8 milhões de alunos não têm internet para aprendizado dentro da escola no Brasil

Enquanto pais e educadores de parte do país discutem a melhor maneira de usar ferramentas inteligência artificial em tarefas escolares, cerca de 8 milhões de alunos de escolas públicas no Brasil não usam a internet para fins pedagógicos dentro do colégio. O país tem cerca de 47 milhões de estudantes no ensino básico.

Das 137.847 escolas públicas que responderam sobre acesso à internet no último Censo Escolar, 33,67% delas afirmaram que não usam a rede para fins pedagógicos e 10% (13.802) disseram que não têm qualquer acesso à internet, nem para fins administrativos, o que impacta a vida de 1 milhão de estudantes.

Há, ainda, 18 mil escolas sem acesso à banda larga, portanto com velocidade baixa para uso adequado, e 2.104 escolas públicas (1,5%) que não possuem qualquer acesso porque não dispõem de energia elétrica.

Os dados são do Censo Escolar divulgado em 2024, relativo à atividade de 2023, portanto o índice de conectividade pode ter aumentado desde então. O questionário perguntava se o colégio tinha acesso à internet, mas também se a internet era ferramenta para fins pedagógicos.

A pesquisa TIC Educação, feita em 2024 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) e divulgada na última semana a partir de uma amostra, indica que 43% dos colégios públicos não dispõem de equipamentos para que estudantes acessem a rede e que 62% dos professores usam tecnologia em sala, mas apenas 54% tiveram formação recente.

De modo geral, a conectividade na educação melhorou de forma significativa na última década, com 90% da rede pública conectada, mas existem três principais gargalos: melhorar a qualidade do acesso, diminuir a desigualdade regional e fornecer infraestrutura básica em algumas áreas, como luz.

Levantamento da Folha indica que o fosso digital está concentrado no Norte: 67,6% das escolas federais, estaduais e municipais que responderam o Censo no Acre não possuem internet para atividades pedagógicas. No Amazonas e em Roraima, as proporções são de 67,5% e 66,1%, respectivamente.

Em Belém, sede da COP-30, 66,3% das escolas públicas não acessam internet para aprendizado. Em Macapá, são 56,5%.

Em nota, a Secretaria de Estado da Educação do Pará diz que todas as escolas da rede estadual estão contempladas por um programa de acesso por meio de antenas Starlink (a internet via satélite de Elon Musk). No Censo de 2024, 470 das escolas estaduais informaram não ter internet.

O vazio de conexão está relacionado ao da infraestrutura —da ausência de estradas asfaltadas para escolas rurais à falta de energia elétrica. No Acre, 68,7% das escolas sem internet também não têm luz.

A uma distância de 50 km até o primeiro asfalto, a escola estadual Raimunda Aneli, em Rio Branco (AC), ilustra esse caso. Os professores improvisam para garantir ensino de qualidade aos 44 estudantes matriculados, entre educação básica e de jovens e adultos.

Professor e diretor da instituição, Francisco Barbosa afirma que a falta de conectividade é apenas um dos desafios. Sem energia para armazenar alimentos, a merenda escolar se reduz a enlatados e produtos industrializados, como pães e biscoitos.

“Nosso acesso é difícil, para chegar tem 55 km de estrada, no asfalto, depois mais 50 km de ramal. A gente fica o mês todinho na escola, vai uma vez por mês para casa porque não consegue no final de semana”, diz. Há anos a direção da escola busca recursos do governo para instalar placas fotovoltaicas, que poderiam fornecer energia pelo menos para atividades mais básicas.

“Para colocar internet hoje não é tão difícil, porque você mesmo pode comprar e colocar, o problema é que precisa de energia.”

Há uma barreira geográfica sobretudo na Amazônia Legal, em áreas indígenas, quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Segundo o Censo Escolar, apenas 7,7% das escolas fora dessas localizações especiais não possuem acesso à internet. Em terras indígenas, a proporção sobe para 55,75%.

O Brasil possui projetos de âmbito federal e estadual para a conectividade, como o Banda Larga nas Escolas (PBLE) e a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec), que prevê atender praticamente toda a rede pública de ensino com banda larga até 2026, com investimento de R$ 6,5 bilhões.

Criado em 2008, o PBLE prevê a conexão do ensino fundamental e médio até o final deste ano. Até agosto deste ano, 5.727 das mais de 63 mil instituições monitoradas não possuíam a velocidade mínima necessária para atividades educacionais.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) diz que esses dados podem ser “impactados tanto pela instalação quanto pela desinstalação de conexões em escolas que não constaram do Censo, e tais alterações podem ser refletidas na base de dados do PBLE em diversos momentos ao longo do período”.

Em nota, a agência acrescenta que grande parte das escolas públicas urbanas está sem conexão por razões que “fogem à alçada da prestadora de serviços”, como ausência de energia, endereço errado da escola ou negativa de autorização dos gestores para a instalação.

Para Sônia Fátima Schwendler, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em educação no campo, a ausência de conexão impacta diretamente a qualidade do ensino e pode aprofundar desigualdades sociais.

“A falta de conectividade muitas vezes faz com que não seja assegurado o direito à educação, um direito fundamental do ser humano, que está na nossa Constituição”, afirma.

Ela defende que a conectividade escolar integre uma política de Estado, não apenas projetos isolados. “Nem sempre existe a atratividade para as empresas em locais remotos, mas isso precisa ser entendido como política pública. Em um mundo conectado, onde há gente, essa gente precisa estar conectada.”

Ao olhar para a taxa de aprovação de ano e o indicador de rendimento de ensino calculados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), as escolas sem internet apresentam uma tendência de pontuações mais baixas. A maioria pontua entre uma aprovação escolar de 40% a 70%.

Paulo Kuester Neto, supervisor de projetos de ciência de dados do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), destaca que, para além da conexão, é preciso garantir qualidade no acesso à internet, com bons indicadores de latência e velocidade de download e upload. A meta de velocidade de internet nas escolas públicas é de 1 Mbps por aluno no turno com maior número de estudantes.

Essa realidade é um tanto distante. Em Goiás, estado com melhor proporção de escolas públicas conectadas, só 18,2% das instituições possuem uma velocidade boa ou ótima, conforme o Nic.br.

“O primeiro desafio, que já é enorme, é tentar levar a internet de acordo com a meta estabelecida para todas as escolas públicas. Existe um segundo desafio que é para dentro da escola, para todos os ambientes escolares, as salas de aula, a biblioteca, eu preciso preparar a escola para que ela ilumine e conecte os seus espaços”, diz Kuester.

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