Ampliação do Fundef esbarra na corrupção

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Parte do dinheiro que serviria para educar os jovens está sumindo pelo ralo da corrupção. As verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), criado no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1996, para incentivar o ensino fundamental, lideram as ocorrências de fraudes que envolvem recursos federais repassados para os municípios, segundo a Controladoria Geral da União (CGU).  
 
A Procuradoria Geral da República já investiga mais de 70 municípios baianos onde se suspeita que haja desvios da verba do Fundef. E o problema pode ficar ainda mais grave: através do Fundeb, que aguarda aprovação no Senado, o Fundef será expandido para compreender a educação básica – e, a depender de alguns senadores, a rede municipal de creches, sufocada pela falta de recursos municipais.  
 
A verba do novo fundo pode chegar a R$ 4,5 bilhões anuais, diante dos R$ 737 milhões alocados em 2005 para o Fundef (dos quais só foram rapassados aos municípios R$ 398 milhões). O Fundef é financiado por diversos impostos e envolve um patamar mínimo de gastos – 25% da receita dos impostos e repasses do governo federal devem financiar a educação –, calculado a partir do número de alunos matriculados no Ensino Fundamental em cada Estado. Se a arrecadação estadual for insuficiente para garantir os recursos, a União entra em cena para complementar.  
 
Na Bahia, desde 2005, o Fundef é financiado inteiramente pelo Estado. Para fiscalizá-lo, existem os tribunais de contas, os ministérios públicos e a sociedade civil, por meio dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundef. Segundo especialistas em gestão pública e integrantes do Poder Judiciário, estes mecanismos de participação popular acabam sendo fruto de indicações políticas, que pouco ou nada fazem para fiscalizar a gestão pública.  
 
DESVIOS – A CGU, chefiada pelo ministro Waldir Pires, escolhe por sorteio municípios para serem fiscalizados, a cada três meses, e o resultado das auditorias é espantoso. Os auditores descobriram que 81,66% dos 60 municípios brasileiros fiscalizados na última apuração apresentaram irregularidades na aplicação de recursos federais. O Fundef lidera as ocorrências: em Placas (PA), por exemplo, mais de R$ 3 milhões do Fundef foram sacados sem qualquer comprovação de onde foram gastos. Os relatórios da CGU estão disponíveis para consulta pública no site www.cgu.gov.br/cgu.  
 
Na Bahia, com 417 municípios, é possível ter um vislumbre da situação com base nas investigações do CGU e da Procuradoria da República. Em Serrinha, a CGU afirma que até R$ 4,6 milhões podem ter sido desviados só na educação – a prefeitura, no período de 2002 e 2003, não comprovou nenhum gasto referente a esses recursos.  
 
Já em Piripá, foram descobertas 22 escolas fantasmas e a prefeitura não comprovou a aplicação de parte dos recursos do Fundef sacados entre 1998 e 2000. Só nesta apuração do CGU, estão na mesma situação os municípios de Coribe, Paripiranga e Canápolis. Em Canápolis, o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) descobriu que o prefeito Hélio José de Oliveira (PP) emitiu notas fiscais falsas para comprovar gastos com o Fundef, como pode ser comprovado pelo Processo nº 11310-05. O TCM encontrou 27 notas clonadas, num total de R$ 500 mil desviados. Há também empresas fechadas que recebem recursos e creches fantasmas.  
 
CONSELHOS – Cláudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil – dedicada a combater a corrupção (e filiada à Transparency International) –, afirma que os ministérios responsáveis pelos recursos não têm mecanismos de gerenciamento dessas transferências. “Há um problema sério de controle, não se pode esperar que apenas o CGU cuide desses municípios“.  
 
Segundo Abramo, “os conselhos são inoperantes, pois sua concepção está errada. Quase sempre são cooptados pela prefeitura. Supõe-se que esses conselhos seriam capazes de fiscalizar. Mas na prática, isso não ocorre. Cerca de 82% dos municípios brasileiros não têm arrecadação suficiente de impostos para funcionar, dependendo de recursos federais. E a maioria das pessoas depende da prefeitura, dos empregos públicos, então não há isenção“.  
 
