problema está justamente no “etc.“. Como sabemos que as pessoas perderam a noção de composição de uma palavra? É algo subjetivo“, afirma o professor e autor de gramática Francisco Marto de Moura. 
 
Na dúvida, os elaboradores dos dois dicionários consultaram especialistas e chegaram às suas próprias conclusões. 
 
O “Houaiss“, por exemplo, achou mais seguro ignorar o “etc.“ e decidiu que só seriam aglutinadas as seis palavras da lista de exemplos. 
 
“Com essas mudanças, os dicionários precisam sair na frente, já que são as obras às quais todos vão recorrer. Precisam dar soluções. Diante das lacunas, tivemos de inferir“, afirma Mauro Villar, co-autor do “Houaiss“. 
 
O acordo diz que perdem o acento os ditongos “ei“ e “oi“ de palavras paroxítonas, como “idéia“ e “jibóia“. No entanto, existe hoje uma regra que determina que paroxítonas terminadas com “r“ tenham acento. O que fazer com “destróier“, que se encaixa nas duas regras? 
O texto tampouco faz referência ao uso ou à ausência do hífen em formações como “zunzunzum“, “zás-trás“ e “blablablá“. 
 
Pontos obscuros 
 
No início do ano, quando aumentaram os rumores de que as mudanças ortográficas acordadas em 1990 finalmente seriam tiradas da gaveta, a Academia Brasileira de Letras começou a se debruçar sobre os pontos obscuros. Seis lexicógrafos e três acadêmicos têm essa missão. 
 
“Estamos tentando resolver os problemas de esquecimento e esclarecer os pontos obscuros. As interpretações serão feitas com o objetivo de facilitar a vida do homem comum“, diz Evanildo Bechara, gramático e ocupante da cadeira 33 da ABL. 
 
As decisões da comissão da ABL estarão no “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa“, a lista oficial da correta grafia das palavras. 
 
O término da obra estava previsto para novembro. Por causa do excesso de dúvidas, o lançamento acabou sendo adiado para fevereiro. 
 
Uma vez pronto o “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa“, os dicionários de bolso que já incorporaram o acordo ortográfico internacional precisarão ser mais uma vez reeditados, dessa vez com as mudanças definitivas. É por isso que as versões completas do “Houaiss“ e do “Aurélio“ ainda não foram lançadas. 
 
As novas regras ortográficas começam a ser aplicadas em janeiro de 2009, mas as atuais continuarão sendo aceitas até dezembro de 2012. 
 
A partir de janeiro de 2013, serão corretas apenas as novas grafias. 
 
 
 
Mercado de livros didáticos já tem títulos adaptados 
Folha de São Paulo – Ricardo Westin 
 
Embora aparentemente a maioria dos brasileiros tenha pouca preocupação com as mudanças na escrita que chegarão no dia 1º de janeiro, uma parte se preparou e conhece com detalhes a futura ortografia. 
 
À força, o mercado de livros didáticos já oferece títulos atualizados. Em primeiro lugar, porque o Ministério da Educação exigiu que, a partir de 2010, todos os livros feitos para a rede pública contenham obrigatoriamente as novas regras. 
 
Depois, porque os colégios particulares fazem questão que já em 2009 ao menos os livros de português estejam atualizados. “Não temos como não adotar. Os pais já estão perguntando“, diz Gabriela Argolo, coordenadora pedagógica da escola Cidade Jardim PlayPen. 
 
Medo de prejuízo 
 
As editoras estão atendendo aos pedidos, mas a contragosto. Elas pensam nos prejuízos provocados pelos exemplares que, com a grafia de hoje, ficarão encalhados. Também se preocupam com as dúvidas do acordo que só serão esclarecidas em fevereiro, quando a ABL lançar seu “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa“. 
 
“Ou seja: há a possibilidade de os livros passarem por nova revisão“, prevê Jorge Yunes, diretor da Associação Brasileira de Editores de Livros. 
 
Na sexta passada, o auditório da Editora Unesp ficou lotado para uma aula sobre as mudanças. Os alunos eram, na maioria, revisores de textos. 
 
Nos colégios Elvira Brandão e Pio XII, de São Paulo, e na Escola Internacional de Alphaville, os docentes de português vão apresentar as novidades aos colegas das outras disciplinas. As escolas que adotam o sistema de ensino Pueri Domus terão a visita de especialistas. 
 
O colégio Sion, de São Paulo, vai distribuir aos alunos um resumo das mudanças. “O quadro poderá ser consultado nas provas, como uma cola oficial“, diz a coordenadora pedagógica, Maria Cristina Figueiredo. 
 
Por videoconferência, a Secretaria da Educação de São Paulo treinou na semana passada 17 mil professores, supervisores e diretores. Nesse grupo, a professora de geografia Rosângela Galvão dos Santos gostou de saber da volta das letras “k“, “w“ e “y“ ao alfabeto. “Meus filhos se chamam Erick Wesley e Spencer Wheeler. Foi difícil convencer os cartórios a aceitar essas letras“, conta. 
 
Caminho nebuloso 
 
Fora do meio escolar, o caminho será nebuloso nos quatros anos de transição. A Drei Marc, do ramo de legendas de filmes, ainda não sabe o que fazer. A adoção das regras caberá aos clientes -parte deve querê-las já em 2009 e parte só em 2013. 
 
“Vamos ficar doidos fazendo o trabalho nos dois jeitos. E os espectadores vão ficar mais doidos ainda vendo uma grafia em cada filme“, diz Marcelo Leite, diretor de qualidade.  
 

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