Plano Nacional de Livro e Leitura: muitas páginas ainda em branco

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Para ele, o mercado editorial brasileiro ainda conserva muitas páginas em branco – e há uma grande parcela do público a ser conquistada. Políticas públicas ineficientes, alto preço dos exemplares, pequeno número de bibliotecas e forte tradição oral dos brasileiros são alguns dos entraves apontados pelo especialista. Circunstâncias que só fazem aumentar a responsabilidade das escolas – e dos professores – no fomento de uma nova geração de leitores. O estímulo à leitura é daquelas medidas defendidas de forma unânime por todos os segmentos, mas que, tradicionalmente, tem sido relegada a segundo plano – pelo menos do ponto de vista das políticas públicas. Afinal, não há outra explicação a não ser este descaso histórico para o fato de o brasileiro ler, em média, menos de dois livros por ano. Em países como a França este índice chega a sete obras anuais. Com o objetivo de melhorar estes e outros indicadores, o Plano Nacional de Livro e Leitura busca, por intermédio de ações integradas entre os Ministérios da Educação e da Cultura, além de instituições da sociedade civil, trazer o livro para o dia-a-dia do brasileiro. O novo coordenador-executivo do plano, José Castilho Marques Neto, que tomou posse na última quarta-feira, dia 30, elencou algumas das metas principais: aumentar o número de livrarias, de bibliotecas públicas e criar programas de capacitação e modernização destes espaços. Ele só espera que divergências políticas não atrapalhem as parcerias. “Às vezes, as paixões políticas passam por cima da racionalidade, mas, até agora, todas as forças políticas contrárias partidariamente ao governo federal com as quais tenho conversado têm se mostrado extremamente cooperativas“, comentou.
 
Presidente da Editora Unesp, José Castilho acredita que o livro ainda é caro no Brasil, considerando-se o poder aquisitivo médio da população. Mas espera que o quadro seja revertido com campanhas que ampliem o número de leitores. Ele também quer que as políticas públicas cheguem a um novo perfil de leitor, diferente daquele que, em geral, se interessa pela leitura escolar, que é o que predomina. “Há uma faixa de leitores a conquistar, que têm entre 20 e 50 anos“, destacou José Castilho Neto. 
 
FOLHA DIRIGIDA — Quais as metas de curto e longo prazo para o Plano Nacional de Livro e Leitura?  
 
José Castilho — O Plano tem como objetivo integrar os Ministérios da Educação e da Cultura em torno da promoção da leitura, que é algo que une o poder público, os setores criativo, produtivo e distributivo do livro, além, é claro, da sociedade, através de organizações não-governamentais e outras entidades que não têm objetivos lucrativos. Atualmente, estamos na fase de implantação e nossa primeira tarefa é reunir informações sobre projetos, atividades, programas e eventos na área da leitura e da literatura que foram implantados ou estão em gestação ou em desenvolvimento. A partir daí, buscaremos maior sinergia entre os projetos e iniciativas, de forma que tenhamos um quadro das grandes iniciativas realizadas em todo o país em relação ao livro e à leitura.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — Reunir estes projetos é uma das metas. Há outros objetivos de curto prazo?  
 
José Castilho — Há alguns objetivos gerais. Nos próximos três anos, queremos aumentar o percentual do índice nacional de leitura. Hoje, este índice está em 1,8 livros lidos por ano e queremos que chegue a 2,7. Para que se tenha uma idéia, este índice é de sete, na França; 5,1 nos Estados Unidos e de 4,9 na Inglaterra. Na Colômbia, que tem situação pior que o Brasil do ponto de vista socioeconômico, a média é 2,4 livros ao ano.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — E em relação ao número de bibliotecas públicas?  
 
José Castilho — Também nos próximos três anos queremos ter bibliotecas públicas em todas as cidades. No início do atual governo, havia cerca de 1.300 cidades sem bibliotecas. Hoje, há pouco mais de 600. A idéia também é aumentar o número de livrarias em pelo menos 10%. Hoje temos em torno de 1.500. Precisamos também fazer um levantamento suficientemente abrangente sobre livro e leitura em todo o país. Temos dados regionais ou pesquisas muito precárias de setores interessados. Não existem números confiáveis pela falta de pesquisas sistemáticas para comparar resultados.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — Um dos objetivos do plano é trabalhar com projetos e programas empreendidos pelos governos nos âmbitos federal, estadual e municipal. Naturalmente, há diferenças políticas que, em vários casos, afetam parcerias entre entes da federação. Como o senhor pretende superar eventuais resistências de ordem política?  
 
