O Brasil chegou a um quarto deste século XXI ainda com dívidas sociais históricas, mas precisando lidar, em simultâneo, com desafios mais complexos. Alguns sequer estavam devidamente mapeados, com a relevância de hoje, há 25 anos. Destaco especialmente quatro vetores de transformação: climático, digital, democrático e do trabalho.
Na virada do século, já existiam alertas suficientes da comunidade científica sobre o aquecimento global.
Infelizmente, tragédias socioclimáticas se tornaram mais intensas e frequentes, dando ainda mais urgência a um desafio que era inadiável. Outro tema constante é novas tecnologias, mas o que vivenciamos hoje, com o avanço da Inteligência Artificial, sobretudo generativa, pode ter impactos na economia e sociedade tão disruptivos quanto os verificados no passado com o carvão, a eletricidade ou a computação.
Por sinal, a desinformação, o valor de face das versões e o estímulo à polarização, potencializada pelos algoritmos de redes, estão entre as estratégias que alimentam outro fenômeno recente: o recrudescimento de um populismo reacionário, com seu forte apelo à desconfiança nas instituições, até em países que julgávamos possuir democracias amadurecidas. Por fim, o mundo do trabalho se reconfigura em características e velocidades muito além do que supúnhamos.
Esses quatro desafios chegam ao Brasil com o agravante de termos também que saldar dívidas com o passado. Por exemplo, a brutal desigualdade que nos marca, com efeitos mais perversos nas populações negra e indígena, segue como imenso dificultador do pleno desenvolvimento econômico e social.
Diante dessas transformações estruturais, está em jogo, novamente, uma disputa sobre visões de sociedade. Por um lado, corremos o risco de uma disrupção retrógrada, que pode ampliar desigualdades, restringir direitos e sabotar a transição para uma economia de baixo carbono. Por outro, podemos posicionar o Brasil na vanguarda socioambiental, solidificando uma cidadania ativa e preparada para o salto econômico e social que necessitamos frente às novas demandas.
A educação não resolverá sozinha todos esses dilemas, mas, como sempre, é parte central da equação. Se queremos um mundo mais sustentável, solidário, e baseado num modelo econômico que garanta o bem-estar de todos, é fundamental que esses anseios estejam representados nos objetivos educacionais. Qual educação podemos projetar para o próximo quarto de século? Isso dependerá da qualidade e da velocidade das decisões tomadas hoje, em sintonia com essas radicais transformações que atravessam seu cotidiano. Escolhas marcadas, evidentemente, pelas incertezas de suas trajetórias.
É fato que, apesar dos avanços nas últimas décadas, ainda estamos longe de assegurar que todas as crianças e jovens tenham acesso à educação básica, condições de nela permanecer, e de concluí-la com aprendizagem adequada. Porém, além do básico, os novos desafios exigem uma revisão profunda do que significa, nos tempos atuais, garantir os objetivos constitucionais de pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para a cidadania e para o trabalho.
Como princípio, o projeto educacional deve superar as fronteiras artificiais entre educação, cultura, saúde e esporte. Precisa promover uma abordagem reflexiva, que construa um olhar transdisciplinar, holístico e integrado, além de, simultaneamente, preservar a potência do conhecimento especializado em disciplinas. É necessário conter o volume dos conteúdos ensinados, garantir maior profundidade na apropriação desses conhecimentos e aumentar a capacidade reflexiva, dedutiva e analítica.
Mas precisamos de novos letramentos. No passado, esse conceito era atrelado à alfabetização. O passaporte para o futuro implica consolidar as competências básicas associadas à leitura, matemática, ciências sociais e ciências da natureza, mas, sobretudo, desenvolver a capacidade de compreender, interpretar e pôr em prática, de forma crítica e reflexiva, competências e habilidades mais complexas e sofisticadas. Letramentos modernos se aplicam em dimensões como a cidadania, competências digitais, socioclimáticas, convivência com as diferenças, adaptabilidade às incertezas.
Apesar de todas as transformações aceleradas pela tecnologia, a chave para todas essas questões está – sobretudo e como sempre – na dimensão humana. Ela é que nos permite conjecturar e fabular outros mundos possíveis, ser verdadeiramente criativos, direcionar nossas ações (e as das máquinas) a partir de princípios éticos, além de valorizar a empatia e a diversidade para promover as transformações necessárias para o convívio num mundo cada vez mais interconectado e interdependente.