Gamificação: editoras investem em projetos lúdicos como ferramenta de estímulo à leitura

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O mercado editorial brasileiro tem visto com mais atenção iniciativas “gamificadas”. Com escopos e formatos diferentes, os projetos se colocam dentro de um mesmo objetivo: o de melhorar a experiência do leitor enquanto usuário. De acordo com a Pesquisa Game Brasil, realizada em 2022, quase 75% da população é adepta dos videogames.

A consultoria Newzoo divulgou que, em 2021, o Brasil teve uma receita de R$ 11 bilhões no setor de games. Aplicativos, plataformas e livros-jogo são alguns dos exemplos recentes presentes no setor editorial brasileiro, com editoras cada vez mais investidas em oferecer produtos em formato gamificado, visando atingir não apenas aqueles que desejam iniciar o hábito de leitura, mas também leitores experimentados. Em 2023, o livro A mandíbula de Caim (Intrínseca), foi um dos destaques da Lista de Mais Vendidos do PublishNews. O livro físico tem relevante papel nesses produtos recém-lançados, que têm o jogo não como uma sobreposição ao livro, e nem ao conteúdo da leitura, mas como um fim em si mesmo.

A editora Intrínseca conta com casos de sucesso dentro do mundo dos livros-jogos, como Destrua este diário, que vendeu mais de 1 milhão de exemplares, o fenômeno do TikTok A mandíbula de Caim e o novo Murdle.

Para a editora de aquisição da Intrínseca, Marina Ginefra, o que acontece no caso dos livros interativos é um estímulo cognitivo: “Eles estimulam o raciocínio e fomentam a criatividade. Estamos sempre de olho em obras que possam proporcionar esse tipo de experiência, e Murdle, uma das apostas para este ano, consegue reunir tudo isso, além de ser uma ótima sugestão para quem procura fugir um pouco das telas e está em busca de um novo hobbie. Certamente teremos mais projetos interativos no futuro”.

As plataformas literárias gamificadas

A editora Melhoramentos tem dois projetos que abraçam a “gamificação”: o Anima Mundo e a Literama, criada pela FTD Educação e agora distribuída pela editora. Os projetos foram desenvolvidos em conjunto com a empresa TABA, especialista em informação pedagógica e literária.

Carolina Alcorofado, diretora de inovação e novos negócios da Melhoramentos, explica que os projetos têm uma grande amplitude de funcionalidades: “A plataforma serve de ferramenta de incentivo a leitura para o professor, uma vez que ele consegue ver a evolução dos alunos e da turma e a interação entre eles. Aquilo é um jogo para a criança, e ela é protagonista daquela história”.

No que diz respeito à acessibilidade, Carolina afirma que é necessário ter um computador e internet para ter acesso às plataformas da editora. “Jogos são feitos para que haja interação em um metaverso, com um conteúdo seguro e adequado para aquela faixa etária”.

A Melhoramentos compartilhou com o PublishNews algumas constatações vindas do resultado de uma pesquisa realizada pelo grupo com pais, mães e professores sobre o assunto. As conversas mostraram que:
• Há carência de suporte para os professores em relação a projetos paradidáticos.
• Sequências são ótimas quando entregam fluidez e inquietude. Quando o tema é de interesse, o engajamento é alto e a continuação fragmentada é preferida ante a livros grandes. Esse formato se assimila a forma de consumir conteúdo atual da nova geração e se mostrou interessante também para o trato de questões socioemocionais entre pais e filhos.
• A união de jogos (videogame) com livros pareceu uma forma interessante de tornar a leitura mais atrativa e foi validade pela grande maioria.

Pedro Ortiz, Head de Tecnologia e Produtos Digitais da TAG, explica que a gamificação funciona como uma ferramenta para entregar mais valor à experiência de leitura e como estratégia fundamental para engajamento da leitura.

Dentro do funcionamento do aplicativo de associados da TAG, há incentivos de gamificação, com medalhas por tempo de Clube, coleção de livros e a possibilidade de interação entre usuários com quiz sobre os livros enviados ou leituras em geral. “Os retornos que temos com isso são muito positivos, com maior engajamento e retenção dos associados que utilizam o aplicativo”, afirma.