Abramo lembra também que 74% dos brasileiros são analfabetos funcionais, segundo dados do Instituto Paulo Montenegro, ONG criada pelo Ibope para pesquisar a educação no Brasil. “Será que essas pessoas vão entender os orçamentos? Não é que a idéia seja ruim, mas não pode funcionar. É preciso um controle mais apertado do centro – há excesso de descentralização e sem acompanhamento local“.  
 
Sociedade deve fiscalizar – O desvio de recursos não é privilégio do Fundef e as irregularidades em municípios baianos aparecem também nos relatórios anteriores da Controladoria Geral da União (CGU), referentes à aplicação de outras verbas federais. Mas os mecanismos de fiscalização existentes já têm as mãos cheias com as investigações oficializadas, e as denúncias acabam ficando velhas. Além disso, os conselhos municipais estão enfraquecidos em sua função de fiscalizadores das contas públicas.  
 
“Nos municípios onde detectamos problemas, sempre verificamos que o Fundef é mal gerido“, diz o procurador da República Danilo Reis, admitindo que a fiscalização é “precária“. Ele lembra o caso de Porto Seguro, em que as fraudes concentravam-se na educação e derrubaram o prefeito na época. Outro caso, mais recente, é em São Francisco do Conde, também envolvendo desvios do Fundef.  
 
QUESTIONAMENTO – Dentro da visão do governo federal, de que os conselhos deveriam ser a ponta de lança da fiscalização, surge o questionamento sobre a validade de sua atuação. “Na minha opinião, a fiscalização é o papel mais relevante dos conselhos de fiscalização do Fundef“, diz Danilo. “Na maioria dos municípios, infelizmente eles não exercem essa função e, em muitos, nem foram criados ainda. Na maioria das vezes, quando existem, têm funcionamento meramente formal, são formados por apadrinhados dos prefeitos e não têm autonomia para fazer efetivamente a fiscalização“.  
 
Em Ibipeba, temos um exemplo de como a sociedade civil organizada está sendo lesada, por meio de indicações políticas: o Conselho de Fiscalização do Fundef foi indicado pelo prefeito e não tem atuação. “Durante reunião com o Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundef (Cacs), os conselheiros afirmaram que foi o prefeito quem fez a nomeação dos membros. Não houve, portanto, representação efetiva das categorias. O conselho não vem fiscalizando e acompanhando a execução do Fundef no município“, informam os auditores da CGU em seu relatório.  
 
 
 
Senadores negociam nova lei do Fundeb
A Tarde (BA) – Patrick Brock  
 
Em seu programa matinal “Café da manhã com o presidente“, de 20 de fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que “o Fundeb vai permitir que a gente cuide da criança do dia em que nasce até o ensino médio, dando ao povo brasileiro um padrão de educação que todo o mundo dá, que o mundo desenvolvido deu“.  
 
Dados do IBGE, de 2004, apontam que 11,5% das crianças até 6 anos estavam fora da escola. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 2 de fevereiro e depende de votação no Senado. A PEC amplia recursos para a educação e o número de vagas no ensino público.  
 
Existe a possibilidade, defendida por alguns senadores, de a emenda constitucional incluir também as creches no repasse de verbas federais. A emenda cita a criação de um mecanismo de fiscalização, mas sem maiores detalhes. O deputado federal José Carlos Aleluia (PFL-BA) acredita que o Senado deve aperfeiçoar o projeto, com ênfase especial no reforço dos mecanismos de fiscalização e no financiamento à pré-escola. “A melhor forma de fiscalizar a educação é através da sociedade. Ela tem que ser convencida de que, se os seus filhos não tiverem uma boa capacidade cognitiva, não serão competitivos.  
 
Os Estados devem ter poderes mais fortes para avaliar. Os pais, professores, todos devem ter um papel nessa fiscalização. Não se pode continuar gastando tão mal. O Fundef é um avanço, mas ainda precisa de correções“, diz Aleluia, que cita o exemplo da Coréia do Sul, um país que emergiu destroçado após a guerra e agora tem renda per capita de US$ 22 mil, graças ao investimento em educação.  

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