’País vive momento ideal para elevar recursos da educação’

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Dias antes de a lei que estabeleceu o piso de R$ 950 para os professores ser sancionada pelo presidente Lula, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) encaminhou documento ao Ministério da Educação questionando a constitucionalidade de alguns pontos do projeto. A principal reclamação era sobre a necessidade de reajustar os salários ainda em 2008, artigo que acabou vetado por Lula. Outra questão polêmica é o aumento do tempo reservado ao professor para atividades fora de sala de aula.  
 
A presidente da entidade, Maria Auxiliadora Seabra Rezende, afirma que a medida deve ajudar a melhorar a qualidade do ensino, pois oferece ao professor tempo para aprimorar sua formação, mas alerta que a escassez de profissionais em determinadas disciplinas deve se agravar.  
 
Em entrevista ao Estado, a professora – que está à frente da Secretaria de Educação e Cultura de Tocantins há oito anos e do Consed há um – fala sobre os impactos e benefícios esperados com a nova lei.  
 
O Conselho Nacional de Educação fixava entre 20% e 25% da carga o tempo para atividades extraclasse. A nova regra estabelece um terço. Quais as conseqüências?  
 
Esse tempo fora da sala de aula, que nós chamamos de hora/atividade, é destinado ao estudo, planejamento de aulas, correção de provas. É trabalho docente também, mas não diretamente com o aluno. Pela nova lei, um professor que ficava 32 horas em sala, em uma jornada de 40 horas, passa a ficar 26 horas. Será preciso contratar outro professor para assumir essas 6 horas a mais que ele ficará fora. Isso significa que, a cada dois ou três professores – dependendo da carga horária – será preciso contratar mais um. Claro que aumentar o porcentual de hora/atividade é importante. Será um ganho para a educação se esse tempo realmente for bem aproveitado, se houver espaço para melhorar a formação. Mas isso terá um impacto financeiro que vai variar de acordo com o Estado. Além disso, já temos escassez de profissionais em disciplinas como química, física, biologia e matemática. Com o aumento da demanda por professor, o problema deve se agravar. Em alguns lugares mais do que outros.  
 
Em quais Estados essa dificuldade seria maior?  
 
O Consed está finalizando um estudo sobre o impacto nas redes estaduais, mas adianto que, embora nas áreas mencionadas a falta de professor afete todo o País, nas regiões Norte e Centro-Oeste a situação é pior.  
 
Outra questão bastante mencionada é o aumento de gastos com aposentados. O estudo abrange esse fator também?  
 
Pretendemos identificar os Estados que têm mais aposentados na folha da Educação. A gente sabe que em alguns casos, como Rio Grande do Sul e São Paulo, a folha de aposentados já é bastante significativa e compromete recursos do setor. No RS, metade do que é gasto com pessoal da área vai para pagamento de aposentados. Mesmo antes da nova lei isso já era um problema sério. Os Estados mais antigos terão mais dificuldades com a nova lei, pois eles universalizaram o acesso ao ensino há mais tempo, logo o número de professores aposentados é maior.  
 
Há pesquisas sobre o impacto da medida na educação infantil?  
 
Tenho absoluta segurança de que essa alteração terá pesado impacto nas redes municipais. A gente sabe que creche tem um custo elevado, pois é um atendimento normalmente em tempo integral, e a relação professor/aluno é menor do que no ensino médio e fundamental. Além disso, o novo piso afeta principalmente o salário dos professores com nível médio, que é aquele que atua nas creches. Esse foi um dos motivos por que lutamos para que a lei só entrasse em vigor em 2009.  
 
O aumento de gastos com pessoal pode comprometer o alcance das metas do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)?  
 
Acredito que não. O piso é um componente positivo. Permite que Estados, municípios e a própria União façam suas contas pra saber o que vão priorizar. Penso que é o momento de o País pensar em aumentar os recursos para a Educação. Estamos num período de discussão da reforma tributária, no qual é possível derrubar a DRU (Desvinculação de Receitas da União, que desvincula 20% da receita tributária e dá ao governo liberdade para distribuir os recursos do orçamento), que tira quantidade significativa de dinheiro da educação. Para melhorar os resultados do País no setor, precisamos ter professores valorizados e bem formados. Não vamos trazer a juventude para o magistério se não for uma profissão atraente. O piso de R$ 950 ainda é pouco. Tem de se tornar mais interessante, caso contrário, a cada dia, teremos menos professores e os que vão para sala de aula é porque não tiveram opção. Precisamos ter gente que queira dar aula. O piso sinaliza esse caminho, embora ainda esteja longe do ideal.  
 
Qual seria o valor ideal?  
 
Entendo que essa análise deve ser feita em cada Estado, pois há grandes diferenças regionais. Tenho certeza de que, em muitos lugares, o professor não sobrevive com R$ 950. Tem de pegar duas, três jornadas e acaba tendo pouco tempo para se dedicar aos alunos. No meu Estado, o Tocantins, a média salarial para os professores com nível superior é R$ 2.020. Acho que esse valor é próximo do mínimo necessário para que o professor sobreviva trabalhando em um lugar apenas. Mas em alguns lugares, mesmo para profissionais com nível superior, estamos longe até do piso de R$ 950.  
 
Para os professores que atuam na rede particular o novo piso trará alguma mudança?  
 
Embora a lei não se aplique às escolas particulares, acredito que ela possa ter um efeito indutor. A rede particular, até para manter seus profissionais, não poderá pagar um valor muito abaixo desse que está sendo colocado.  
 
Os Estados deverão pagar acima do piso para os profissionais com nível superior ou haverá nivelamento de salários?  
 
Não acredito que será nivelado no mesmo patamar. Estados e municípios já têm planos de carreira e eles estabelecem regras que diferenciam o profissional de nível médio e o de nível superior. Embora esse novo piso não atinja diretamente o profissional de nível superior, provoca uma mudança na carreira, ou seja, se você aumenta o salário do professor de nível médio, terá de aumentar, proporcionalmente, o de nível superior. É um efeito em cascata.  
 
Já se tem uma idéia de como será feito o repasse da União aos Estados e municípios que não têm condições de arcar com os custos do novo piso?  
 
Não temos idéia, e esse foi um dos motivos que tornaram necessário adiar a data para a lei entrar em vigor. O ministro (Fernando Haddad) tem dito, algumas vezes, que será com a complementação do Fundeb. Foi estabelecido um valor per capita mínimo nacional e nenhum Estado ou município pode investir abaixo disso na educação básica. Aqueles que não atingem esse mínimo, a União complementa. Mas quando foi feita essa negociação, o contexto era outro, agora estamos falando de despesas novas. Alguns Estados que hoje não recebem, como Rio Grande do Sul, podem passar a ter necessidade. O objetivo principal do estudo que o Consed está realizando é justamente verificar em quais regiões a complementação de fundos da União será mais necessária.  
 
Qual é o ganho esperado em termos de motivação e melhora na qualidade do ensino?  
 
Não há uma relação direta entre salário e resultado. O que esperamos é atrair bons profissionais para a carreira. A valorização da profissão é importante na medida em que faz com que as pessoas se responsabilizem mais pelo trabalho. O sistema tem como cobrar resultados, uma vez que os professores terão mais tempo pra estudar. Como se mexeu na composição da jornada, teoricamente, os professores que têm dupla jornada vão poder se dedicar a uma só rede. A expectativa é essa.  
 

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