Não podemos cair em um poço sem fundo

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A nossa discussão não devia estar centrada numa expectativa absurda de revogação do novo ensino médio, mas em como melhor adequar esta etapa.

Em 2018, ainda como ministro da Educação, dei uma declaração forte a respeito da realidade do ensino médio no Brasil.
Naquele momento, longe de imaginar que enfrentaríamos uma pandemia dois anos depois, disse que o ensino médio no Brasil havia chegado ao fundo do poço.

A declaração repercutiu dividindo opiniões, mas o ponto principal estava colocado: não dava mais para que as autoridades escondessem a realidade educacional da sociedade brasileira. Todos sabiam que o problema era sério, mas nenhuma autoridade tinha coragem de assumi-la publicamente.

Para se ter uma ideia da gravidade do problema que enfrentávamos, naquele momento, segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), menos de 5% dos alunos ao final do ensino médio das redes públicas sabiam o esperado em português e matemática. Trago essa memória de 2018 para refletirmos sobre como será nosso futuro se, no presente, deixarmos revogar o novo ensino médio sem que haja uma avaliação da sua implementação para corrigir eventuais desvios e seguirmos um caminho raso que se pauta por questões políticas.

O novo ensino médio veio para dar uma nova estrutura a um processo de ensino defasado para as necessidades reais dos estudantes de hoje. A nossa discussão não devia estar centrada numa expectativa absurda de revogação da lei, mas sim, em como melhor adequar esta etapa, quais são os desafios de implementação e o que pode ser melhorado para atender a realidade que se impõe no dia a dia das escolas brasileiras.

Durante a discussão para a aprovação do novo ensino médio, apresentamos os marcos legais e resultados de avaliações que apontavam para a necessidade de mudanças mais que urgentes nesta última etapa da educação básica. Diversos setores da sociedade e instâncias educacionais participaram deste processo que antecedeu a aprovação da lei nº 13.415, do novo ensino médio.

O processo de elaboração desta lei foi resultado de discussões e documentos de quase três décadas, desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (1996); do debate e aprovação das diretrizes do ensino médio (1998); do Seminário Nacional sobre a reforma do ensino médio (2002); do Fundeb com foco na garantia da universalização do ensino médio (2007); do lançamento, pelo MEC, do Plano de Ações Articuladas (2007); do novo Enem (2009); do Programa Ensino Médio Inovador (2010); da criação no Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) do grupo de trabalho da Reforma do Ensino Médio (2010); das Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio aprovadas pelo CNE (2012); e do Projeto de Lei (PL 6840/2013) e do PNE (Plano Nacional da Educação, 2014). Como fica claro, o novo ensino médio foi discutido por vários governos.

A discussão do ensino médio deveria ser pautada nos ajustes necessários para sua efetivação, focada na ideia de apoiar e incentivar os estudantes em seus projetos de vida e não em aprender muitas coisas de forma rasa. É disso que se trata o novo modelo. No lugar disso deveríamos estar discutindo a formação inicial dos docentes, apoio efetivo à alfabetização das nossas crianças na idade certa, apoio ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais que apoiem nossos estudantes a superar os desafios que o século 21 impõe, formação continuada de qualidade e que apoie nossos docentes na sala de aula

Estudantes contam como tem sido o novo ensino médio em suas escolas

O novo modelo do ensino médio busca corrigir as distorções que o Brasil ainda tem nesta etapa de ensino em termos de estrutura e equilibrar as medidas que já são adotadas por outros países, como Chile, Austrália, Estados Unidos, e tantos outros. Agora estamos dando aos estudantes o acesso a todas as aprendizagens essenciais dos componentes curriculares, além de um aprofundamento naqueles em que há maior interesse.

O itinerário formativo, como é chamada a parte flexível do currículo, ajuda o estudante a estar mais preparado para o mundo do trabalho a partir dos seus sonhos, dons e vocações.

Alguém acha crível que façamos uma nova discussão dessa magnitude para avançar em outra estrutura curricular que responda aos desafios do futuro e não às pressões do passado? Ou temos a coragem de enfrentar as mudanças necessárias ou o Brasil continuará produzindo gerações que não estudam, não trabalham e também não ingressam no mercado de trabalho ou em um curso de nível superior.

Publicado por Rossieli Soares – Estadão em 05/04/23.

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