José Castilho — Isto me preocupa bastante. Às vezes, as paixões políticas passam por cima da racionalidade, mas, até agora, todas as forças políticas contrárias partidariamente ao governo federal com que tenho conversado têm se mostrado extremamente cooperativas. Estou sentindo um clima muito positivo, assim como sinto este mesmo clima do lado empresarial. Há uma convergência, um momento histórico importante para o país e é isto que tem tornado possível a existência do Plano Nacional de Livro e Leitura. É um momento de construção e temos de pensar a longo prazo, ou seja, em objetivos para daqui a 10 ou 15 anos. E este plano só se sustenta a longo prazo se continuar a existir esta convergência que está acontecendo agora.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — O brasileiro lê menos de dois livros por ano. Isto, naturalmente, é fruto da histórica falta de políticas voltadas para o estímulo à leitura no país. Além disto, há outras explicações para um índice tão baixo?  
 
José Castilho — Uma das teorias que existem a respeito é a nossa tradição oral. Inclusive, na educação, há um peso muito grande da oralidade em detrimento da leitura. Temos também um índice de analfabetismo funcional de 38%, percentual que é de 14% na Alemanha, de 21% nos Estados Unidos e de 22% na Inglaterra, por exemplo. São pessoas que não conseguem ler uma página de texto e compreendê-la. Ou seja, o cidadão é alfabetizado mas, ao mesmo tempo, não é. Tudo isto dificulta o acesso ao livro. Existe ainda a concorrência com outras mídias. Mas esta concorrência continuará enquanto tivermos este índice de analfabetismo funcional ou não valorizarmos como se deve a leitura.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — A leitura tem perdido espaço para formas de entretenimento modernas, que trabalham com imagem e som?  
 
José Castilho — Tem. Este é um fenômeno que ocorre no mundo inteiro. Não há ainda absoluta convicção sobre o que acontecerá daqui a 20, 30 anos. Até pela velocidade de transformação das novas tecnologias. Participo desta discussão como professor universitário e editor há mais de 15 anos e a única convicção que existe é que haverá uma convivência nem sempre harmoniosa entre estas mídias. Mas não haverá o desaparecimento do livro na forma tradicional. Ele vai concorrer com estas outras mídias, com outras bases de leitura. Com isso, há espaço para crescimento de todos os segmentos. E temos que conviver e saudar isto. Se existe uma pessoa que não gosta de ler livros em papel mas gosta de ler na tela do computador, ótimo. O surgimento da televisão não ocasionou o fim do rádio e do cinema. Houve redução no número de salas de exibição, mas o cinema ainda existe. O mais importante é aumentar o nível de leitura, seja qual for sua base física.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — Qual a responsabilidade da escola e da família na formação do leitor? Em que idade deve se estimular a criança a ler?  
 
José Castilho — Estes são os dois pilares da formação de um leitor. É mais do que comprovada a importância da família para despertar o prazer pela leitura. E não há idade para começar. Tenho amigos apaixonados por livros que leram para os filhos enquanto estavam no útero da esposa. É um exemplo radical que mostra que não existe idade para iniciar o estímulo. Há experiências incríveis de organizações não-governamentais e escolas públicas que aproveitam senhoras de idade aposentadas para trabalhar como contadoras de histórias. Além de promoverem uma ótima interação geracional, fomentam o gosto pela leitura de forma muito interessante. O outro lado é a escola. O professor que gosta de ler, que entende a importância da leitura, ao transmitir isto para o aluno faz com que ele não só tenha prazer, mas que compreenda o que lê.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — A escola tem desempenhado o papel que poderia na formação de leitores?  
 
José Castilho — Não. Ainda há muito o que conquistar. Apesar do esforço conhecido e reconhecido dos professores de todo o Brasil, temos que centrar melhor as ações da educação na área da formação destes recursos humanos. Existem movimentos em nível nacional, como o Proler, onde se faz um trabalho voluntário extremamente importante. Há várias ações neste sentido e espero que esta união entre o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura crie um estímulo ainda maior.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — Além da família e da escola, haveria um outro vetor importante para o estímulo à leitura?  
 