Além do aplicativo voltado para membros associados, a TAG também comanda o Cabeceira, que pode ser instalado gratuitamente na loja de aplicativos do celular. No aplicativo, é possível cadastrar uma biblioteca de livros, acompanhar o ritmo de leitura a partir da criação de metas, desafios e recebendo conquistas.

Pedro complementa que o Cabeceira tem como proposta estimular o leitor a criar um hábito pela leitura: “Queremos que o jogo estimule que as pessoas deixem o celular de lado e abram um livro, e aí sim, ao concluir o seu momento de leitura, tenha o app como seu melhor amigo para acompanhar esse hábito. Para isso, vamos motivar o leitor com missões, desafios, quiz, ou seja, interações que transformem a leitura em uma brincadeira séria e recompensante, para além do conteúdo que se está consumindo”.

Outro exemplo de plataforma popular é o Fable, em que é possível juntar-se a uma comunidade, acompanhar hábitos de leitura e desenvolver metas, além de poder acessar livrarias para realizar a compra do livro.

Os livro Murdle (Intrínseca) e a Mandíbula de Caim (Intrínseca) não são casos isolados. Atualmente, o livro mais vendido na categoria RPG, da Amazon, é o livro-jogo O porão (Record), de Vitor Soares e Giovanni Arceno. No título, o leitor acompanha a história de uma militante da resistência armada durante a ditadura civil-militar brasileira, pouco tempo após a assinatura do AI-5.

Vitor comenta que o formato o instiga desde os dez anos de idade: “O formato é muito interessante. A história vai acontecendo enquanto você joga, ela não está pré-moldada e você apenas a descobre como em livros convencionais. No livro-jogo, você cria a história junto com as possibilidades, o caminho que a sua imaginação vai seguir é uma união de sorte e sagacidade. Eu acho um formato subestimado”, afirma.

O caso de O porão difere um pouco da experiência de livros como Murdle e Destrua seu diário. Neste livro, os caminhos que o leitor escolhe alteram a narrativa da história, podendo ou não serem decisivas para que a protagonista tenha sucesso em sua missão. Por se tratar de um exemplar-físico, essa dinâmica é interessante porque até mesmo a experiência tátil do ‘folhear’ as páginas é personalizada de acordo com cada leitor. Além do fato de que o leitor pode fazer suas próprias intervenções a partir de anotações, com utilização de lápis e caneta, por exemplo.

“Os caminhos escolhidos precisam ter coerência, independentemente de qual decisão for tomada. Isso nos obriga a escrever algo sempre pensando em possibilidades plausíveis. O personagem não pode ter apenas uma ação que faça sentido após aquela cena, ele precisa ter várias. Por isso as falas, descrições, decisões e qualquer outra movimentação literária no livro têm uma necessidade enorme de ser bem mais complexa e abrangante que a convencional”, comenta Soares, sobre o impacto da jogabilidade dentro da construção narrativa da obra.

Carolina Alcoforado, da Melhoramentos, reforça que as plataformas existem para complementar o ensino e a relevância do livro físico no processo de formação da criança: “O livro físico é muito importante para a formação de base. Esse ensino fundamental precisa ter contato com o livro físico, precisa ter o toque e o cheiro do livro, essa memória afetiva. A gente considera também a questão da coordenação motora fina, a habilidade de virar uma página e sentir aquilo”, ressalta.

Questões de outros setores

Há um debate em torno do tema sobre possíveis malefícios da gamificação na esfera trabalhista. Mesmo com dados que falem mais sobre o aumento da motivação dos funcionários, estudos que correlacionam a gamificação à uberização do trabalho e um aumento do risco e da exploração dos funcionários.

Essa estratégia não está restrita ao universo do trabalho e se espalhou por outros setores. Há alguns anos, aplicativos como Letterboxd, last.fm, Spotify e Duolingo disponibilizam recursos que se tornaram populares na esfera digital por permitirem que o usuário compute seu consumo e possa acompanhar, melhorar seu ranqueamento, além de compartilhar resultados e estatísticas nas redes sociais.

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