Da Câmara dos Deputados vieram os projetos que obrigaram a inclusão das disciplinas de filosofia, sociologia e música na educação básica. Se fossem aprovadas todas as 50 propostas de novas matérias que tramitam na casa, os alunos do ensino fundamental e médio passariam 16,3 horas na escola por dia.
O período é o triplo do tempo que os estudantes já ficam no colégio diariamente, que é de cinco horas em média. Mais que isso, o tempo que precisariam é ainda quase o dobro da escola integral proposta pelo MEC (Ministério da Educação), que tem jornada de oito horas diária. E isso se essas matérias fossem ministradas somente uma vez por semana.
A pergunta é: a Câmara tem competência para escolher o que os estudantes devem ou não estudar? “Nós vemos com muita reserva essa inclusão através do poder central porque a autonomia das redes municipais e estaduais tem que ser respeitada“, diz Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do MEC.
Tramitam na Câmara mais de 50 projetos de inclusão de disciplinas na educação básica. Rio Amazonas, reciclagem, poluição, acidentes ecológicos e os temas atuais que envolvem a natureza refletem não só nos noticiários, mas também nos gabinetes dos parlamentares. Pelo menos oito projetos propõem a introdução da educação ambiental nas escolas.
Aprender a cooperar
Entre as propostas mais curiosas para que os jovens aprendam nas aulas diárias estão as disciplinas específicas de cooperativismo; noções de legislação fiscal e tributária; planejamento financeiro pessoal e familiar; empreendedorismo; direitos da mulher; segurança pública e “qualidade total“.
Algumas ementas sugerem a volta da matéria de moral e cívica (incluindo ética), enquanto outras parecem apenas fazer volume na lista ao pedir itens já existentes no currículo –como a inclusão de teorias sobre a origem dos seres vivos na disciplina de biologia.
Nessa mesma linha, seguem os políticos aspirantes a professores na elaboração do conteúdo disciplinar: “inclui a discussão sobre ’Educação para o Pensar’ pela disciplina de Filosofia“ ou “inclui o tema ’Educação Alimentar’ no conteúdo das disciplinas de ciências e biologia“.
E há parlamentares completamente insatisfeitos com a educação brasileira: estes, mais radicais, pedem reformulação de todo o currículo escolar do ensino básico.
Empenho de parlamentares pela educação não é visto com bons olhos
Mariana Tramontina
A intenção é boa, mas o empenho dos parlamentares pelo oferecimento de um máximo de educação para os jovens brasileiros não é visto com bons olhos pelos especialistas da área.
“Nós vemos com muita reserva essa inclusão através do poder central porque a autonomia de entes federados, redes municipais e estaduais, tem que ser respeitada“, diz Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do MEC (Ministério da Educação).
Isso é, a rede tem total liberdade para criar um currículo que reflita a realidade local. “Antes de mexer nos números, tornar mais ou menos disciplinas obrigatórias, é preciso mexer na qualidade do ensino“, aconselha.
Por isso está hasteada a bandeira da escola que existe para garantir o direito de aprender. Mas aprender o quê? “Aprender a aprender, a tratar uma informação, fazer o aluno entender, interpretar e discernir“.
Mão dupla
Em tempos de lei seca, a educação no trânsito se mostra uma disciplina pertinente para os aprendizes de condutores. Pelo menos cinco projetos pedem a inclusão do Código Nacional de Trânsito ou apenas uma aula de noções básicas do tema.
“É um tema importante, mas é mais eficaz ter uma aula por semana ou o aluno ver a mãe não parar em fila dupla, saber que não pode beber e dirigir? Eles não aprendem com aula obrigatória, e sim com experiencias dentro e fora da escola“, afirma Pilar.
A cartilha da boa aula, para a secretária, segue o raciocínio da interdisciplinaridade. “Um texto de português pode levantar discussões sobre trânsito. A professora pode levar uma matéria de jornal e trabalhar com interpretação“, orienta.
Enquanto isso, na sala de justiça…
Sobre a inclusão de direito constitucional que tramita na Assembléia Legislativa de São Paulo, Pilar é incisiva. “Eles são muitos novos para ter contato superficial com esses conteúdos sem aprofundar“.
A sugestão da secretária para ensinar essa disciplina é levar o aluno para passear. “Tem que dar acesso à maior capacidade de leitura e mostrar ao estudante uma produção cultural da cidade em que vive. São nesses processos que ele aprende o que é constituição“.
Para Pilar, é preciso tornar as escolas mais contemporâneas e sintonizadas com a geração de hoje. “E só incluir uma matéria como obrigatória na grade não garante que eles aprendam“.
Deputado quer direito constitucional na escola; conselheiro diz que “é o fim do mundo“
Mariana Tramontina
Em São Paulo, um deputado tenta incluir na grade curricular do ensino médio a disciplina de direito constitucional. “Sou do tempo em que se cantava o hino nacional antes de entrar na sala de aula“, conta Waldir Agnello (PTB), autor do projeto. “Estudei organização social e política do Brasil na escola. Lembro com saudosismo positivo desses princípios de cidadania que foram incutidos na civilização daquela época“.
Segundo o político, a mídia faz campanha sobre o valor do voto e da escolha certa de seus representantes, mas os jovens não têm condição de decidir porque não conhecem os princípios básicos de cidadania. “Por isso é importante essa disciplina. Se com 16 anos eles podem votar, por que não saber o que é uma Lei Maior?“, questiona, enfatizando a “atual apatia dessas questões“.
Argumentos para a implementação não faltam, mas nem todos concordam. “É o fim do mundo colocar direito constitucional para esses meninos estudarem“, avalia Arthur Fonseca Filho, presidente do Conselho Estadual de Educação em São Paulo. “Fazer o aluno respeitar a constituição é um trabalho da escola como um todo, desde a educação infantil, e feita por todos os professores“, defende.
O conselheiro sabe que este é um tema importante, mas afirma que não se pode obrigar o ensino através de uma lei. “É uma irresponsabilidade do poder legislativo aprovar essas coisas, uma atrás da outra. O projeto pedagógico é da escola, não do político“, diz ele, referindo-se às recentes disciplinas que se tornaram obrigatórias (filosofia, sociologia e música) pelo plenário.
Dá tempo de aprender português?
Para Arthur, não se pode excluir disciplinas básicas da educação para esmiuçar temas que podem ser estudados dentro de matérias já existentes. “Você coloca filosofia e tira qual disciplina? Porque é impossível ter todas na mesma grade. A maioria das escolas públicas trabalham com 20 a 25 horas/aula“, calcula.
O projeto de lei 562/2006 de Agnello determina que a matéria de direito constitucional seja ministrada por professores habilitados em ciências humanas, sociais, políticas e jurídicas ou professores habilitados em direito constitucional.
“É até possível formar professores para essas novas disciplinas, mas o problema é o conceito de impor matérias. É preciso de um estudo, de um planejamento. Ou, então, vamos aprovar a disciplina de amor ao próximo e resolvemos o problema do mundo“, sugere Arthur.
A disciplina de amor ao próximo ainda não tramita no Congresso, mas o projeto de Agnello já foi aprovado nas comissões de Constituição e Justiça, de Educação e de Finanças e Orçamento da Assembléia Legislativa. A proposta está pronta para ser votada em plenário.