Escolas particulares utilizam livros didáticos reprovados pelo Ministério da Educação (MEC). São obras que o governo deixa de comprar para a rede pública porque contêm informações erradas, conceitos equivocados ou problemas técnicos não relacionados ao conteúdo, como a titulação acadêmica dos autores, a resistência do papel ou o descumprimento de regras do edital. O jornal Globo conseguiu identificar algumas dessas publicações reprovadas.
Em Brasília, o Centro Educacional Renascença utiliza os quatro títulos da coleção Ciências e Educação Ambiental, da editora Ática, na aulas da 5ª à 8ª série. Aprovados em anos anteriores, os livros foram reprovados na última avaliação realizada por especialistas de universidades públicas contratadas pelo MEC.
A diretora pedagógica Ilma Dias Rocha ficou surpresa ao ser informada pelo GLOBO que seus 117 alunos aprendem ciências com uma coleção que o governo federal não considerou à altura da rede pública: ”Não sei quais os critérios que o MEC usa para classificar e desclassificar os livros. Para nós, é uma coleção excelente. Quando a adotamos, era uma das melhores na avaliação oficial” — diz Ilma.
Lista de coleções reprovadas é mantida em sigilo
Embora gaste cerca de R$ 5 milhões por ano com a avaliação de livros didáticos, o Ministério da Educação mantém em sigilo a lista das coleções excluídas. Apenas as respectivas editoras ficam sabendo quais foram as obras reprovadas e os motivos que levaram a essa decisão.
O governo federal é o maior comprador de livros didáticos do país. No ano passado, gastou R$ 710 milhões na aquisição de 120 milhões de exemplares para as redes públicas de ensino fundamental e médio, incluindo dicionários. A compra é feita da seguinte forma: após a avaliação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) envia a todas as escolas públicas do país um guia com a lista das obras aprovadas e um parecer técnico sobre as coleções. Cada colégio escolhe os títulos que receberá. A avaliação impede que livros de má qualidade sejam distribuídos às escolas públicas.
Editores temem reflexo negativo no mercado
Ministério da Educação diz que objetivo de lista é impor regras.
O Presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), João Arinos, afirma que o setor é contrario à divulgação da lista de reprovados pelo MEC por temer reflexos negativos no mercado. Segundo ele, as escolas particulares têm liberdade de escolha e podem adotar linhas pedagógicas diferentes das que orientam a avaliação do ministério: “Somos favoráveis a não torna-la pública (a lista de livros excluídos). O fato de um livro ser reprovado não significa que seja ruim. Significa que não passou na avaliação do MEC.”
O presidente da Abrelivros é diretor-geral das editoras Ática e Scipione. Ele confirmou que a coleção “Ciências e Educação Ambiental” foi excluída do Guia do Livro Didático 2008 por “problemas pedagógicos”. Segundo ele, avaliação poderia ser aprimorada, com a adoção de critérios objetivos, evitando que livros sejam aprovados num ano e reprovados no outro, sem que tenham passado por grandes reformulações.
Em 2 de maio, o ministro Fernando Haddad declarou que havia solicitado parecer jurídico à consultoria do ministério para orientá-lo sobre a divulgação. Ele disse que o MEC não se curvava a pressões, que queria evitar ações judiciais por parte das editoras que se sentissem prejudicadas. Na última sexta-feira, a lista permanecia em sigilo. Procurado, Haddad não deu entrevista. Sua assessoria divulgou nota que não faz menção ao jurídico: “(…) A relação é apenas um balizador das compras governamentais, sem qualquer pretensão de regulação ou ingerência no mercado editorial. Cabe lembrar que a regulação das escolas particulares é de competência dos sistemas estaduais e municipais de ensino e não do Ministério da Educação”.