A educação é uma das ferramentas mais poderosas para reduzir desigualdades. Mas, no Brasil, esse caminho ainda está longe de ser realidade para todos.
Um estudo do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) revelou que, entre as crianças da metade mais pobre da população, apenas 10,8% alcançam o grupo dos 25% mais ricos na vida adulta. Essa baixa mobilidade social está ligada ao acesso desigual à educação, especialmente nos primeiros anos escolares.
O Indicador Criança Alfabetizada, divulgado recentemente pelo Ministério da Educação, mostra que apenas 59% dos alunos estão alfabetizados ao final do 2º ano do ensino fundamental. Ou seja, quase metade das crianças brasileiras não desenvolve, no tempo adequado, as habilidades básicas de leitura e escrita. Quando a alfabetização falha no início da trajetória, os prejuízos se acumulam: o aluno tem mais dificuldade para acompanhar os conteúdos, maior risco de repetência e abandono e se afasta das oportunidades que a escola deveria garantir.
Entre os mais afetados estão os estudantes em atraso escolar –grupo numeroso e frequentemente deixado para trás. Embora a taxa de distorção idade-série tenha caído pela metade na última década (de 14% para 7%), ela ainda é quase o dobro nas escolas públicas em comparação às privadas. A desigualdade também se expressa no tipo de apoio recebido: famílias com maior renda oferecem reforço escolar e suporte em casa. Já crianças em situação de vulnerabilidade muitas vezes seguem adiante sem aprender, acumulando frustrações que comprometem sua trajetória.
Um exemplo é Ronaldo Lima Santos, de Itabaiana (SE), egresso do programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna, implementado em parceria com a rede pública local. Aos nove anos, ele vendia frutas com o pai, tinha dificuldades para ler e escrever e acumulava reprovações. Sentia-se inferior aos colegas e evitava ir à escola. Sua trajetória começou a mudar com o programa de recomposição de aprendizagem: passou a ter aulas adaptadas às suas necessidades, recuperou a autoestima, aprendeu a ler e escrever e seguiu em frente.
Em um depoimento da época, Ronaldo dizia: “Eu me olhava no espelho e me achava um menino bruto, idiota. Agora me olho no espelho e vejo um menino inteligente, sabido”. Hoje, adulto, é empreendedor, tem autonomia financeira e movimenta a economia local. Sua história mostra como o aprendizado pode transformar não só a trajetória escolar, mas a forma como a criança se enxerga e sonha com o futuro.
E os dados comprovam que esse tipo de intervenção vale a pena. Um estudo do Idis, encomendado pelo Instituto Ayrton Senna, aponta que cada R$ 1 investido em programas de recomposição da aprendizagem para alunos em atraso gera R$ 18,56 em benefícios para a sociedade. A Avaliação de Análise Custo-Benefício compara os ganhos sociais e econômicos de uma iniciativa com os recursos investidos. Programas como o Se Liga e o Acelera Brasil conseguem virar o jogo na educação, oferecendo apoio adequado e de qualidade.
Para romper o ciclo da desigualdade, é preciso colocar as crianças que mais precisam no centro das políticas públicas. Garantir o direito à aprendizagem, inclusive para quem já está em atraso, é um investimento que beneficia todos. O Estado economiza com repetência e abandono, e os estudantes ganham mais chances de concluir os estudos, acessar boas oportunidades e contribuir para o desenvolvimento do país.
Por outro lado, as perdas de uma educação falha são imensas. Um estudo do Insper estima que cada jovem que não conclui a educação básica representa um prejuízo de R$ 395 mil para a sociedade. O custo total pode passar de R$ 220 bilhões –mais de quatro vezes o investimento necessário para garantir uma trajetória escolar regular.
No fim das contas, garantir a aprendizagem vai além dos números. Está na história de cada criança que, ao aprender a ler e escrever, passa a acreditar em si. Ronaldo é prova disso –e sua trajetória lembra que milhões ainda esperam por essa chance.