Katia Smole e Laura Angélica
Respectivamente, diretora-executiva e coordenadora de relacionamento e parcerias do Instituto Reúna
Atravessamos um momento fértil para traçar o futuro da educação pública: a tramitação do novo Plano Nacional de Educação (PNE) no Congresso Nacional.
É inadiável garantir que no texto final as metas relativas à melhoria da aprendizagem apareçam de forma clara e objetiva, sendo mensuráveis, realistas, ambiciosas e não abarquem só o que diz respeito à alfabetização em língua portuguesa. É imprescindível incluir a matemática.
Apesar da centralidade da aprendizagem estar no texto em discussão, não há metas ou diretrizes específicas sobre esse componente curricular, mesmo ele sendo base imprescindível para a formação de todos os estudantes, ao mesmo tempo em que apresenta os piores indicadores de desempenho e desigualdade no Brasil.
Vivemos, há décadas, um cenário que viola o direito à educação: nossos estudantes saem da escola sem saber matemática. Enquanto não nos comprometermos em mudar, não haverá melhora real da aprendizagem, de empregabilidade, de renda —muito menos de cidadania. Se não cuidamos da matemática desde o processo de alfabetização, são criados abismos de aprendizagem e corrigi-los é mais difícil do que fazer o mesmo com a língua portuguesa —muito mais incorporada à vida social—, já que a matemática tem uma linguagem específica.
E mais: a defasagem que vai se acumulando durante a vida escolar cria a chamada “ansiedade matemática”, uma sensação de incapacidade, medo de lidar com números e o discurso de que nem todos são capazes de aprender.
Em 2023, no Trends in International Mathematics and Science Study (Timss), que avalia alunos do 4º e 8º ano do ensino fundamental em matemática e ciências, constatou-se que 51% das nossas crianças do 4º ano não alcançaram o nível baixo de proficiência; no 8º ano, 62%. O estudo “Aprendizagem na Educação Básica” (2025), do Todos Pela Educação, mostra que 59% dos estudantes do ensino médio terminaram a etapa sem saber calcular regra de três.
A não aprendizagem em matemática impacta também a vida fora da escola. A pesquisa “As competências matemáticas no mercado de trabalho brasileiro”, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), revela que profissionais em ocupações que exigem maior domínio da matemática podem chegar a ganhar 85% a mais do que aqueles em funções que requerem menos habilidades na área.
Infelizmente, o PNE em elaboração ainda está genérico na redação dos objetivos, metas e estratégias —e isso pode gerar conflitos sobre o que devemos priorizar. É necessário organizar o novo texto de forma que toda estratégia pedagógica esteja comprometida com o ensino e a aprendizagem de matemática, reconhecendo as realidades locais sem torná-las entraves para o alcance de melhores resultados.
Temos de aproveitar o lançamento do Compromisso Nacional Toda Matemática, do governo federal. A iniciativa não só pode como deve constar no novo PNE para que faça parte dos planos estaduais e municipais e se torne uma política de Estado. Para melhorar o desempenho dos alunos e tornar o ensino mais equitativo, o modelo tem como pilares a formação de professores e o suporte técnico e financeiro para as redes de educação.
Não podemos mais seguir cobrando melhores resultados de crianças e adolescentes nas avaliações se continuarmos oferecendo mais do mesmo. Comprovadamente, é pouco.