O alerta por trás dos números

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Há onze anos, quando o Ministério da Educação realizou a primeira edição do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a perspectiva era de que, com o passar dos anos e com a obtenção de resultados, fossem identificados problemas e criadas políticas públicas que melhorassem a qualidade do ensino nas escolas. Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com número de participantes cada vez maior, inevitavelmente tornou-se indicador, mesmo que não tão rigoroso do ponto de vista estatístico, do que os estudantes sabem ou não quando terminam a educação básica.  
 
no dia 7 de fevereiro, o Ministério da Educação divulgou os dados mais recentes destas duas avaliações. Em ambas, com exceção da 4ª série, no caso do Saeb, os alunos tiveram desempenho pior que na avaliação anterior. No Enem, os 36,90 pontos na parte objetiva deste ano configuram a segunda pior média da história. No Saeb, observando-se os dados desde a primeira avaliação, a tendência geral é de queda no desempenho dos estudantes. Algumas ressalvas podem ser feitas à conclusão imediata à que conduzem os resultados. O número de participantes nas duas avaliações cresceu e muito. O caso mais emblemático é o do Enem, que passou de aproximadamente 115 mil em 1998 para 2,7 milhões em 2006. Em matéria de estatística, isto tende a puxar a média para baixo, especialmente levando-se em conta que boa parte deste acréscimo de avaliados veio das redes públicas estaduais e municipais, em que a educação reconhecidamente tem mais problemas.
 
Porém, por mais considerações e ponderações que possam ser feitas, por trás dos números há pelo menos uma conclusão é inevitável: os estudantes brasileiros saem das escolas sabendo muito menos do que deveriam. Este ano, não foram divulgados os indicadores de desempenho, ou seja, os patamares mínimos de pontuação a partir dos quais se poderia dizer que o aluno está preparado para passar à etapa seguinte do sistema de ensino. Porém, se o resultado deste ano fosse obtido no último Saeb, em nenhuma das séries avaliadas as escolas, de forma geral, teriam passado o aprendizado que se espera aos seus alunos.  
 
Uma década perdida para a educação? 
 
O novo rendimento abaixo do esperado leva a uma pergunta inevitável: O que foi feito (ou deixou de ser feito) para que os alunos brasileiros aprendam? Opiniões de especialistas caminham no sentido de que, apesar das centenas projetos para a área educacional, problemas como condições de ensino, qualificação e valorização de professores, infra-estrutura inadequada, currículos desmotivadores, entre outros ainda não foram atacados a fundo.  
 
“Eu acho que nós governos, seja municipal, estadual ou federal temos culpa. Alguma coisa aconteceu. Os três níveis governamentais têm que estabelecer três ou quatro grandes metas e não 60 metas“, defendeu o secretário estadual de Educação do Rio de Janeiro, Nelson Maculan.  
 
A situação do ensino médio é a mais complicada, segundo os dados. Assim como ocorreu no Enem, os alunos do 3º ano que fizeram o Saeb tiveram o pior resultado de todas as avaliações. Para Maculan, é necessário trabalhar em várias frentes, como rever as técnicas de ensino, dar melhores condições de trabalho aos professores, alterar o currículo para manter o estudante o dia inteiro envolvido com atividades acadêmicas, entre outras. “Esse seria um bom começo para alcançar melhores resultados“, salientou. 
 
 
Problemas começam no ensino fundamental 
 
Há quem também veja nas outras etapas do ensino uma causa do desempenho fraco dos alunos do ensino médio. Para a doutora em Educação pela UFRJ e ex-secretária de Ciência e Tecnologia, professora Nilda Teves, a queda no desempenho em avaliações de conhecimentos básicos como o Saeb e o Enem pode estar relacionada a um outro fenômeno, que se tornou comum nos últimos dez anos: a adoção de sistemas de ciclos de ensino. “No primeiro ano de estudo, em que a criança necessita de um vínculo mais forte com a escola, de um tempo maior para aprender a ler, é até aceitável. Mas, implantar progressão automática em todo o ensino é seríssimo. Só quando os números das avaliações denunciam isto é que se mostra que o problema vem lá de baixo.“  
 
Um dos problemas do sistema de ciclos, especialmente em redes com poucos recursos, é que não há infra-estrutura para dar o acompanhamento necessário a alunos com dificuldades. No caso dos estudantes das particulares, quando o apoio não existe no colégio, os próprios pais se encarregam de dar o complemento, seja por eles próprios ou com a contratação de profissionais. Esta também é apontada como uma das causas do desempenho mais fraco dos alunos de escolas públicas nas avaliações. “São crianças que acumulam dificuldades. Aprendem a ler, mas não basta só isto. Tem que interpretar. E tudo isto se consolida ao longo do tempo“, frisou Nilda Teves, ressaltando que é preciso rever os métodos e fazer com que o ensino médio seja mais identificado com as expectativas dos estudantes.  
 
“As escolas não estão ensinando bem. Especialmente no ensino médio, é preciso trabalhar com cinema, teatro, artes e outras atividades. Só colocar o aluno na escola não quer dizer nada. O governo pode liberar milhões para consertar prédios, financiar treinamento para professor. Tudo isto é bom, mas é preciso ver em que condições estes profissionais trabalham.“  
 
 
Prioridade para metas estratégicas 
 
Apesar da quantidade e da diversidade de projetos educacionais nas três esferas de poder público, alguns dos problemas apontados com freqüência por educadores são facilmente encontrados nas escolas, mais de uma década após a primeira avaliação do Saeb. O funcionamento em turnos de 4 horas ainda predomina. Também são comuns as reclamações de salas pequenas e com excesso de alunos, a falta de verbas, carência de professores, profissionais desvalorizados e desmotivados, infra-estrutura aquém das demandas dos dias de hoje, entre outros aspectos, como ressalta a doutora em Educação pela Uerj, professora Bertha do Valle. “Ainda temos professores sem a formação mínima necessária para a etapa de ensino ou para a disciplina em que atuam, principalmente na 5ª à 8ª séries e no ensino médio. Temos prédios escolares necessitando com urgência de obras, com falta de água, com banheiros mal cuidados. O livro didático é, em numerosas escolas, o único material didático utilizado pelos professores“, salientou a educadora.  
 
Para reverter o quadro, Bertha do Valle acredita que o principal é investir mais, principalmente no ensino fundamental. Segundo ela, é preciso direcionar o investimento para objetivos estratégicos, como expansão do acesso à Educação Infantil, melhoria da estrutura física e pedagógica das escolas, construção de novos colégios, formação e qualificação dos professores, entre outros. “Os maus resultados do ensino médio são conseqüência dos anos iniciais de estudo“, resumiu a educadora. Agora, resta ver se, ao contrário dos estudantes, os representantes do poder público são capazes de aprender como se espera.  
(Colaborou Joana Martins) 
 

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