José Castilho — Temos também de aumentar a acessibilidade, via bibliotecas públicas. Afinal, é nestes locais que as famílias de menor poder aquisitivo podem buscar os livros para seus filhos. E estas bibliotecas, por sinal, precisam ser bem aparelhadas, abertas e com recursos humanos treinados para receber as pessoas e orientar sobre que tipo de livros retirar. Se conseguíssemos, nos próximos quatro ou cinco anos, implantar isto no Brasil de forma prioritária, como parte de nossa meta de desenvolvimento econômico e social, teríamos boas chances de ter um número bem maior de leitores.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — Outro obstáculo associado ao reduzido número de leitores é o preço das publicações. Em geral, o livro no Brasil é caro?  
 
José Castilho — O livro é caro para o poder aquisitivo médio do brasileiro. Mas, se compararmos o preço do livro produzido Brasil com o de outros países, inclusive da própria América Latina, não é tão caro assim. Existe um círculo vicioso que só se resolverá quando tivermos possibilidade de produzir tiragens mais altas, pois quanto maior a tiragem, menor é o preço unitário. A partir do momento em que tivermos compras regulares para bibliotecas e uma circulação maior de livros como resultado de campanhas de incentivo à leitura, haverá um estímulo ao aumento das tiragens, o que fará com que o preço do livro caia.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — O problema está só no baixo poder aquisitivo médio do brasileiro ou há também uma questão cultural?  
 
José Castilho — O problema econômico é semelhante ao que apresentei. Mas é claro que há uma parte da população que gostaria de ter maior acesso ao livro e que compra poucas obras. Temos uma faixa em torno de 10 milhões de pessoas que compram livros mas sabemos que a quantidade de pessoas que têm condições de comprar pelo menos um livro por mês é muito maior que esta. Há uma questão cultural, além, naturalmente, do predomínio da oralidade e da falta do prazer de ler. Daí a idéia do Plano Nacional de Livro e Leitura de incentivar campanhas de leitura em todas as mídias, realizar seminários, congressos e outras iniciativas. Quando ocorrem bienais do Rio de São Paulo, no mês seguinte, crescem as vendas. Até porque este tipo de evento provoca a lembrança e o interesse de quem pode comprar livros.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — Qual o perfil do leitor brasileiro?  
 
José Castilho — É um perfil mais ligado à leitura escolar, de pessoas que se situam da classe média alta para cima. Mas, ao mesmo tempo, é um leitor muito oscilante, que não mantém o hábito de compra de livros. E este hábito está geralmente vinculado a necessidades profissionais, embora este seja um desenho muito opaco, até porque, como disse, faltam pesquisas regulares e abrangentes em relação a isto. Agora, existe perfil de consumo inexplorado e do qual ainda não temos um retrato que é o dos freqüentadores das bibliotecas públicas e comunitárias, ou seja, a massa da população mais pobre. Em conversas que tive nos últimos anos com profissionais que trabalham nestas bibliotecas, soube que tratam-se de pessoas em formação escolar e ou com faixa etária mais avançada, que estão fora do mercado de trabalho e buscam na leitura uma forma de apoio social, econômico e afetivo. Há uma faixa de leitores a conquistar, que têm entre 20 e 50 anos.  
 
 
FOLHA DIRIGIDA — Quais contribuições a leitura pode trazer para a formação de um indivíduo? Por que ler é considerado tão importante por especialistas?  
 
José Castilho — A leitura traz alguns aspectos que outras formas de acessibilidade ao mundo culto e do lazer a partir de outras mídias dificilmente podem permitir. Primeiramente, a idéia de introspecção. Ao ler, o sujeito estimula o cérebro, os sentimentos, a sensibilidade; ele cria imagens e dialoga com sua própria consciência. Os autores escrevem de si próprios para o outro. E é sempre para o indivíduo. Não há leitura de massa. Esta noção de individualidade é o aspecto mais rico da leitura. Se eu e uma outra pessoa lemos o mesmo texto, teremos leituras diferentes. E cada um extrairá do texto, a partir de suas experiências de vida, lições também distintas. E isto é enriquecedor do ponto de vista intelectual, afetivo, psicológico e da sensibilidade humana. 
 

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